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Na última seção estudamos alguns conceitos referentes à teoria da norma penal. Vimos o conceito do crime, os princípios penais fundamentais e as fontes do direito penal. Porém, as investigações introdutórias necessárias ao conhecimento da criminalística ainda não terminaram. Nesta seção, daremos um mergulho mais profundo na teoria do delito e investigaremos os substratos que perfazem o conceito analítico de crime.
Perceba que este é o núcleo duro do próprio direito penal e, por isso, absolutamente essencial para todos aqueles que trabalham de forma direta ou indireta com o sistema de justiça criminal, afinal, de que adiantaria um conhecimento específico tangente aos crimes em espécie ou às táticas de investigação quando se desconhece o próprio conceito de crime?
Nosso objetivo aqui será resumir, de forma objetiva e voltada para os conhecimentos necessários ao profissional da criminalística, o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade, ou seja, os elementos que perfazem o conceito de crime tal qual aceito hoje pela maior parte da doutrina jurídica (BITENCOURT, 2020). Por isso, daremos ênfase àqueles que serão essenciais para as funções que queremos fundamentar, como o conceito de conduta ou o nexo de causalidade.
Continuaremos a acompanhar a história do recém-concursado perito criminal João enquanto este auxilia a polícia judiciária a desvendar a materialidade e autoria de diversos delitos. Desta vez, João participou da reprodução simulada dos fatos de um caso interessante e complexo. Após uma briga de torcida, dois indivíduos, Márcio e Otávio, foram gravemente feridos. O primeiro com um ferimento por arma de fogo disparada à queima-roupa na região torácica e o segundo por um instrumento perfuro-cortante que o penetrou na região abdominal. Ambos foram atendidos por socorristas que chegaram em ambulâncias diferentes. O veículo que levava Márcio sofreu um acidente a caminho do hospital e abalroou um caminhão em uma batida frontal. Márcio morreu em função do acidente.
A ambulância que atendeu Otávio, por sua vez, chegou em segurança ao hospital, porém, ele faleceu em virtude de uma infecção generalizada que se instalou a partir do ferimento, uma vez que seu intestino grosso foi perfurado.
A partir destas informações, João recordou o que aprendera em direito penal e se perguntou: os autores das agressões contra Márcio e Otávio poderão responder pelos respectivos resultados fatais?
Saiba que o conhecimento desta seção irá fundamentar todo o resto de nosso livro. Mãos à obra!
conceito-chave
Caro aluno, nesta seção, mergulharemos, de forma mais verticalizada, no núcleo essencial da dogmática jurídico-penal: estudaremos os substratos do conceito analítico de crime, isto é, analisaremos o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade.
A doutrina jurídica, a partir do século XIX, concebeu um conceito de crime a partir da divisão de seus substratos ou elementos. O novo conceito analítico de crime, construído primariamente por juristas alemães como Franz Von Liszt e Ernst Von Beling e desenvolvido por toda a doutrina jurídica a partir de então, se transformaria na principal ferramenta do profissional do direito para compreender o mais importante objeto do sistema punitivo (o crime) e para a necessária previsibilidade das decisões judiciais. Para este conceito, o delito é definido a partir de sua decomposição em seus substratos básicos: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade (BITENCOURT, 2020).
Estudemos agora, com mais atenção e densidade, cada um destes elementos.
O primeiro elemento do fato típico (e o mais essencial dos elementos que perfazem o conceito de crime) é a conduta humana, que sempre foi o eixo ao redor do qual giram todos os outros elementos do conceito de crime. A definição de conduta, entretanto, sempre sofreu constantes mutações baseadas nos múltiplos sistemas jurídicos a partir dos quais compreendemos os elementos do crime, afinal, o delito só existe enquanto produto da ação ou da omissão humana.
A teoria causal-naturalística, cujo principal expoente foi Von Liszt, inaugurou a fase científica da teoria do crime, definindo a conduta como o movimento corporal voluntário causador de uma modificação no mundo exterior. Tal teoria se fundamentava em um positivismo cientificista (bem característico da segunda metade do século XIX) e propunha um conceito de ação incompatível com qualquer processo de valoração além daqueles referentes à observação empírica, além de ser incapaz de explicar a omissão e os delitos desprovidos de um resultado material (PRADO, 2019).
