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Caro aluno, nesta situação você atuará como chefe de segurança de um dos presídios mais degradados do Estado do Maranhão. Esse estabelecimento prisional será transformado em um presídio modelo para a reforma dos demais, você já se reuniu com seus funcionários para explicar a importância de se tratar os presos e seus familiares com dignidade e respeitar seus direitos civis.
Em vista dessa primeira conversa, que já começa a surtir efeitos, você recebe um relato de seus funcionários de que muitos dos detentos estão doentes e grande parte de suas reclamações, que acabam por gerar conflitos com os funcionários, são ligadas à situação de insalubridade, péssimas condições de higiene e de alimentação (alimentos estragados; água contaminada) na prisão. Embora sua equipe de segurança não seja responsável pela prestação de serviços de limpeza, alimentação e saúde, esses elementos impactam no aumento de conflitos entre os presos e funcionários, que podem se transformar em uma rebelião. Diante desse problema, você agenda uma reunião com o diretor da unidade, e é preciso que você elabore um documento de suporte à reunião e que o guiará durante sua exposição das questões no momento da reunião, devendo listar os pontos problemáticos, explicando e justificando a necessidade de melhoria das condições de higiene, saúde e alimentação da prisão, com base nos direitos humanos dos presos, em especial nos direitos econômicos e sociais. Para isso, você deve levar em consideração:
Assim, você poderá ter uma pauta da reunião com base nesse documento de apoio que deverá elaborar. Vamos começar? Bom trabalho!
O Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.
Como já dissemos nas seções anteriores, os direitos humanos, para serem melhor compreendidos, podem ser separados em dimensões. Os direitos previstos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, adotado pela Assembleia Geral da ONU naquele ano, correspondem aos direitos humanos de segunda dimensão.
De uma forma geral, você deve ter em mente que estes direitos sociais, econômicos e culturais correspondem a ações e políticas públicas que os Estados, partes deste pacto, têm de tomar para a proteção e promoção dos direitos humanos de suas populações. Essas ações estatais são consideradas obrigações de fazer (ou prestações positivas). Para simplificar nosso estudo, caro aluno, a partir daqui, adotaremos a nomenclatura “direitos sociais” para corresponder à ideia de direitos econômicos, sociais e culturais, previstos no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966 e na Constituição Federal brasileira de 1988.
Assim, de maneira resumida, os direitos sociais, previstos no Pacto de 1966, correspondem aos seguintes:
Como você pode notar, os direitos sociais dependem de ações e de políticas públicas de cada Estado, parte do Pacto de 1966, ou seja, de prestações positivas como dissemos acima.
Você pode ler o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966: Presidência da República. Decreto no 591, de 6 de julho de 1992. Disponível em: https://bit.ly/2ONk3Vj. Acesso em: 13 out. 2020.
E também poderá compreender melhor o histórico do surgimento do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966 por meio da entrevista disponível em: https://bit.ly/3qyelE8. Acesso em: 13 out. 2020.
Contudo, é importante que esclareçamos que esta divisão, entre prestações positivas (obrigações de fazer), característica dos direitos sociais (direitos humanos de segunda dimensão), e as prestações negativas (obrigações de não fazer), típica dos direitos políticos e liberdades individuais dos cidadãos (direitos humanos de primeira dimensão), não podem ser compreendidos de forma separada, como se os direitos de segunda dimensão não dependessem dos direitos de primeira dimensão e vice-versa.
Segundo essa visão, de interdependência dos direitos humanos e sua indivisibilidade, os direitos humanos, de todas as dimensões, e no nosso caso, neste momento, envolvendo os de primeira e de segunda dimensões, permanecem interligados. Assim, a liberdade e igualdade dos cidadãos dependerão de ações dos Estados que lhes deem condições de atingir as primeiras, como o acesso a um sistema de educação e de saúde de qualidade, o direito a um trabalho com condições mínimas de dignidade e de remuneração respectiva, além dos demais como já citamos. Para concluirmos, o Estado, portanto, passa a ter um visto como um Estado que promove todos os direitos, sociais, civis e políticos (Estado promotor), e não apenas como um Estado interventor ou que se abstém de ingerir na liberdade de seus cidadãos.
