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Aspectos conceituais e legais da perícia ambiental

Kheyder Loyola

PRATICAR PARA APRENDER

Prezado(a) aluno(a), nesta seção abordaremos a atividade pericial propriamente dita e a importância da realização de perícias em matéria ambiental para a efetiva elucidação e quantificação de danos ao meio ambiente.
Estudaremos ainda as previsões legais concernentes à perícia ambiental, passando pelas legislações esparsas que tratam sobre o assunto, seja no Código de Processo Penal, Lei de Crimes Ambientais ou mesmo no Código de Processo Civil, possibilitando, assim, a realização de uma análise concatenada dos objetivos do trabalho pericial enquanto ferramenta voltada à investigação criminal ambiental
Por fim, abordaremos o efetivo papel do perito não apenas na investigação, mas nos processos que envolvam matéria ambiental como um todo, elucidando que suas atribuições não são unicamente voltadas para apontar a materialidade de um determinado fato, mas, principalmente, quantificar seu alcance e o prejuízo causado, demonstrando ainda que a sua atuação é diretamente ligada com o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Seguindo tais premissas, imagine uma situação hipotética em que você é chamado para defender os interesses de um cliente que responde por crime ambiental. Sabe-se que o perito esteve no local, cumprindo a regra do art. 6º do CPP, entretanto, sugeriu ao dano o importe de R$100.000,00 (cem mil reais) para fins de instrumento balizador da multa ambiental. Ocorre que não apresentou justificativa da sua aferição. Em peça de recurso, apresente a defesa que comporta ao caso em tela. 

Conceito-Chave

A atividade pericial

Em matéria ambiental, a perícia é o procedimento cuja finalidade é avaliar eventuais danos ao meio ambiente e todos os seus microbens, investigando e detectando causas de um acontecimento ou de uma situação potencialmente nociva, objetivando, por meio de uma análise estritamente técnica, solucionar os fatos ocorridos e emitindo o competente laudo.
A perícia ambiental traduz-se em verdadeiro instrumento investigativo, desempenhando papel crucial nas demandas ambientais perante a Justiça, principalmente ao tratarmos de crimes ambientais.
Sob o aspecto histórico, na Inglaterra dos anos 70 foram criadas as primeiras auditorias e perícias, cuja finalidade era instrutiva e preventiva. Já no Brasil, foi apenas com o advento da Lei Federal nº 9.605/98 que houve uma maior ampliação em sua aplicabilidade.
A atividade pericial ambiental tem por escopo não apenas identificar o eventual fato danoso, mas também sua extensão e consequências.
O perito ambiental pode ter formação em diversas áreas, dentre elas, Ciências biológicas; Engenharia Ambiental; Oceanografia; Agronomia; Ecologia e etc., a depender das necessidades expostas no caso concreto.
O autor Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira (2017, p. 506), ao tratar da atividade pericial, é didático no que tange a finalidade do trabalho:

Se o crime ambiental deixar vestígios, tornar-se-á imprescindível o exame pericial para constatação da materialidade delitiva necessária à justa causa da ação penal. O exame pericial também é necessário para outras questões relevantes, por exemplo, para aferição da extensão do ano ambiental que servirá de baliza para dosagem da pena ou até para o reconhecimento de uma agravante ou qualificadora de pena. 

A Lei Federal nº 9.605/98 deu tamanha importância ao trabalho pericial, que trouxe a previsão, em seu art. 19, de que, sempre que possível, quando da realização de perícia para constatação de eventual dano ambiental, deve haver a demonstração do efetivo prejuízo causado pelo ato, auxiliando, desta forma, a fixação de fiança (se o caso) e o cálculo da multa aplicável.
Assim como em todo trabalho pericial, a atividade pericial em matéria ambiental tem por escopo auxiliar o magistrado, posto que não é exigido que este possua conhecimento técnico em todas as ciências exatas e humanas, portanto, sempre que necessária uma opinião técnica a respeito de determinado assunto, imperiosa a realização de perícia.
Em termos técnicos, a NBR 14653-1:2001 (2001, p. 5), editada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, ao tratar da “Avaliação de Bens” conceitua perícia como “atividade técnica realizada por profissional com qualificação específica, para averiguar e esclarecer fatos, verificar o estado de um bem, apurar as causas que motivaram determinado evento, avaliar bens, seus custos, frutos ou direitos”.
Ante às premissas estudadas, pode-se concluir que o trabalho pericial sob a ótica da investigação ambiental é imprescindível ao sucesso não apenas de uma determinada investigação, mas para a própria consecução das políticas protecionistas ambientais e para o bom andamento dos feitos judiciais, principalmente no que tange a efetiva mensuração do dano visando a fixação de multas.