No início do século XX, surge a teoria neokantista, ou causal-valorativa, que buscou afastar o pensamento jurídico da base cientificista, adotando um método próprio relacionado a valores. Seus principais expoentes foram Frank, Radbruch e Mezger. Para o neokantismo, o direito é necessariamente permeado por valores culturais extrajurídicos, o que demanda categorias jurídicas que permitem estes processos de valoração, afinal, enquanto que nas ciências da natureza o sujeito cognoscente apenas explica o objeto cognoscível, nas ciências da cultura, o sujeito cognoscente compreende o objeto cognoscível, interrelacionando-se com este. Na perspectiva neokantiana, a conduta passa a ser definida como um comportamento humano voluntário por alguns dos autores, enquanto outros (como Radbruch) chegam a adotar uma perspectiva aberta, segundo a qual a conduta não precisaria (ou não poderia) ser conceituada a priori (BUSATO, 2018).
Durante a década de 1930 do século XX, um prestigiado autor alemão criou o sistema teórico no qual se baseia o Código Penal brasileiro. Para o finalismo de Hans Welzel, a ação não pode ser simplesmente definida pela causação de um resultado naturalístico, pois o fato natural e a conduta humana apresentam um ponto fulcral de diferenciação na finalidade que dirige ação. Sim, pois, a conduta humana inicia-se com a proposição do fim desejado pelo agente, seguida da seleção dos meios de ação para realizar este fim e da representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis dos meios escolhidos. Desta forma, para Welzel, a conduta também não é definida axiologicamente, isto é, por valores, mas, sim, por sua base ontológica, ou seja, pela essência da conduta que é definida pela finalidade humana. Portanto, a conduta passa a ser definida como um comportamento humano voluntário voltado à realização de uma atividade final. Como consequência, os elementos subjetivos antes creditados à culpabilidade (dolo e culpa) passam a ser analisados no próprio fato típico. Como dito anteriormente, esta teoria é a mais aceita como aquela que nosso estatuto repressivo adotou a partir da reforma de 1984 proporcionada pela Lei nº 7.209 (SANTOS, 2017).
Por sua vez, a teoria social da conduta, construída por Eb Schmidt, define a conduta como um comportamento humano socialmente relevante ou, ainda, a manifestação externa da vontade com relevância social. Nesta ordem de ideias, haveria relevância social na ação que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio. A doutrina tende a criticar esta teoria afirmando que o conceito de relevância social é por demais amplo e abstrato (PRADO, 2019).
Cumpre apresentar agora duas das mais modernas teorias da conduta.
Para a teoria personalista da ação, de Claus Roxin, a conduta é definida como a manifestação da personalidade do indivíduo, isto é, tudo o que pode ser atribuído a uma pessoa como centro de atos anímico-espirituais. Esta definição, bastante abrangente, exclui apenas os comportamentos que não são dominados ou domináveis pela voluntariedade do indivíduo e, com isso, Roxin endereça um problema atribuído à teoria finalista no sentido de que esta não se adequa às condutas culposas (BUSATO, 2018).
Assimile
Principais teorias acerca do conceito de conduta:
- Teoria causal-naturalística: movimento corporal que causa um resultado no mundo exterior.
- Teoria neokantista: comportamento humano voluntário.
- Teoria finalista: comportamento humano voluntário finalisticamente orientado à uma atividade final.
- Teoria social: comportamento humano socialmente relevante.
- Teoria personalista: a manifestação da personalidade do indivíduo, isto é, tudo o que pode ser atribuído a uma pessoa como centro de atos anímico-espirituais.
Agora passaremos ao próximo elemento, o nexo causal, que pode ser conceituado como a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado do qual depende a existência do crime. Para o profissional da criminalística, a relação de causalidade é um elemento extremamente importante do fato típico, tendo em vista que o método científico aplicado à elucidação dos delitos tem como precípua finalidade o apontamento da autoria delitiva e, para isso, é preciso concluir qual conduta deu causa aos resultados materiais da infração penal.