Importante você saber também que o Estado signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966 deverá sempre fazer com que os direitos sociais sejam garantidos de modo a existir um progresso nesses direitos. Assim, as suas ações e políticas públicas, bem como a sua legislação não podem ser feitas e depois retiradas em determinado momento de modo a prejudicar os direitos sociais.
As dimensões dos direitos humanos não podem ser consideradas de forma independente. Uma dimensão depende da outra para se realizar plenamente. Isso se dá por conta da interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos.
Você também deverá saber que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966 prevê a autodeterminação dos povos. A noção de autodeterminação dos povos prevê a possibilidade de que cada povo escolha livremente sua forma de governo e busque, por meio dos direitos sociais, o seu desenvolvimento, seu acesso à educação, à saúde, à cultura e ao progresso científico.
A qual dimensão pertence o direito à autodeterminação dos povos? Você acha que no Brasil esse direito é realizado para todos os povos que compõem o “povo brasileiro”?
Após este breve panorama sobre o reconhecimento dos direitos sociais no plano internacional, iremos estudar como esses direitos são reconhecidos em nosso país. A partir da leitura do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, você verificará que os seguintes direitos sociais foram reconhecidos: 1) a educação; 2) a saúde; 3) a alimentação; 4) o trabalho; 5) a moradia; 6) o lazer; 7) a segurança; 8) a maternidade e a infância; e 9) a assistência aos desamparados.
Assim, você deverá notar que muitos dos direitos sociais reconhecidos por nossa Constituição Federal são os mesmos daqueles previstos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966, os chamados direitos humanos de segunda dimensão. Os direitos sociais passaram a ser reconhecidos mundialmente, em cada país, a partir de movimentos sociais, principalmente aqueles oriundos da classe trabalhadora, fundamentados em uma ideologia mais socialista. No Brasil, os direitos humanos de segunda dimensão (direitos sociais) foram reconhecidos primeiramente pela Constituição de 1934.
Na Constituição Federal de 1988, como já dissemos anteriormente, os direitos sociais dependem de uma ação do Estado brasileiro. Essa ação é realizada por meio da elaboração de leis e de políticas públicas pelos entes federativos: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Nesse sentido, você deverá lembrar que o Estado, por meio dos entes federativos, passa a ser considerado como um Estado que promove os direitos sociais e não apenas os reconhecendo. E, por fim, o artigo 193 de nossa Constituição estabelece que a ordem social está fundamentada no trabalho e que tem como “objetivo o bem-estar e a justiça social”. É com base naquele artigo que os direitos sociais deverão ser programados e realizados pelo Estado brasileiro.
Para nosso curso, abordaremos, com maior detalhamento, o direito à saúde, especialmente no que se refere este direito em relação à população que se encontra privada de sua liberdade, ou seja, as pessoas presas. É importante que você se recorde, como já dissemos anteriormente, que não é pelo fato de que um indivíduo se encontra preso que ele perde sua dignidade humana ou que deixará de ter seus direitos humanos e direitos sociais respeitados.
O direito à saúde está previsto no artigo 194 da Constituição Federal de 1988 como um dos componentes do que se chama seguridade social, também formada pelos direitos à previdência e à assistência social. Para tanto, estes direitos dependerão de ações e de políticas públicas por parte do Poder Público (leia-se União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Além disso, você deverá saber que o direito à saúde, assim como os direitos à previdência social, deverá ser garantido de modo a observar alguns princípios, conforme prevê os incisos do parágrafo único do artigo 194: “I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e dos serviços; [...].”
