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LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS: MULTIMODALIDADE E LINGUAGEM

Monique Bisconsim Ganasin

Textos multimodais

Cada vez mais encontramos textos multimodais, com linguagem verbal (oral e escrita) e diversos recursos visuais e midiáticos.

Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

Nesta disciplina, você pôde conhecer o papel das condições de produção e do contexto na construção do texto, além de aprender sobre o reconhecimento de informações contextuais, das relações intertextuais e das informações implícitas (pressupostos e subentendidos). Tais informações e relações ocorrem graças ao que chamamos de elementos coesivos, ou seja, o que constitui, no geral, a coesão textual. A partir de um emprego adequado desses elementos, o texto pode se tornar coerente, isto é, passível de ter um sentido global (relação entre as informações do texto e a realidade; relação entre as partes do texto).

Além dessas especificidades do texto, podemos notar, atualmente, cada vez mais o surgimento de texto que contêm letras, imagens, sons, áudio e links, dentre outras linguagens, ou seja, compostos de várias linguagens que exigem do leitor e do escritor habilidades próprias para a leitura e a escrita – os chamados textos multimodais.

Por dentro da BNCC

Veja algumas considerações da BNCC acerca da importância da aplicação do estudo da multimodalidade:

Considerando que uma semiose é um sistema de signos em sua organização própria, é importante que os jovens, ao explorarem as possibilidades expressivas das diversas linguagens, possam realizar reflexões que envolvam o exercício de análise de elementos discursivos, composicionais e formais de enunciados nas diferentes semioses – visuais (imagens estáticas e em movimento), sonoras (música, ruídos, sonoridades), verbais (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita) e corporais (gestuais, cênicas, dança). Afinal, muito por efeito das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC), os textos e discursos atuais organizam-se de maneira híbrida e multissemiótica, incorporando diferentes sistemas de signos em sua constituição”. (BRASIL, 2020, p. 486)

Autor da citação

Portanto, nosso estudo será focado no reconhecimento de marcas de coesão e coerência e na leitura de imagens e objetos multimodais. Dessa forma, espera-se colaborar em sua formação para um trabalho mais eficaz no ensino de leitura em sala de aula.

A fim de colocarmos os conhecimentos a serem aprendidos nesta seção em prática, vamos analisar a seguinte situação-problema: você leciona aulas para uma turma de anos iniciais de ensino fundamental e percebeu que, em atividades de leitura em voz alta para um público, a timidez e falta de domínio do código escrito podem dificultar o aprendizado dos alunos. Isso pode ocorrer pela falta de oportunidades em realizar atividades nas quais essa leitura possa ser feita de forma mais descontraída ou pela pouca experiência dos alunos com a leitura. Você também percebeu que há dificuldade em relação à identificação dos argumentos que compõem o texto persuasivo de uma carta de reclamação, pois alguns alunos podem encontrar os argumentos intuitivamente nos textos sem refletir acerca do que são realmente, e outros, apesar de utilizarem cotidianamente argumentos em suas relações diárias, podem apresentar dificuldades em saber o que são e onde se encontram no texto.

Assim, você percebe que as aulas de coesão textual têm a sua importância para a recuperação da relação entre as partes do texto, e a limitação do arcabouço vocabular dos alunos pode trazer dificuldades em reconhecer o uso de sinônimos e de pronomes utilizados com essa função.

A partir desse problema, você deve elaborar uma aula de leitura de uma carta de reclamação, a fim de demonstrar aos alunos como reconhecer e qual a importância dos elementos coesivos para a construção dos argumentos do gênero textual em questão.

Seja bem-vindo e aproveite cada parte desta seção dedicada ao estudo da coesão, da coerência e da leitura de imagens e textos multimodais!

conceito-chave

COESÃO

Conforme você já estudou, a coesão faz parte dos critérios que constituem a textualidade e é formada, basicamente, pela conexão referencial (realizada por aspectos mais especificamente semânticos) e a conexão sequencial (realizada mais por elementos conectivos), em especial no nível da cotextualidade (MARCUSCHI, 2008, p. 99).