Primeiramente, é importante compreender que o ordenamento jurídico-penal prevê delitos formais cujos tipos penais descrevem resultados buscados pelo agente, porém desnecessários para a consumação. Também apresenta crimes de mera atividade, nos quais a norma incriminadora não descreve qualquer resultado, mas uma mera ação ou omissão. Para estas duas categorias, a investigação do nexo de causalidade não é necessária. Este elemento do fato típico se torna relevante nos crimes materiais, isto é, nas infrações em que a norma prevê um resultado perceptível no mundo dos fatos. O homicídio (art. 121 do CP), a lesão corporal (art. 129 do CP) e o roubo (art.157 do CP) são exemplos de crimes materiais. A extorsão (art. 158 do CP) e a corrupção ativa (art. 333 do CP) são delitos formais. Por fim, a violação de domicílio (art. 150 do CP) e o porte ilegal de arma (art. 14 Lei nº 10.826/03) são crimes de mera atividade.
Para a definição do importante conceito de causa, duas teorias disputam espaço na doutrina. A primeira é a teoria da equivalência dos antecedentes causais, também chamada de conditio sine qua non, cujos precursores foram John Stuart Mil e Von Buri (GRECO, 2018). Para esta teoria, causa é toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. A praticidade da teoria é manifesta, uma vez que não estabelece qualquer diferença entre causa e condição e determina um método lógico para investigar a relação da causalidade: o juízo hipotético de eliminação. Devemos, assim, suprimir mentalmente as condutas que fazem parte desdobramento causal de determinado ilícito, possivelmente. Se, perante este exercício, o resultado desaparecer, a óbvia conclusão é de que a conduta foi sua causa. Contudo, caso o resultado permaneça, será forçoso afirmar que a conduta não foi sua causa, de forma que o agente não poderá responder pelo resultado.
Exemplificando
Imaginemos que João empreste arma para que Maurício mate Pedro. No entanto, no momento do ato ilícito, Maurício entrou em luta corporal com Pedro e o matou através da asfixia por esganadura. Neste contexto, mesmo que João tenha emprestado a arma com a intenção de colaborar para o homicídio, não poderá responder pelo crime, uma vez que, mesmo sem o auxílio por meio da cessão do armamento o delito teria ocorrido.
Esta teoria foi adotada pelo Código Penal no caput do artigo 13: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 1940).
A doutrina tende a apontar ao menos dois problemas da equivalência dos antecedentes causais. O primeiro diz respeito à regressão ao infinito. Se causa é toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, o empréstimo da arma é causa do homicídio, mas também o é sua fabricação. O direito brasileiro contorna este problema por meio da tipicidade subjetiva, ou seja, observando-se a presença de dolo ou culpa, já que o artigo 18 do CP afirma que todo crime é punido a título de dolo (vontade consciente) ou, quando previsto expressamente em lei, ao menos a título de culpa (inobservância de dever de cuidado: imprudência, negligência ou imperícia). Assim, o fabricante da arma não agiu com dolo ou culpa quanto ao homicídio praticado com o armamento, portanto, não responderá pelo crime.
O segundo problema da teoria diz respeito aos desdobramentos causais extraordinários, que são percebidos nas concausas relativamente independentes supervenientes que serão explicadas a seguir. Mas, antes, analisemos a segunda teoria que, segundo parte da doutrina, foi adotada pelo Código para solucionar este último problema.
A teoria da causalidade adequada, de Von Bar e Von Kries, afirma que causa não é toda conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido, mas, sim, aquela conhecida como capaz de produzir o resultado por si só de acordo com os conhecimentos experimentais disponíveis ao agente nas circunstâncias do caso concreto. A teoria tem o mérito de afastar a imputação nos desdobramentos causais imprevisíveis ou extraordinários: caso o agente dispare contra uma vítima e esta morra porque o hospital no qual foi atendida pegou fogo, aquele que disparou não responderá pelo homicídio, mas, no máximo, pela tentativa, uma vez que o incêndio não era a causa idônea previsível da morte no momento da conduta. A causalidade adequada apresenta, porém, duas inconveniências: ela dificulta a punição de partícipes que colaboram com condutas que não possuem, em si, qualquer lesividade, mas que se demonstram como essenciais ao resultado criminoso. Ademais, é perceptível o alto grau de indefinição acerca dos parâmetros valorativos necessários para medir o resultado como adequado ou previsível (BITENCOURT, 2020).