Agora, para que você tenha uma melhor compreensão do direito à saúde, analisaremos o artigo 196 de nossa Constituição Federal. Ele estabelece que o direito à saúde é um direito de todos e um dever do Estado e que deverá ser garantido por meio de “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Dessa maneira, o nosso Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões sobre o direito à saúde e o que está previsto pelo artigo 196 entendeu que: (1) este direito não pode sofrer quaisquer impedimentos por autoridades públicas para que ele seja efetivamente realizado; (2) que o direito à saúde é um direito do qual nenhum indivíduo pode se recusar a tê-lo (é um direito indisponível); e (3) que é um direito inerente ao direito à vida e que o Poder Público deve empregar todos os meios disponíveis para que seja observado.
Você poderá ler estes julgamentos realizados pelo STF, fazendo uma pesquisa de jurisprudência no site: http://bit.ly/3tc3EsI procurando pelos seguintes julgados (que são Recursos Extraordinários – RE), conforme citamos acima:
Além disso, caro aluno, a nossa Constituição Federal estabeleceu que o direito à saúde compreenderá um conjunto de ações e de serviços públicos a ele ligados e que formarão um sistema integrado, regionalizado e hierarquizado, formando o Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o conteúdo do artigo 198. O mesmo dispositivo constitucional, em seus incisos, prevê que o SUS deverá ser organizado de acordo com as seguintes diretrizes: “I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.”
Portanto, o direito à saúde do indivíduo que se encontra em estabelecimento prisional não pode ser relativizado quando comparado ao direito à saúde de um cidadão que não cumpre pena de prisão. Há limitações, de fato, ao modo como se dará o atendimento à saúde do preso, pois este tem sua liberdade restringida. Mas continua sendo dever do Estado garantir a saúde daqueles que se encontram cumprindo penas restritivas de sua liberdade.
Por esse motivo, foi elaborado no ano de 2004 pelo Ministério da Saúde, o Plano de Saúde Nacional do Sistema Penitenciário, que tem por objetivo incluir os estabelecimentos prisionais como entidades cadastradas no Sistema Único de Saúde (SUS), para que recebam recursos financeiros e humanos oriundos deste sistema e implementados para o atendimento da população carcerária.
Pela primeira vez, a população carcerária brasileira passou a ser atendida por uma política pública específica para que seja observado o direito humano e social que possui, qual seja o direito à saúde. Assim, o Plano Nacional passa a prever a integração do presidiário no SUS, o que já é garantido pela Constituição Federal de 1988, pela Lei Federal nº 8.080/1990 (SUS), pela Lei Federal nº 8.142/1990 (participação da comunidade na gestão do SUS) e pela Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/1984).
O Plano Nacional reitera a noção de que qualquer pessoa presa, por qualquer transgressão que tenha cometido e que a tenha levado a essa situação de privação de sua liberdade, ainda possui os seus direitos humanos e fundamentais garantidos, como forma de lhe oferecer a dignidade que todo ser humano merece ter, pela sua condição humana. Dessa maneira, o Plano Nacional afirma de maneira conclusiva que “As pessoas estão privadas de sua liberdade, e não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania.”
Para que você saiba mais sobre o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário, acesse o link a seguir e obtenha mais conhecimentos, a fim de auxiliá-lo na resolução da situação-problema desta seção:
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano Nacional de Saúde no Sistema penitenciário. 2004. Disponível em: https://bit.ly/3rHdWk5. Acesso em: 13 out. 2020.
Entre 1990 e 2014, a população prisional brasileira cresceu 575%, chegando a ter mais de 607 mil pessoas sob custódia em 2014 (41% dessa população ainda não havia sido condenada definitivamente).
Desde o início dos anos 1980 percebe-se uma tendência mundial de crescimento da população carcerária no mundo e o Brasil acompanha essa tendência.
É importante notar que no Brasil, em virtude dos problemas econômicos e sociais que nos afligem, “a prisão acaba transformando‐se em instrumento de intervenção” (LEWANDOWSKI, 2016, p. 9) e notamos que essa intervenção tem como principal alvo populações menos favorecidas do ponto de vista econômico e social.