Previsões legais relativas à perícia ambiental

Em matéria ambiental, a legislação brasileira é tida como vasta e abrangente, servindo, inclusive, de modelo para outros países. A positivação da preservação ambiental acabou por fomentar os mecanismos judiciais voltados ao protecionismo ambiental, desde os direitos relativos à efetiva indenização pela prática de condutas lesivas ao meio ambiente, como aqueles cujo escopo é a efetiva prevenção de danos, assim, a própria atuação das partes em juízo passou a ser objeto de maior atenção.
Em se tratando das perícias em matéria penal, o Código de Processo Penal dá tamanha importância à realização do procedimento que, logo em seu art. 6º (BRASIL, 1941) impõe que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da infração, deve “dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e a conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais”, apreendendo os objetos que tiverem relação com o fato apenas após a efetiva liberação pelo perito.
A respeito do tema, cabe lembrar que o próprio art. 19 da Lei Federal nº 9.605/98 é cristalino ao definir que a perícia voltada à constatação do dano ambiental, sempre que possível, deverá fixar o montante do prejuízo causado, objetivando, desta forma, o cálculo de eventual multa a ser aplicada ou até mesmo a fixação de fiança.
O mesmo artigo mencionado, em seu parágrafo único, faz apontamentos acerca da possibilidade do empréstimo de prova, frisando que, caso a perícia ambiental tenha sido produzida em um inquérito civil ou mesmo no juízo cível, poderá ser aproveitada na esfera penal, desde que, obviamente, seja respeitado o contraditório e a ampla defesa.
A Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados, dentre outros, ao meio ambiente. Nessa seara, o art. 9º de referido códex prevê que o Ministério Público, no uso de suas atribuições, poderá requisitar, caso entenda necessário, perícias ou exames técnicos.
A própria complexidade do meio ambiente, englobando todos os seus microbens ambientais, é tanta que, por vezes, um único perito não é suficiente para apuração de eventuais danos, até porque, o equilíbrio ecológico exige análises multidisciplinares, tendo o próprio Superior Tribunal de Justiça se manifestado a respeito:

PROCESSUAL CIVIL. (...) PERÍCIA. DANO AMBIENTAL. DIREITO DO SUPOSTO POLUIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. (...) 5. A prova pericial é necessária sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico, o que se revela aplicável na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho humano. 6. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos à origem com a anulação de todos os atos decisórios a partir do indeferimento da prova pericial”.

(STJ, Resp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Pub. 14-12-2009)

A este respeito, mesmo se tratando da perícia voltada à investigação de crimes ambientais, compete aqui citar a previsão expressa do art. 475 do Código de Processo Civil, o qual é didático ao prever que “tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico”.
Com isso, temos que as previsões legais relativas à perícia ambiental são esparsas, merecendo menções de diversos dispositivos, até porque, a complexidade da matéria não permite a efetiva consolidação das informações em um único instrumento, devendo o profissional que atue na área manter-se sempre atualizado com as notas técnicas, legislações e matérias pertinentes ao assunto.

O papel do perito

A perícia ambiental é uma importante ferramenta para elucidação de crimes ambientais e aferição da efetiva extensão de um dano causado, possibilitando a quantificação do prejuízo e a fixação de multas ou fianças.
Cândido Dinamarco (2001, p. 584) elucida de forma clara o conceito de perícia, entrelaçando seu conceito com a atribuição do próprio perito, a saber:

Perícia é o exame feito em pessoas ou coisas, por profissional portador de conhecimentos técnicos e com a finalidade de obter informações capazes de esclarecer dúvidas quanto a fatos. Daí chamar-se perícia, em alusão à qualificação e aptidão do sujeito a quem tais exames são confiados. Tal é uma prova real, porque incide sobre fontes passivas, as quais figuram como mero objeto de exame sem participar das atividades de extração de informes.

O autor Josimar Ribeiro de Almeida (2009, p. 34), ao tratar do perito ambiental e da importância da prova produzida, é didático ao apontar que ela objetiva:

Confirmar, cientificamente, a ocorrência do dano e a apuração de sua real extensão ambiental. Ela é fundamental para que o juiz tenha convicção no julgamento da procedência do pedido do autor e possa determinar, se for o caso, a cessação da atividade ou conduta lesiva, a reconstituição do bem lesado, ou, se impossível, a reconstituição, a indenização em dinheiro equivalente ao prejuízo constatado, a ser revertida a um fundo para a recuperação dos bens lesados.