Teceremos, neste momento, alguns comentários sobre as concausas. Estas são eventos alheios à conduta, porém relevantes para a produção do resultado. Para investigar a existência de nexo causal perante a presença de uma concausa, é necessário observar se esta produz o resultado de forma autônoma ou se trabalha em conjunto com a conduta. As concausas absolutamente independentes são aquelas que produzem o resultado de forma autônoma, sem o auxílio da conduta e, por isso, quebram o nexo causal de forma que não haverá imputação do resultado, mesmo quando são antecedentes, concomitantes ou supervenientes à conduta, afinal, a causa é toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Exemplificando
Na concausa absolutamentente independente, o resultado é produzido de forma autônoma com relação à conduta, de maneira que o elemento propulsor do resultado pode ser preexistente, concomitante ou superveniente ao comportamento do agente. Nos três casos, o nexo causal estará ausente e, portanto, o sujeito ativo só poderá responder pela tentativa.
Preexistente: o agente dispara uma arma de fogo contra a vítima, mas esta morre em função de complicações respiratórias causadas pela COVID-19 pela qual já havia sido infectada e cujo quadro clínico não foi piorado pelo ferimento.
Concomitante: o agente envenena o copo da vítima que morre de um ataque cardíaco não relacionado com a substância enquanto bebe.
Superveniente: a vítima é envenenada, mas, enquanto dorme, morre soterrada nos escombros de sua casa quando esta é destruída pelo vazamento de uma barragem de rejeitos.
Já nas concausas relativamente independentes, conduta e concausa se conjugam para produzir o resultado. Aqui, tendo em vista que a teoria da equivalência dos antecedentes causais foi a adotada pelo caput do art. 13 do Código Penal, existirá nexo de causalidade nas concausas relativamente independentes preexistentes ou concomitantes. No entanto, nas supervenientes, para evitar a imputação do resultado de desdobramentos causais extraordinários, o § 1º do art. 13 adotou interessante redação: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou” (BRASIL, 1940).
Para parte da doutrina brasileira, o citado parágrafo adotou a teoria da causalidade adequada, de forma que, quando existe concausa relativamente independente superveniente, para se evitar a atribuição de desdobramentos causais extraordinários ou imprevisíveis, passam a ser considerados como produtores do resultado por si só. Assim, caso o resultado, conforme as regras gerais de experiência, seja um desdobramento normal da conduta, o agente responderá por ele. Contudo, caso o resultado surja a partir de um desdobramento que não está na linha de desenvolvimento físico previsível do comportamento, o agente responderá, no máximo, pela tentativa.
Exemplificando
Na concausa relativa independente, existe uma conjugação entre conduta e concausa para a produção do resultado. Ela pode ser preexistente, concomitante ou superveniente à conduta.
Preexistente: o agente perfura a vítima com um instrumento perfuro-cortante querendo matá-lo, mas a morte surge apenas porque o ofendido é portador de hemofilia. Caso exista previsibilidade, o agente responderá pelo resultado, pois, sem sua conduta este não teria ocorrido.
Concomitante: o agente dispara contra a vítima, mas erra o alvo. Porém, o ofendido morre devido a um ataque cardíaco causado pelo susto do disparo. Caso exista previsibilidade, o agente responderá pelo resultado, pois, sem sua conduta este não teria ocorrido.
Superveniente que produz o resultado por si só: a vítima recebe um disparo de arma de fogo, mas morre em virtude de acidente de trânsito envolvendo a ambulância que o socorreu. Aqui, por força do artigo 13, § 1º, o agente não responderá pelo resultado pois o acidente não é um desdobramento ordinário do ferimento por arma de fogo.
Superveniente que não produz o resultado por si só: a vítima recebe um disparo de arma de fogo e morre em virtude de infecção generalizada que se iniciou a partir do ferimento. O agente poderá responder pelo resultado, uma vez que a infecção é um desdobramento adequado e previsível da conduta.
A tipicidade penal foi criada por Ernst Von Beling em 1906 e pode ser definida como um “juízo de subsunção entre a conduta e os elementos que definem o tipo penal” (CUNHA, 2020, p. 297). Este juízo de adequação pode se dar de forma imediata ou direta (quando a conduta está diretamente inscrita no tipo) ou de maneira mediata ou indireta, quando a tipicidade depende de uma norma de extensão, tal qual a tentativa (art. 14, II do CP) ou o concurso de pessoas (art. 29 do CP).