As políticas públicas de inclusão dos menos favorecidos, que promoveriam a igualdade material e social, como políticas habitacionais, educacionais, culturais, e de promoção da saúde, não são vistas como políticas de segurança.
O alto índice de aprisionamento colabora para a superlotação das prisões, que agrava ainda mais a situação da precariedade de condições de nossas prisões e do tratamento das pessoas que estão sob custódia do Estado. Muitos direitos humanos são violados nas prisões e o Estado brasileiro tem falhado em cumprir as normas internacionais que estabelecem padrões e boas práticas que visam a garantir a dignidade dos presos, por exemplo, o próprio Pacto de São José da Costa Rica ou as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da ONU, que conheceremos agora.
Conheça a grave situação do Complexo de Pedrinhas no Maranhão:
CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Violação continuada: dois anos da crise em Pedrinhas. Disponível em: http://bit.ly/3l9DaVG. Acesso em: 13 out. 2020.
As regras mínimas para o tratamento de prisioneiros, apelidadas de “Regras de Mandela” em homenagem ao antigo Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, consistem em uma atualização das regras originais adotadas no primeiro Congresso sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, em Genebra, em 1955. O novo documento adotado pela Assembleia Geral da ONU em outubro de 2015, e estabelece princípios e práticas para o tratamento de presos.
Por 55 anos as “Regras Mínimas para o Tratamento de Presos” foram utilizadas pelos Estados como um guia para estruturar seus sistemas penais. Em 2015, essas regras foram submetidas a uma atualização importante, que amplia o respeito à dignidade dos prisioneiros, assim como garante o direito à saúde, o direito de defesa e regulamenta punições disciplinares.
Além disso, a atualização leva em consideração, para que se promova a dignidade e se efetive a igualdade material daqueles que estão sob a autoridade do Estado, as necessidades de cuidado particulares de crianças e adolescentes, de mulheres e de pessoas com deficiências físicas e mentais. As novas “Regras de Mandela” nos fornecem orientações precisas e “instruções exatas para enfrentar a negligência estatal” (LEWANDOWSKI, 2016, p. 10).
Segundo o Ministério da Justiça (2015), o Brasil, como signatário das “Regras Mínimas” e de outros protocolos internacionais da ONU tem as condições de seu sistema prisional fiscalizadas e monitoradas por mecanismos instituídos no âmbito da ONU.
É importante saber que o Brasil também é signatário das Regras de Bangkok, de 2010, que versam sobre o tratamento das mulheres presas e sobre a aplicação de medidas não privativas de liberdade para mulheres.
Infelizmente, embora o governo brasileiro tenha participado ativamente das negociações para a elaboração do novo documento, até o momento a nova normativa não teve grande repercussão nas políticas públicas endereçadas aos presos, o que demonstra que as normas internacionais de direitos humanos poderiam ser mais valorizadas pela gestão pública.
Quem foi Nelson Mandela?
Rolihlahla Mandela nasceu em 1918 no clã Madiba na África do Sul. Ele recebeu o nome Nelson em seu primeiro dia de escola primária. Nascido em uma família da nobreza tribal numa pequena aldeia do interior, era provável que um dia viesse a ocupar um cargo de chefia. No entanto, aos 23 anos ele fugiu para a capital, Johanesburgo, onde iniciou sua luta política contra o Apartheid. Em virtude de sua atuação política, em 12 de junho de 1964, ele foi sentenciado à prisão perpétua. Ele passou 27 anos de sua vida em três prisões diferentes e foi solto em 1990 devido a pressões internacionais, quando a guerra civil em seu país já caminhava para um fim. Com o fim do Apartheid, em 1994, ele foi empossado como o primeiro presidente democraticamente eleito da África do Sul.
Ele faleceu em 5 de dezembro de 2013.
Para que você compreenda melhor a trajetória de vida de Nelson Mandela e sua influência na elaboração das Regras Mínimas para tratamento de prisioneiros da ONU, você deverá saber que o Apartheid foi um regime que se estendeu de 1948 a 1994 na África do Sul, conhecido por praticar uma política racial de segregação. Nesse regime, a minoria branca detinha todo o poder econômico e político da região, assim como o direito ao voto, em detrimento de uma maioria negra. Esta maioria era oprimida e obrigada a obedecer uma legislação separatista que os desfavorecia e segregava.