Assim, o papel do perito não é limitado pela mera aferição da existência ou não do dano ambiental, mas, principalmente, pela sua extensão, possibilidade de reconstituição, necessidade de indenização ou mesmo se houve a cessação da conduta lesiva.
Em suma, o perito ambiental é o responsável técnico que auxilia as autoridades na elucidação de um determinado fato que necessite de seu conhecimento e que deve apresentar laudo que relate, cientificamente, o efetivo dano causado, sua extensão e os responsáveis, objetivando assim a punição dos agentes envolvidos na conduta danosa ao meio ambiente.
Cabe apontar que o papel do perito não é apenas o de apontar que determinado sujeito cometeu o dano ambiental, mas também de demonstrar a não ocorrência deste. O princípio da precaução, em direito ambiental, acaba por pressupor que compete a quem praticou o ato danoso demonstrar que não o causou de fato, neste sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1060753/ SP de relatoria da Ministra Eliana Calmon, afirmou que “é direito subjetivo do suposto infrator a realização de perícia para comprovar a ineficácia poluente de sua conduta”.
Sob esse aspecto, o mesmo Tribunal editou a Súmula 618 no ano de 2018 impondo que “a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”. Dessa forma, ante às premissas estudadas, é possível aferir que o papel do perito em matéria ambiental vai muito além do mero reconhecimento do dano, mas está intrinsecamente ligado à análise de sua extensão e da existência ou não de responsabilidade por parte do agente que causou o suposto fato danoso, servindo o perito, verdadeiramente, como verdadeiro auxiliar na busca da verdade.

Assimile 

Ao tratarmos do Teor da Súmula 618, apontamos que a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental, cabendo relembrar que tal inversão decorre principalmente do chamado “Princípio da Precaução”, o qual podemos assimilar como o inverso do “in dubio pro reo”, posto que, diferente do primeiro, caso haja incerteza em uma situação de dano ambiental, o meio ambiente tem em seu favor o benefício da dúvida, ou seja, compete à empresa supostamente poluidora demonstrar que sua atividade não é lesiva ao meio ambiente e não o contrário.

Reflita 

A respeito dos temas abordados, cabe ao(a) aluno(a) refletir sobre a estrita relação entre o in dubio pro reo e o princípio da precaução, apontando se a precaução ambiental não confronta o mandamento constitucional da presunção de inocência.

Exemplificando 

No conteúdo estudado apontamos que o trabalho pericial ambiental é multidisciplinar, a depender do efetivo tecnicismo necessário à instrução processual, sob este aspecto cabe apontar que a situação concreta pode exigir, por exemplo, perito ambiental com conhecimento em: Análise de solo; química orgânica; oceanografia; descartes de resíduos; agronomia, ecologia, dentre diversas outras áreas técnicas. Isso se dá devido à complexidade do equilíbrio ecológico e da pluralidade de microbens ambientais.

Com isso, ante às premissas apresentadas, é possível entender a importância do trabalho pericial em matéria ambiental, não apenas para a formação do livre convencimento do magistrado, mas como verdadeira ferramenta voltada ao exercício do contraditório e ainda, como materialização dos próprios fundamentos investigativos ambientais, dando verdadeira ênfase ao protecionismo esperado na sociedade moderna.

Referências

ALMEIDA, J. R. Perícia Ambiental Judicial e Securitária. Rio de Janeiro: Thex, 2009.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 14653-1: Avaliação de bens Parte 1: Procedimentos gerais. Rio de Janeiro: ABNT, 2001.
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1941. Disponível em: https://bit.ly/3B6HPQu. Acesso em: 1 fev. 2022.
BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 fev. 1998. Disponível em: https://bit.ly/3HERu3a. Acesso em: 1 fev. 2022.
DIAS, P. S. A Perícia Ambiental como Instrumento Processual para a Legitimidade das Decisões Judiciais. Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 9, Edição nº 16 Vol. 01 Dezembro/2018. Disponível em: https://bit.ly/3oAfRHT. Acesso em: 25 out. 2021.
DINAMARCO, C. R. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo, Malheiros, 2001. 
OLIVEIRA, F. M. G. Direito ambiental. São Paulo: Forense, 2017. 

Bons estudos!

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