O tipo penal, por sua vez, é definido como o modelo abstrato de conduta proibida sob a ameaça de pena. O Código Penal, a partir do artigo 121, apresenta um vasto repositório de tipos penais, mas estes também estão presentes na legislação extravagante, como a lei antidrogas, o Código de Trânsito Brasileiro ou o Estatuto do Desarmamento. Os tipos penais são formados por elementos objetivo-descritivos, normativos e subjetivos. Os elementos descritivos são aqueles percebidos pela mera constatação sensorial, ou seja, descrevem condutas, meios, modos, objetos e circunstâncias perceptíveis no mundo dos fatos, tais como o núcleo (verbo), sujeito ativo (agente ou omitente), sujeito passivo (titular do bem jurídico protegido e objeto material (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta). Os elementos normativos são aqueles cuja compreensão depende de um juízo de valor, como a expressão “ato obsceno” contida no artigo 233 do Código Penal. Enfim, a partir da adoção da teoria finalista da ação, o tipo penal também contém elementos subjetivos que são aqueles que descrevem o estado psíquico do agente. Via de regra, todo tipo penal exige um elemento subjetivo geral, que é o dolo (vontade consciente de realizar os elementos descritivos do tipo), mas alguns deles têm elementos subjetivos especiais que denotam um especial fim de agir (como a finalidade de obter vantagem como preço do resgate previsto no artigo 159 do Código Penal).
Vamos agora ao segundo substrato do conceito de crime. A ilicitude pode ser conceituada como o juízo de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico, isto é, o fato ilícito é aquele contrário ao direito. Com a presença da tipicidade penal, a ilicitude é presumida, pois o ordenamento brasileiro adotou a teoria da ratio cognoscendi, que, resumidamente, afirma que a tipicidade estabelece uma presunção relativa de ilicitude, que pode ser afastada pelas causas de justificação, também chamadas de excludentes de ilicitude. O Código Penal, no artigo 23, enumera quatro delas: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
O estado de necessidade se caracteriza pelo conflito entre interesses lícitos, no qual uma situação de perigo atual, inevitável por outros meios, obriga o agente a sacrificar um bem jurídico para salvar outro de igual ou maior valor. A descriminante está prevista no art. 24 do Código Penal: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se” (BRASIL, 1940).
O exemplo mais comumente encontrado de estado de necessidade está na disputa pela tábua de salvação em um naufrágio, mas podemos citar o pisoteio de pessoas para se escapar de uma boate em chamas ou até mesmo do furto famélico.
Como requisitos, extraídos do citado artigo, há, primeiramente, a existência de uma situação de perigo atual não provocada dolosamente pelo agente, que pode ser definida como a exposição de um bem jurídico a uma probabilidade de lesão, provocada por um desastre natural, ou pela conduta humana não intencional. Ademais, a tal situação deve ser inevitável por outros meios, isto é, o sacrifício em estado de necessidade deve ser a última ratio.
Também se apresenta como requisito legal a razoabilidade do sacrifício, ou seja, o bem jurídico sacrificado deve ser de valor igual ou inferior ao bem jurídico salvo.
O Código Penal também exige, no § 1º do art. 24, a ausência do dever legal de enfrentar o perigo. Assim, caso o agente seja um bombeiro militar, não poderá utilizar-se do estado de necessidade para deixar de combater uma situação perigosa que está dentro da expectativa do seu dever.
Já a legítima defesa compreende a reação que visa repelir uma agressão injusta, que seja atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, por meio do uso moderado dos meios necessários. Trata-se de uma forma de autotutela na qual a lei permite que alguém utilize dos próprios meios para afastar uma agressão contrária ao direito. O instituto é descrito pelo artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL, 1940).
Como requisitos, a legítima defesa exige, primeiramente, a presença de uma agressão injusta. Entende-se injusta a agressão contrária ao direito, isto é, ilícita. Conclui-se que não cabe legítima defesa contra ações que estão protegidas por alguma causa de justificação. Assim, não cabe legítima defesa contra outra legítima defesa, a não ser que ocorra excesso desta última. Ademais, a agressão deve ser atual (estar acontecendo no presente momento) ou iminente (estar para ocorrer no desdobramento imediato dos fatos), não cabendo legítima defesa contra agressões passadas ou localizadas em um futuro remoto.