A Constituição Federal, sendo a lei fundamental do Estado de Direito Brasileiro, possui uma supremacia hierárquica sobre as outras leis. Ou seja, todas as outras leis devem ser interpretadas à luz da Constituição e, se contrariarem aquilo que ela estabelece, devem ser declaradas inconstitucionais.
Como você já sabe, a própria Constituição prevê a pena privativa de liberdade, que implica na restrição a alguns direitos. Você pode observar que aqui entram em conflito dois direitos fundamentais: o direito à liberdade daquele que cometeu uma infração e o direito à segurança por parte da coletividade. Diante deste conflito, a própria Constituição já decidiu privilegiar o direito à segurança da coletividade, prevendo em seu artigo 5o, XLVI a pena privativa ou restritiva de liberdade. Isso porque, mesmo o direito à liberdade sendo um direito fundamental, entende-se que quando o infrator viola determinadas leis e, portanto, lesiona determinados bens jurídicos de grande importância, como a vida, por exemplo, sua liberdade para conviver em sociedade ameaça a liberdade dos demais membros daquela comunidade.
Por esse motivo, o objetivo da pena privativa de liberdade na legislação é o de reabilitar o preso a um convívio responsável em sociedade, para que ele possa voltar a exercer seu direito à liberdade. No entanto, é importante considerar que as penas de direito penal, dentre as quais está a pena de prisão, são previstas para os casos extremos, em que outras instâncias de controle social – como o controle ético que se manifesta informal e espontaneamente – não atuaram ou não foram efetivas. A pena privativa de liberdade é a forma mais extremada de controle penal.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo XXIX, 2, está estabelecido que “no exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem‐estar de uma sociedade democrática”.
No entanto, a pena privativa de liberdade deve ser aplicada, como vimos, sempre em respeito à dignidade humana, da qual a Constituição Federal não abre mão. Lembramos que a restrição ou violação de outros direitos fundamentais, para além daqueles que a Constituição permite pode gerar dúvida em relação à constitucionalidade da pena. Observamos que em muitos casos em que a dignidade humana do infrator está sob ameaça, o Supremo Tribunal Federal decide em seus julgamentos privilegiar seu direito à liberdade.
Com o movimento de reconhecimento dos direitos humanos a pena passa a ser vista não apenas como uma consequência inevitável do cometimento de crimes, a ser tratada pelo Direito Penal para que se reestabeleça a ordem da sociedade. Passamos a nos perguntar quais penas são mais eficientes, ou seja, cumprem a função de evitar o cometimento de novos crimes e ao mesmo tempo são mais benéficas ao condenado, à sua formação como pessoa. Isso porque começamos a perceber que a pena privativa de liberdade, que seria a mais severa em nosso sistema, de fato não cumpre a função de reabilitar a pessoa para o convívio. Há quem diga que o aprisionamento é em si uma dupla pena. Principalmente nas condições em que ela é cumprida no Brasil, em que as condições em celas superlotadas e o tratamento oferecido nas prisões é desumano e degradante, o que seria vedado pela Constituição Federal, que veda penas cruéis (Art. 5º, XLVII).
Além da desumanidade de nossas prisões, Shecaira (1999, p. 175) esclarece que “a prisão passa a funcionar como elemento de criminalização que gera um processo em espiral para a clientela do sistema penal. A criminalização primária produz rotulação, que produz criminalizações secundárias (reincidência)”.
A pena privativa de liberdade apenas está de acordo com a Constituição quando busca ressocializar, reeducar, fortalecendo a personalidade ética e a responsabilidade do preso, o que culmina na realização de sua própria dignidade, devolvendo-o ao convívio em comunidade. Além dos questionamentos à eficiência e à constitucionalidade da pena privativa de liberdade do Brasil, é preciso notar que se trata de uma alternativa muito cara. Tendo em vista todas essas considerações, as “penas alternativas” começam a nos parecer uma solução atraente.
