Comentários
Fonte: Shutterstock.
Deseja ouvir este material?
Áudio disponível no material digital.
Vamos elaborar a carta explicativa aos funcionários da equipe de segurança? Nesse documento precisamos que você, enquanto chefe desta equipe, os convença a respeitar os direitos fundamentais na relação com os detentos, evitando assim, principalmente, a prática do crime de tortura.
Podemos começar nos dirigindo aos funcionários e relembrando a eles nosso passado autoritário e o quanto é comum a prática da tortura em nosso país:
Caros colegas,
sabemos que a prática da tortura, infelizmente, é comum no Brasil, sendo praticada principalmente pelas autoridades de nosso país, que deveriam nos proteger. Durante a Ditadura Militar no Brasil essa prática era a tal ponto “desenvolvida” que chegamos a exportar técnicas para outros países. No entanto, mesmo depois da ditadura, essa prática perdura dentre os agentes do governo, mesmo sendo explicitamente proibida por documentos internacionais e pela nossa Constituição Federal de 1988.
Em seguida, podemos mencionar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana:
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi estabelecida também como uma forma de impedir que nosso passado violento e autoritário de repetisse, sendo conhecida como Constituição cidadã. Em vista das violências e do desrespeito dos direitos humanos que foram tão comuns durante os “anos de chumbo” da ditadura, a Constituição Federal estabelece como um dos princípios do Estado brasileiro a dignidade humana. O princípio da dignidade humana é que orienta toda a ação de nosso Estado. Não podemos no esquecer que mesmo sendo gerido por uma empresa privada, esse presídio presta um serviço público, de execução penal, e todos os seus funcionários, públicos e privados, devem agir em conformidade com a Constituição Federal, em respeito aos princípios e direitos fundamentais.
O princípio da dignidade humana está acima de todos os princípios e direitos fundamentais e a Constituição Federal e todas as leis brasileiras devem ser interpretadas à luz desse princípio. Por isso, quando a própria Constituição prevê, em seu artigo 5º, XLVI, a privação e restrição de liberdade, e a suspenção e interdição de direitos como penas, isso não significa de forma alguma a perda da dignidade humana em seu cumprimento. A prisão deve se dar em condições que preservem a dignidade do preso.
Mas o que seria a tal dignidade humana? Seu fundamento é a própria pessoa humana como um valor absoluto, ou seja, como um valor que deve ser respeitado independentemente das características diversas dos seres humanos, ou das condições em que estes se encontrem, como a condição de encarceramento, por exemplo. Em suma, o ser humano não pode ser utilizado como um meio para a realização de um fim.
Esse princípio, no caso dos presos, implica na humanidade da pena, ou seja, na limitação à quantidade e aos tipos de pena possíveis, como a proibição de penas cruéis, desumanas e degradantes, assim como o rigor desnecessário e privações indevidas impostas aos condenados.
Desse modo, por exemplo, a integridade física e moral de um condenado que cometer uma falta disciplinar não podem ser violadas com a finalidade de dar um exemplo aos outros presos (Lei de Execução Penal, Art. 45).
Observe que a Lei de Execução Penal estabelece, em seu artigo 53, sanções disciplinares que respeitam a dignidade dos presos.
Agora, podemos mencionar também que o preso não perde seus direitos fundamentais:
Nossa responsabilidade, enquanto administração penitenciária, é respeitar os direitos fundamentais do recluso de maneira a garantir o exercício de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Se a Constituição prevê penas privativas de liberdade, o intuito final da pena, segundo a Lei de Execução Penal (Art. 1º), é justamente a ressocialização, para que o indivíduo volte a gozar de todos os seus direitos plenamente, sem colocar sua comunidade e outros cidadãos em risco.
Somente nos casos expressamente previstos pela lei (princípio da legalidade) os direitos do preso podem ser limitados. A Lei de Execução Penal é aquela que prevê, em nosso ordenamento, quais são esses casos dentro de um presídio. Não serão tolerados comportamentos arbitrários em relação aos presos, por isso recomendo o estudo atento dessa Lei.
Aos presos é assegurado, pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal o direito à vida, à dignidade, à liberdade, à privacidade etc.
Podemos explicar agora aos funcionários como os direitos civis aplicam-se aos presos:
Os direitos civis são um grupo dentre os direitos fundamentais e visam a garantir, justamente, que o Estado – neste caso os funcionários que desempenham um serviço público e agem em nome do Estado – não viole os direitos e liberdades individuais das pessoas que estão sob sua autoridade, inclusive dos presos. Vamos destacar algumas espécies de direitos civis importantes, previstas no artigo 5o, caput, da Constituição Federal.
Primeiramente, devemos falar o direito à liberdade que neste caso é estreitamente ligado ao princípio da legalidade. A legalidade garantiria ao condenado as liberdades que não foram atingidas por sua sentença, por exemplo, a liberdade de pensamento, de união familiar etc.