A lei também exige o uso moderado dos meios necessários. Considera-se necessário o meio menos lesivo dentre aqueles capazes de repelir uma agressão. Assim, quando policiais utilizam a força contra uma multidão que se tornou violenta em um protesto, fazem uso de armamento não letal, mas, para impedir um roubo armado, é possível que o uso de força letal seja necessário. O uso moderado é determinado por dois fatores: a finalidade defensiva e a existência de uma agressão atual ou iminente. Assim, quando a agressão cessar de forma clara, a continuidade da agressão será imoderada.
A doutrina considera um excesso intensivo aquele no qual o meio defensivo é claramente desnecessário e um excesso extensivo aquele no qual o uso é imoderado. O Código Penal, no artigo 23, parágrafo único, estabelece que qualquer excesso, doloso ou culposo, em qualquer descriminante, pode ser objeto de punição.
Cumpre ressaltar que o pacote anticrime (Lei nº 13.964/19) acrescentou um parágrafo único ao artigo 25, que passou a, supostamente, ampliar as hipóteses de legítima defesa no que diz respeito à ação de agente de segurança perante uma vítima feita refém “observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes” (BRASIL, 1940).
Parte da doutrina penal critica imensamente esta nova regra. Primeiro, porque ela não elimina a obrigatoriedade de satisfazer todos os requisitos da legítima defesa previstos no caput e, por isso, trata-se de um exemplo de legítima defesa e não de uma nova hipótese de descriminante. Segundo porque não há qualquer razão para limitar uma pretensa expansão de uma causa de justificação aos agentes de segurança. Tratou-se, pois, de um mero aceno para uma classe política, ou seja, um direito penal simbólico sem qualquer real significado jurídico (BITENCOURT, 2020, p. 356).
Importante dizer que existe alguma doutrina que afirma que o mencionado parágrafo único trouxe uma mudança efetiva, embora tímida: permite a reação perante o risco de agressão, que se diferencia da agressão iminente, pois o risco é contingente, isto é, apresenta alguma aleatoriedade, enquanto a agressão iminente é certa.
O estrito cumprimento de dever legal, por sua vez, é apenas listado no Código Penal, no seu artigo 23, cabendo à doutrina conceituá-la. Tal descriminante compreende a prática de fatos típicos em virtude de uma obrigação prevista em norma geral. Assim, podemos exemplificar a ação de um oficial de justiça que, para cumprir um mandado de busca, viola um domicílio ou a ação da autoridade policial que, para prender em flagrante, vence a resistência passiva de alguém que acaba de praticar crime.
Trata-se de excludente de ilicitude que compreende a prática de fatos típicos em virtude de uma atividade permitida ou fomentada pelo ordenamento jurídico. Normalmente não diz respeito à ação do funcionário público, mas à conduta do cidadão comum ao praticar condutas que são permitidas por lei, como a prática de um esporte violento ou a realização, por parte do médico, de uma cirurgia estética.
O último elemento do conceito analítico de crime é aquele que sofreu a maior modificação ao longo do último século. Atualmente, é definida como um juízo de reprovação pessoal, composta de elementos normativos que refletem um juízo de censura que recai sobre aquele que pratica um fato típico e ilícito. Neste contexto, a culpabilidade é composta por 3 elementos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
A imputabilidade é a capacidade biopsicológica de compreender o caráter ilícito do fato ou de agir de acordo com este entendimento. No Brasil, tal capacidade é presumida, mas sua ausência pode ser reconhecida pelo juiz três situações.
A primeira é a doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, conforme previsto no artigo 26 do Código Penal. Para que a imputabilidade seja afastada por força do artigo 26, normalmente, se faz um incidente de insanidade mental, previsto no artigo 149 do Código de Processo Penal e, caso o inimputável seja perigoso, é possível aplicar medida de segurança, conforme previsto no artigo 96 e seguintes do Código Penal.
A segunda hipótese é a menoridade e, aqui, o legislador optou por adotar um critério meramente biológico, de forma que o menor de 18 anos será inimputável, não importa se compreende de forma concreta ou não o caráter ilícito do fato, conforme se depreende da leitura do artigo 27 do Código Penal.