Uma das tarefas do Estado Democrático de Direito seria a constante revisão das condutas que devem ou não ser contempladas pelo direito penal, que é o sistema de controle social que mais intervém e impacta na vida e nos direitos dos infratores e de todos ao seu redor. Mas como se dá essa revisão? Trata-se do processo de descriminalização de condutas, que pode se dar tanto pela via legislativa e institucional, quanto pela via dos costumes.
Você consegue pensar em alguma infração que poderia ser descriminalizada no Brasil? Por quê?
Outro dever do Estado Democrático de Direito seria justamente a busca por medidas alternativas à privação de liberdade. Mas quais são as penas alternativas à pena de prisão previstas em nosso sistema legal? A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVI, prescreve: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.
Observamos que esse dispositivo não esgota os tipos de pena, que podem ser determinadas pela legislação especial, contanto que esta respeite os preceitos constitucionais e a humanidade das penas. As penas restritivas de direito (que são todas aquelas alternativas às penas privativas de liberdade, com exceção da pena de multa), em especial a de prestação de serviços à comunidade, representam um grande avanço.
Nas penas alternativas a reprovação da conduta não se dá pelo sofrimento ao qual o condenado é submetido, mas pelo valor simbólico da pena. Aí é que a pena de prestação de serviços à comunidade assume um papel importante. As penas alternativas – especialmente a de prestação de serviços à comunidade, contemplam a ideia de um direito penal humano, além de propiciar a reinserção social. Além disso, elas evitam as desvantagens da pena de prisão, que causa danos à personalidade do condenado e o retira totalmente do convívio social.
Pense a respeito da importância da liberdade ao ser humano para que ele tenha uma vida plena, ainda que cometa atos reprováveis pela sociedade em determinado período ou até mesmo considerados como crimes. Você já pensou em como seria sua vida se tivesse sua liberdade de locomoção, bem como outros tipos de liberdade restringidos?
Em seu discurso durante a IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, Antônio Augusto Cançado Trindade, então presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferiu as seguintes palavras:
De que vale o direito à vida sem o provimento de condições mínimas de uma existência digna, se não de sobrevivência (alimentação, moradia, vestuário)? De que vale o direito à liberdade de locomoção sem o direito à moradia adequada? De que vale o direito à liberdade de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito ao trabalho? De que vale o direito ao trabalho sem um salário justo, capaz de atender às necessidades humanas básicas? De que vale o direito à liberdade de associação sem o direito à saúde? [...] Daí a importância da visão holística ou integral dos direitos humanos, tomados todos conjuntamente. Todos experimentamos a indivisibilidade dos direitos humanos no quotidiano de nossas vidas. Todos os direitos humanos para todos, é este o único caminho seguro para a atuação lúcida no campo da proteção dos direitos humanos. Voltar as atenções igualmente aos direitos econômicos, sociais e culturais, face à diversificação das fontes de violações dos direitos humanos, é o que recomenda a concepção, de aceitação universal em nossos dias, da interrelação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos.
Com base no texto acima e nos seus conhecimentos sobre os direitos econômicos, sociais e culturais previstos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais de 1966, assinale a alternativa correta:
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Correto!
A alternativa correta é a C, pois o texto acima demonstra a complementaridade entre os direitos humanos de primeira e de segunda dimensão. Não há como se compreender a teoria de direitos humanos de forma separada e que não possua interrelação ou interdependência entre os diferentes tipos de direitos humanos. Assim, os direitos civis e políticos demandam um reconhecimento por parte do Estado das liberdades e garantias fundamentais, mas que apenas poderão ser verificadas na prática se os direitos sociais forem, além de previstos legalmente, implementados por meio de políticas públicas e ações estatais.