O direito à igualdade assegura que todos os presos tenham um tratamento igual, a menos que suas necessidades particulares exijam um tratamento diferenciado, por exemplo, no caso das mulheres, que devem ficar presas em estabelecimentos que contemplem suas condições pessoais, ou seja, que contenham berçários para a amamentação de seus filhos. Portanto, é proibida a discriminação dos presos em virtude de sua religião, de sua raça, de sua orientação político-ideológica etc.
Em terceiro lugar, é preciso destacar o direito à vida. Assim como todos os outros direitos fundamentais, este deve ser interpretado à luz da dignidade humana, o que significa que não basta a manutenção da vida do preso, mas que se garantam a ele todas a condições para que este usufrua de uma vida digna.
Em virtude do princípio da inviolabilidade da vida, é vedada a pena de morte; é proibido a tortura e o tratamento desumano ou degradante; é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral e é assegurado às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
A integridade físico-corporal (compreendendo a integridade psíquica) é, portanto, um bem vital e revela um direito fundamental do ser humano, cuja violação, em qualquer circunstância, é criminosa. A integridade moral, por seu turno, é essencial a uma vida digna.
Agora, finalmente, podemos passar a tratar da proibição de tortura, que consiste em uma violação do direito à integridade física, psíquica e moral:
Sendo derivada do direito à vida, a integridade física e moral dos presos deve ser respeitada, sendo prevista na Constituição Federal, em seu Art. 5o, XLIX. O inciso III do mesmo artigo, também prevê que ninguém será submetido à tortura, tratamento desumano ou degradante.
Para reforçar essa proibição, o Brasil incorporou em sua legislação, em 1991, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes da ONU e promulgou, em 1997, a Lei do crime de tortura (Lei nº 9.455/1997).
Esta última define como crime de tortura as seguintes ações: “I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II − submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.”
Ou seja, aqueles que se encontram sob nossa guarda e autoridade, não podem ser submetidos a esse crime hediondo.
O Art. 1º, § 1º da Lei nº 9.455/1997 também remete a este crime, quando estes atos forem praticados contra pessoa presa ou sujeita à medida de segurança, por meio de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
No que diz respeito às consequências desse crime previstas em lei, vale dizer que este é um crime inafiançável, sendo prevista a pena de reclusão de dois a oito anos. Além disso, como temos funcionários públicos e privados em nossa equipe, é importante esclarecer que agentes particulares de segurança também poderão ser responsabilizados por crimes de tortura. Além disso, aqueles que forem agentes estatais, quando condenados por crimes de tortura, além de terem de cumprir a pena privativa de liberdade, perderão o cargo, função ou empregos públicos, com a consequente interdição para exercício daqueles pelo prazo duplicado em relação à pena efetivamente aplicada. É o que estabelece o Art. 1º, § 5º da Lei nº 9.455/1997.
Concluindo:
Em conclusão, esperamos de todos da equipe uma conduta irrepreensível, que respeite a dignidade e os direitos fundamentais daqueles que estão sob nossa guarda e autoridade temporariamente, para que a função da pena seja cumprida, ou seja, para que estas pessoas possam voltar a participar de nossa sociedade e usufruir plenamente de seus direitos.
Agradeço a atenção de todos.
Cordialmente,
Chefe de Segurança.
Você é o agente de segurança de um estádio de futebol. Hoje o estádio acolherá o clássico embate entre Remo e Paysandu e você ficou responsável por coordenar os agentes de segurança responsáveis por garantir a segurança nas entradas do Estádio. Você recebe uma notificação no rádio, dizendo que um dos torcedores foi flagrado com um sinalizador em sua mochila, tentando entrar no estádio pela entrada de funcionários. Um dos agentes de segurança sob sua supervisão detém o torcedor, o imobiliza e coloca em uma sala no estádio até que a polícia chegue para tomar as providências necessárias. Ao entrar na sala, você vê que o funcionário ordenou que o torcedor retirasse a camisa e o agredia verbalmente, xingando-o. Como você lidaria com essa situação? Como você repreenderia o funcionário?
Primeiramente, é preciso dizer que não havia motivo para que o agente de segurança retirasse a camisa do torcedor, uma vez que este já fora revistado e imobilizado. O torcedor encontra-se neste momento sob a guarda de sua equipe de segurança, o que significa que esta equipe é responsável por sua integridade física e moral. A remoção da camisa sem qualquer necessidade constitui uma violação à sua dignidade e à sua intimidade (princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal). É preciso repreender o funcionário por ter feito um uso arbitrário, ou seja, em desrespeito à lei, do poder que detinha naquele momento sobre o torcedor. Além disso, o xingamento constitui também uma forma de agressão, desta vez violando integridade moral e a honra do torcedor. É preciso explicar ao funcionário que essas são condutas muito graves, que violam direito fundamentais e que não podem se repetir. Em vista da gravidade, seria correto relatar o ocorrido a seu superior para que este tome as providências em relação ao funcionário, considerando também que a Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, X, o direito a indenização pelo dano moral decorrente da violação.