Por fim, a embriaguez (intoxicação causada pela ação do álcool ou substância de efeitos análogos) pode afastar a imputabilidade, mas apenas quando for involuntária ou acidental, isto é, causada por caso fortuito (eventos imprevisíveis) ou força maior (evento previsível, porém inevitável, conforme redação do artigo 28 § 1º e 2º do Código Penal.
Agora que já conhecemos com mais profundidade os elementos que definem o conceito analítico de crime e, tenha certeza, como um profissional que atuará no sistema jurídico-penal você utilizará estes conhecimentos todos os dias. Contudo, lembre-se, este material deve ser o princípio e não o fim de seus estudos.
Faça valer a pena
Questão 1
O delito é, sem dúvida, o objeto sobre o qual se debruça o direito penal. É um verdadeiro centro gravitacional do estudo jurídico-penal. Como todo objeto de estudo, o delito também pode ser abordado de várias formas. É possível considerar o delito como fato social, verificar suas condicionantes e suas consequências na relação social em que se vê inserido, é possível considerá-lo a partir de uma perspectiva criminológica dentro da ideia dos processos de criminalização, observando o modo pelo qual se determina o que vai ser crime e como reage o sistema penal ao fato concreto que se pretende incriminar.
Marque a alternativa que elenca todos substratos do conceito de crime conforme entendimento que prevalece na doutrina brasileira.
Correto!
O conceito analítico de crime é definido pela reunião de três substratos: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. O estado de necessidade, a legítima defesa e o estrito cumprimento de dever legal são causas de justificação e não elementos do crime. A punibilidade, por sua vez, é consequência do crime e não seu elemento.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
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Questão 2
No direito penal, a controvérsia sobre o conceito de ação também é intensa, mas limitada a definições de ação específicas da dogmática penal, cuja existência é restrita à ciência do direito penal – com exceção do modelo teleológico de ação e do modelo comunicativo de ação desenvolvidos pela sociologia.
Assinale a alternativa que corresponde corretamente ao conceito de conduta adotado pelo Código Penal segundo a doutrina contemporânea.
Tente novamente...
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Correto!
O Código Penal, originalmente, em 1940, trazia artigos que revelavam a adoção de uma teoria causalista da ação. Contudo, a partir da reforma penal de 1984, o Código adotou claramente a teoria finalista da ação, que insere o dolo no interior do tipo penal. O artigo 20 do Código é a prova desta adoção. Para a teoria neokantista, o dolo e a culpa se encontram na culpabilidade, o que contradiz o citado artigo do Código Penal. Para a teoria social, a importância social da conduta é o que a definiria, o que não encontra guarida em nossa legislação. A teoria personalista, que define o delito como tudo aquilo que se mostra como manifestação da personalidade do indivíduo também não se encontra representada em nossa legislação, em que pese o fato de que nosso direito.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
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Questão 3
O assunto nexo causal ganha ainda mais importância quando se verifica que o resultado não é efeito de um só comportamento, representado produto final de uma associação de fatores, entre os quais a conduta do agente aparece como seu principal (mas não único) elemento desencadeante.
Assinale a alternativa que elenca corretamente a teoria adotada pelo Código Penal para resolver as questões referentes às concausas relativamente independentes supervenientes.
Tente novamente...
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Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Correto!
A doutrina majoritária no Brasil afirma que o artigo 13, § 1º do Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada, que dispõe que causa não é toda conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido, mas, sim, aquela conhecida como capaz de produzir o resultado por si só de acordo com os conhecimentos experimentais disponíveis ao agente nas circunstâncias do caso concreto. A teoria da equivalência dos antecedentes causais foi aquela adotada como regra geral do CP, porém não se aplica às concausas relativamente independentes supervenientes, por força do artigo 13, § 1º do CP. A imputação objetiva é teoria que pretende estabelecer requisitos normativos para imputação do tipo objetivo, porém ela não foi adotada pelo Código Penal e é bem mais complexa e desenvolvida do que a causalidade adequada. Ubiquidade é a teoria adotada pelo Código Penal para definir o lugar do crime e nada tem a ver com nexo de causalidade.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Referências
BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
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