A coesão é responsável pela estruturação da sequência – superficial – do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais), os quais não são apenas referentes à sintaxe do texto, pois também regem os padrões formais para transmitir conhecimentos e sentidos.

Assimile

Os termos coesão e coerência geralmente são estudados de forma complementar e simultânea, conforme vemos nesta seção. Assim, é importante ressaltar que a coesão é uma estratégia eficaz para se obter a coerência do texto, porém, quando um texto não explicita elementos coesivos, ainda assim sua coerência pode ser mantida.

Embora a coesão seja considerada um elemento fundamental para a textualidade, nem sempre ela é necessária para que isso aconteça. Um exemplo disso é o trecho do texto “Circuito fechado”, de Ricardo Ramos, a seguir:

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal […]. (RAMOS, 1974, p. 169)

Autor da citação

É possível observar que, superficialmente, o texto não apresenta retomadas explícitas entre a sequência das sentenças; assim, teríamos apenas fatos isolados, sem princípios que pudessem denominá-lo texto. Porém, isso não impede sua inteligibilidade, ou seja, a partir da ativação de nossos conhecimentos internalizados, conseguimos ler e compreender o texto “Circuito fechado”, ainda que este não seja “costurado” com conectivos sequenciais e referenciais. Portanto, a coesão não é necessária para a textualidade, mas é claro que também não é irrelevante.

De forma geral, conforme Koch (1989, p. 19), "o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual".

É importante que, como facilitadora da compreensão e da produção de sentido, a coesão apareça. Assim, Marcuschi (2008, p. 108) define cinco grandes mecanismos de coesão:

1.  Referência (pessoal, demonstrativa, comparativa).
2.  Substituição (nominal, verbal, frasal).
3.  Elipse (nominal, verbal, frasal).
4.  Conjunção (aditiva, adversativa etc.).
5.  Coesão lexical (repetição, sinonímia, colocação etc.).

Autor da citação

Esses cinco grandes mecanismos dividem-se em dois grupos (formas de coesão referencial e formas de coesão sequencial). Essa distinção em dois grupos foi estabelecida claramente por Koch (1989, p. 27) da seguinte forma: “Tomando por base a função dos mecanismos coesivos na construção da textualidade, proponho que se considere a existência de duas grandes modalidades de coesão: a coesão referencial (referenciação, remissão) e a coesão sequencial (sequenciação)”.

COESÃO REFERENCIAL

A respeito da coesão referencial, Koch (1989, p. 30) a define como “[…] aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual. Ao primeiro, denomino forma referencial ou remissiva, e ao segundo, elemento de referência ou referente textual”.

Formas remissíveis não referenciais:

Formas remissíveis referenciais:

COESÃO SEQUENCIAL

Já a coesão sequencial é subdividida em sequenciação parafrástica e sequenciação frástica. Na parafrástica, ocorrem procedimentos como a recorrência de termos (repetição de um mesmo item lexical), a recorrência de estruturas (paralelismo sintático), a recorrência de conteúdos semânticos (paráfrase), a recorrência de recursos fonológicos segmentais e/ou suprassegmentais (igualdade de metro, rima etc.) e a recorrência de tempo e aspectos verbais.

Também pode ocorrer a sequenciação frástica em que estão os meios pelos quais o texto progride sem fazer uso da recorrência. Além disso, esses mecanismos garantem a manutenção do tema, o estabelecimento de relações semânticas e/ou pragmáticas entre segmentos maiores ou menores do texto, a ordenação e articulação de sequências textuais (KOCH, 1996, p. 56-57).

Sequenciação parafrástica:

Sequenciação frástica:

COESÃO CONECTIVA

Por fim, ressaltamos a coesão conectiva, muito trabalhada em sala de aula especialmente quanto aos conectivos, que são subdivididos em operadores argumentativos (por exemplo: mas, porque, portanto etc.) e operadores organizacionais (por exemplo: em primeiro lugar, isto é e outros).

COERÊNCIA

  Assim como a coesão, a coerência também faz parte dos critérios de textualidade.