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“[...] a Corte [Interamericana de Direitos Humanos] toma nota da preocupação assinalada pelo Estado e pelo MNPCT [Mecanismo nacional de Prevenção e Combate à Tortura] a respeito da política de ‘superencarceramento’ verificada no Brasil e em Pernambuco. Nesse sentido, a Corte destaca que o crescimento exponencial da população carcerária dificulta ou torna inviáveis essas mudanças estruturais, favorecendo a violação dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Essa política é especialmente grave diante da situação de superlotação e superpopulação que já se encontra no Complexo de Curado, e torna ineficazes as medidas que podem ser tomadas a respeito do aumento de praças nos centros penitenciários, que continuam sendo insuficientes diante do número de pessoas que neles ingressam”. (Tradução dos autores).
Embora o direito internacional preveja a obrigação dos Estados de promoverem essas audiências, elas raramente ocorrem no Brasil, onde muitos presos esperam por meses até serem levados a um juiz. […] As audiências de custódia previnem casos de encarceramento arbitrário e ilegal de suspeitos de crimes não violentos enquanto estes aguardam julgamento. Elas permitem que os juízes tenham mais informações para decidir se alguém foi detido legalmente e se estão presentes os elementos para se determinar a prisão provisória”.
Considerando a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a consideração da Human Rights Watch, avalie as afirmações que seguem:
Agora, assinale a alternativa CORRETA:
Correto!
Apenas as afirmativas I, III e IV estão corretas como pode se observar nos próprios textos-base do enunciado. A Corte menciona que o ‘superencarceramento’ é uma política do Estado Brasileiro, o relatório da Human Rights Watch menciona que as audiências de custódia previnem o encarceramento arbitrário, de onde se pode concluir que ajudariam a diminuir a superlotação das prisões, porém este afirma que as audiências demoram muito a acontecer, o que violaria os direitos humanos previstos no próprio Pacto de San José da Costa Rica, que orienta também as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A contratação de pessoal e aumento do espaço não resolveria as violações de direitos humanos, uma vez que a população carcerária tende a continuar a crescer. Estas medidas não consistem em mudanças estruturais, mas apenas reformas que dariam uma solução temporária ao problema, o que não é o recomendado pela Corte.
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A consolidação do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário representa um avanço para o País, na medida em que, pela primeira vez, a população confinada nas unidades prisionais é objeto de uma política de saúde específica, que possibilita o acesso a ações e serviços de saúde que visam a reduzir os agravos e danos provocados pelas atuais condições de confinamento em que se encontram, além de representar sua inclusão no SUS. Contribuir para a promoção da saúde das pessoas privadas de liberdade, além de ser uma responsabilidade do Estado, representa uma missão e um desafio para profissionais de saúde e cidadãos que acreditam numa sociedade sem excluídos.
Com base no texto acima e no conteúdo das aulas sobre direitos sociais e direito à saúde da população que se encontra presa em estabelecimentos prisionais, julgue as afirmativas abaixo como verdadeiras ou falsas e escolha a alternativa correta:
Tente novamente...
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Correto!
A afirmativa I é verdadeira porque o objetivo central da Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário é a inclusão de todos os presos no SUS, por meio do cadastramento dos estabelecimentos prisionais, dando amplo e irrestrito acesso aos presidiários aos serviços médicos e assistenciais do Sistema Único de Saúde. A afirmativa II também é verdadeira pelo fato de o Plano Nacional ser a demonstração de uma política pública elaborada por um órgão do Estado brasileiro, o Ministério da Saúde, e que objetiva uma maior promoção e realização do direito à saúde, com as especificidades de que a população carcerária necessita. A afirmativa III é falsa uma vez que, pela teoria dos direitos humanos e segundo o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, do qual o Brasil é signatário, não se pode conceder acesso e direitos à população, seja ela qual for, e depois retirá-los. Trata-se da lógica da progressão de direitos, ou seja, não se pode conceder acesso a determinadas políticas públicas e serviços públicos benéficos à população e depois retirá-los sob a justificativa de redução de custos, por exemplo.
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