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FOCO NO MERCADO DE TRABALHO

Quais são as características do conhecimento científico?

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Fonte: Shutterstock.

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sem medo de errar

Para resolver o problema, é necessário pensar nas circunstâncias sociais que moldam a administração e gestão universitária.

Desse modo, pode-se concluir que a pseudociência mantém algum nível de prestígio e lugar na universidade, não por razões teóricas ou níveis de verdade, mas simplesmente pela pressão social exercida pelos próprios praticantes da disciplina, de modo que a simples existência de grupos fechados, onde apenas profissionais certificados da área sejam tolerados, contribui para o impedimento da livre circulação de ideias sobre os problemas que o campo enfrenta.

Ao impedir que profissionais de outros campos relacionados tenham direito ao debate, como psicólogos experimentais, neurocientistas cognitivos e biólogos evolutivos, revela-se o indicador de dogmatismo, que está presente em qualquer pseudociência e visa impedir o fomento da crítica científica responsável com o objetivo não apenas de análise dos problemas de um campo, mas também de procurar ajustar suas hipóteses aos melhores dados disponíveis da investigação comportamental.

Revelados seus aspectos opostos ao do conhecimento científico, justifica-se que um campo ou disciplina não se constitui de um saber científico autêntico. Então, é necessário também procurar saber as motivações que os envolvidos na prática teriam apenas para manter o ensino de psicanálise em instituições de educação, como a questão da remuneração excessiva envolvida e a reputação da qual gozam em certos setores universitários e da grande mídia.

Avançando na prática

Análise da suposta reivindicação científica por coaches

O mundo empresarial está repleto de “choaches profissionais”, que são sujeitos que alegam dedicar-se ao desenvolvimento cognitivo, comportamental e organizacional da classe trabalhadora por meio de técnicas que devem ser aplicadas diariamente para maximizar a capacidade de trabalho. O coaching, porém, não é uma profissão regulamentada e, constantemente, choca-se com o mesmo tipo de problema que é tratado por profissionais certificados, como psicólogos, psiquiatras, técnicos de administração e de gestão de empresas. Os coaches, de forma rotineira, fazem uso do jargão científico, alguns reivindicam até que suas ideias são compatíveis com a física quântica, com o objetivo de enfatizarem que suas técnicas possuem respaldo da ciência. Com base no que você aprendeu ao longo do livro, como alguém poderia saber se as reivindicações dos coaches são realmente baseadas em evidência?

O primeiro indicativo de que o coaching não é baseado em evidência é a falta de regulamentação profissional para um campo que reivindica técnicas para a saúde mental, a segurança e a gestão no trabalho.

O segundo indicativo é o excesso de autodenominados coaches que alegam possuir técnicas próprias e/ou originais baseadas em ciência, porque uma técnica testada não é um produto “original”. Uma técnica baseada em ciência geralmente é aperfeiçoada ao longo do tempo, por mais de uma pessoa, de modo que sua originalidade individual é extirpada pelo enriquecimento da contribuição coletiva da ciência. No entanto, os coaches não alegam que sua técnica foi produto de estudo colaborativo da ciência, embora reivindiquem o status de cientificidade.

O terceiro indicativo é a busca por papers, ou seja, artigos científicos que são publicados em revistas acadêmicas especializadas. Esses papers passam por um processo de revisão por pares, que é basicamente um processo de crítica responsável feita por pesquisadores independentes para avaliar a consistência dos dados com a hipótese proposta e procurar possíveis indicações de fraudes e/ou falhas metodológicas ao longo da estrutura do trabalho submetido. Se o coaching, por exemplo, não tem trabalhos publicados em revistas especializadas com alto fator de impacto, confirmando assim suas principais hipóteses, então o campo é qualquer coisa, exceto ciência e técnica baseada em evidência.

O quarto indicativo é o apelo à física quântica, uma falácia lógica contemporânea, que consiste em reivindicar a autoridade da teoria quântica para supostamente embasar alguma afirmação extraordinária. Pelo fato de a física quântica possuir uma matemática complexa, ela geralmente acaba sendo mal compreendida pelo público leigo, de modo que hoje coaches e outros pseudocientistas a invocam para explicar qualquer coisa sobre o mundo. A física quântica, no entanto, não lida diretamente com aspectos comportamentais dos seres humanos e nem endossa qualquer alegação de autoajuda individual e empresarial. Ela também não diz nada sobre o pensamento alterar a realidade. Normalmente, a física quântica lida com o estudo de objetos pequenos, como campos e partículas elementares, bem como algumas de suas aplicações para estudar fenômenos biológicos (como a bússola magnética dos pássaros) e químicos. Essas concepções equivocadas da teoria quântica surgem de uma confusão envolvendo o conceito de observador (uma noção propagada pelo documentário pseudocientífico Quem Somos Nós, de 2004), que, contrariamente à crença popular e ao significado da linguagem ordinária, não significa consciência, pensamento ou seres humanos, mas, sim, instrumento de medida – ou seja, o aparato técnico que faz a medição da partícula. Então, quando um suposto profissional diz que a física quântica explica o comportamento, a sociedade, a mente, ou que ela alega que o pensamento pode mudar realidade, significa que essa pessoa não entende de física quântica ou está sendo bem mal-intencionada para vender alguma receita milagrosa e, consequentemente, falsa.

Por conta desses indicativos, é razoável supor, com um grande nível de certeza, que a disciplina reivindicada, como o coaching (autoajuda empresarial), constitui um exemplo de campo não baseado em evidência. Mais ainda, em razão de o campo apelar à ciência para justificar suas alegações que carecem de evidências (ou simplesmente são falsas), é seguro sentenciar que o coaching constitui um exemplo de pseudociência. 

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