De acordo com Koch e Travaglia (1999), a coerência é estabelecida na interação, na interlocução, em uma situação comunicativa entre interlocutores e é como uma continuidade de sentidos possível de se perceber no texto, o que resulta em uma conexão conceitual-cognitiva entre os elementos do texto. Esse processo depende de fatores socioculturais diversos, isto é, existe uma interligação entre os processos cognitivos dos interlocutores, que caracterizam a coerência, pois estes possibilitam criar um mundo textual a partir do conhecimento de mundo registrado na memória, o que levaria à compreensão do texto, além dos aspectos interpessoais (formas de influência do falante na situação de fala, as intenções comunicativas dos interlocutores), que evidenciam a importância da influência pragmática da coerência na construção de sentido.

Para Koch e Travaglia (1999), a coerência dá textura à sequência linguística – entende-se como “textura” ou “textualidade” aquilo que transforma uma sequência linguística em texto, e não em um amontoado de palavras. Essa sequência é entendida como texto quando quem o recebe tem a capacidade de percebê-lo como uma unidade significativa global.

Além da coesão textual, a coerência engloba outros fatores de ordem diversas, como elementos linguísticos, conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, situacionalidade, informatividade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade. Os elementos linguísticos operam como pistas para ativar o conhecimento de mundo e referem-se à relação que se estabelece entre o texto e o seu contexto. Conforme já dito, esses elementos são importantes para se obter a coerência, porém não são os únicos responsáveis para dar o significado a um texto.

Portanto, a coerência é concebida por relações de sentido, que se estabelecem de várias formas, por exemplo: na sequência de dois enunciados, um deles pode ser tomado como causa e outro como consequência. Observe o seguinte trecho proferido por alguém, à meia-noite: “Meus vizinhos devem ter saído porque a televisão ainda está ligada e as luzes da varanda estão acesas”. Certamente o autor dessa sequência não está querendo sugerir uma relação de causa e efeito entre a televisão ligada, a luz acesa e a ausência dos vizinhos. O que ele está sugerindo é que as luzes acesas e a televisão ligada são um indício de que os vizinhos saíram, pois ele sabe que, quando os vizinhos estão em casa, isso não acontece àquela hora e que, quando saem, os vizinhos costumam agir daquele modo.

A sugestão de coerência entre os enunciados e o bom uso daquele "porque" funda-se em um conhecimento pessoal do enunciador daquela sequência, e não em uma relação semântica entre os enunciados sequenciados (MARCUSCHI, 2008, p. 121).

Foco na BNCC 

Observe como os termos coesão e coerência são explicitados pela BNCC e sua importância, sobretudo, para o ensino de leitura e produção de textos:

(EF69LP18) Utilizar, na escrita/reescrita de textos argumentativos, recursos linguísticos que marquem as relações de sentido entre parágrafos e enunciados do texto e operadores de conexão adequados aos tipos de argumento e à forma de composição de textos argumentativos, de maneira a garantir a coesão, a coerência e a progressão temática nesses textos (“primeiramente, mas, no entanto, em primeiro/segundo/terceiro lugar, finalmente, em conclusão” etc.). (BRASIL, 2020, p. 145)

Autor da citação

IMAGENS E TEXTOS MULTIMODAIS

De acordo com Lemke (2010) e Rojo e Moura (2012), atualmente a escrita não abrange apenas a produção de textos escritos, mas envolve um planejamento que articule as variadas linguagens, conforme um objetivo, público definido e o gênero.

É possível observar que cada vez mais encontramos textos multimodais, com linguagem verbal (oral e escrita) e diversos recursos visuais e midiáticos, por exemplo: o uso de colunas, linhas e blocos visuais para orientar a leitura; além de letras e cores de fontes que remetem a certos contextos e significados; uso de vídeos, animações e ícones, entre outros.

Exemplificando

O “internetês” é um exemplo de linguagem que foi criada para ser escrita nos meios on-line e reproduz, de forma abreviada, as emoções, como os emoticons, que são ícones e imagens muito utilizados em aplicativos de mensagens instantâneas.

Figura 3.1 | Representação de emoticons
Fonte: Free Images.

Dessa forma, estamos falando de estratégias multimodais para a produção de textos. Assim, como temos textos com múltiplas linguagens, para lê-los é fundamental desenvolver estratégias multimodais de leitura e compreensão, pois exigem compreensão de imagens, sons, cores das letras, áudio e outros, e muitas vezes esses elementos são hipertextuais, isto é, conectados a outros textos.

Reflita

Como você pôde perceber, existem vários tipos de textos multimodais que circulam em nossa sociedade. A partir disso, quais ações pedagógicas você sugeriria para o ensino de Língua Portuguesa, no ensino de leitura, com práticas apoiadas em estratégias multimodais, dentro de uma perspectiva de multiletramentos?

A multimodalidade está diretamente relacionada ao conceito de multiletramento, defendido por Rojo e Moura (2012). A partir desses estudos, dentro de um enfoque de multiletramentos, a escola precisa desenvolver, com seus alunos, a elaboração e a leitura de textos.

Pesquise mais 

Para saber mais acerca de multimodalidade e multiletramentos, acesse o seguinte artigo, que discute sobre o uso de textos multimodais nas salas de aulas do Ensino Fundamental e Médio no estado de São Paulo.

SILVA, D. T. L. Multimodalidade nos cadernos de Língua Portuguesa da rede pública do Estado de São Paulo: uma proposta de multiletramento. Revista Intercâmbio, v. 32, p. 48-65, 2016. São Paulo: LAEL/PUCSP. ISNN 2237-759X.

Nesse sentido, a escola deve desenvolver a habilidade de compreender a interação entre imagens, gráficos, desenhos, os outros tipos de letras e seus sentidos, os componentes dos textos (a esfera comunicativa, o tema, o valor e a modalidade da linguagem) e seus significados (ROJO, 2012):

A habilidade de compreender a interação entre imagens, gráficos, desenhos, tipos de letras e seus efeitos de sentido; atribuir significados a todos os componentes do texto; atribuir significado a todos os componentes do texto (esfera comunicativa, participantes, tema, apreciação valorativa, modalidade da linguagem). (ROJO, 2012, p. 11)

Autor da citação

Portanto, é importante que haja o trabalho com estratégias de produção e leitura de textos multimodais na sala de aula, partindo de uma perspectiva de multiletramentos, que são práticas pedagógicas que possibilitam a percepção de que vários elementos introduzem significados em um texto com linguagem verbal – oral e escrita, diversos recursos visuais e midiáticos – o uso de colunas, linhas e blocos visuais para orientar a leitura; além de letras e cores de fontes que se referem a certos contextos e significados; uso de vídeos, animações e ícones, entre outros, a fim de que os alunos possam empreender e compreender a produção oral, escrita e a leitura de gêneros textuais que estão presentes em nossa sociedade cotidianamente.

referências

ATALLA, M. Nossa vida. Época, São Paulo, ed. 566, 23 mar. 2009. Disponível em: https://glo.bo/2FGf6Jx. Acesso em: 28 jul. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2020. Disponível em : https://bit.ly/2ByXs8x. Acesso em: 14 maio 2020.

CRECCI, V. M. Escritos avulsos sobre o amor. [no prelo]

KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo: Cortez, 1999.

LEMKE, J. L. Letramento metamidiático: transformando significados e mídias. Trabalhos em Linguística Aplicados, Campinas, v. 49, n. 2, p. 455-479, dez. 2010. Disponível em : https://bit.ly/2OrIxAn. Acesso em: 16 maio 2020.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MESQUITA, R. V. Pegadas do bem. Revista Planeta, n. 541, 18 set. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3komkRp. Acesso em: 7 jul. 2020.

RAMOS, R. Circuito Fechado. [S.l.]: Martins, 1974.

ROJO, R.; MOURA, E. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

SILVA, D. T. L. Multimodalidade nos cadernos de Língua Portuguesa da rede pública do Estado de São Paulo: uma proposta de multiletramento. Revista Intercâmbio, v. 32, p. 48-65, 2016. São Paulo: LAEL/PUCSP. ISNN 2237-759X. Disponível em:  https://bit.ly/38ZzxeZ. Acesso em: 15 maio 2020.

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