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Fonte: Shutterstock.
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Vamos tentar elaborar o documento de apoio à reunião, conforme mencionamos anteriormente, e a partir de agora em que você já possui conhecimento sobre a importância e o que são os direitos sociais, especialmente aqueles relacionados à pessoa presa? Para que você possa solucionar a situação-problema, o documento que você deve elaborar não é um documento oficial, mas apenas um documento de apoio para ajudá-lo a conversar com o diretor da unidade.
Em primeiro lugar, é preciso começar listando os problemas relatados por seus funcionários que acabam causando o adoecimento dos presos e uma insatisfação generalizada. Além da superlotação, que contribui para o agravamento de todos os problemas, eles descreveram péssimas condições de higiene, saúde e alimentação, a limitação do banho de sol e a falta de proporcionalidade na distribuição do tempo para trabalho, descanso e recreação.
Você pode anotar que a mistura dessas condições leva grande parte dos presos a adoecer, além de gerar um clima de revolta permanente entre os detentos. É importante lembrar ao diretor que o direito à saúde é um direito social que, portanto, depende não de uma limitação do poder do Estado, mas sim da promoção contínua por meio de ações estatais.
Mas quais seriam essas ações estatais no caso dos presos?
É importante lembrar o diretor a respeito de sua responsabilidade como gestor de um equipamento público. Embora seja gerido por uma empresa privada, esse presídio presta um serviço público, de execução penal, e todos os seus funcionários, públicos e privados, devem agir em conformidade com a Constituição Federal, em respeito aos princípios e direitos fundamentais. E neste caso, eles precisam contribuir para garantir as condições de salubridade e o atendimento médico aos detentos.
Agora vamos refletir a respeito de que tipo de atuação o diretor da prisão deve ter para a garantia do direito à saúde em sua unidade. Em uma reunião como essa, é bom sempre levar sugestões.
Em primeiro lugar devemos pensar que o direito à saúde deve ser garantido, segundo nossa Constituição Federal (artigo 198), de forma integral, com prioridade para as atividades preventivas. Ou seja, a garantia da saúde não depende só de tratamentos paliativos posteriores ao diagnóstico, mas também de uma ação preventiva.
No caso de nossa prisão, nos parece que muitas doenças poderiam ser evitadas se as condições dos serviços de alimentação e de higiene fossem melhorados.
Além disso, a limitação aos banhos de sol e a falta de proporcionalidade na distribuição do tempo para trabalho, descanso e recreação também impactam na saúde física e mental do preso.
E nessas condições a administração da prisão pode atuar diretamente!
Percebemos, portanto, que a plena realização do direito à saúde depende de outros direitos sociais, como o direito à alimentação, ao trabalho digno e ao lazer, por exemplo, que são previstos tanto no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, como também no artigo 6o da nossa Constituição Federal.
Além disso, é importante que você mencione ao diretor outras normas internacionais que versam sobre a garantia aos direitos humanos e sociais dos presos, como as “Regras de Mandela”, que estabelecem em seu artigo 18 que “se exigirá dos presos asseio pessoal e, a tal efeito, se lhes facilitará água e artigos de asseio indispensáveis para sua saúde e higiene”; “A fim de que os presos possam manter um aspecto decoroso que lhes permita conservar o respeito de si mesmos, se lhes facilitarão meios para o cuidado do cabelo e da barba e para que possam barbear-se com regularidade”.
A própria Lei de Execução Penal prevê em seu artigo 12, que “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”.
Agora, no que diz respeito aos cuidados médicos e de outros profissionais de saúde especificamente, os presos devem ser incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Como vimos, o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário tem por objetivo incluir os estabelecimentos prisionais como entidades cadastradas no SUS, para que recebam recursos financeiros e humanos oriundos deste sistema e implementados para o atendimento da população carcerária e possam atender às “Regras de Mandela” e à Lei de Execução Penal. O Plano Nacional determina que todas as unidades prisionais devem contar com equipes mínimas, compostas por médico, enfermeiro, odontólogo, psicólogo, assistente social, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário, obedecendo uma jornada semanal de 20 horas.
Para que isso se realize, contudo, a unidade prisional deve conter um mínimo de aparelhos e infraestrutura médicos para o atendimento da saúde dos presos e seu consequente cadastro no SUS, o que deve ser providenciado pelo diretor da unidade.
É importante anotar aqui um argumento importante a ser apresentado ao diretor: como a violação ou não garantia dos direitos sociais, nesse caso o direito à saúde, atinge a dignidade humana dos presos, estes acabam por se revoltar para reivindicar o respeito aos seus direitos. Não podemos nos esquecer de que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos menciona, em seu Preâmbulo, a revolta como um último recurso legítimo de garantir o respeito aos direitos humanos pelo Estado:
“Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.
Você deve mostrar ao diretor que, como os presos têm seu direito à liberdade de locomoção limitado, eles ficam praticamente impossibilitados de atuar politicamente, reivindicando seus direitos. O Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Maranhão disse que os próprios presos costumam chamar as rebeliões de “reivindicações”, o que indica que ao se garantir os direitos sociais dos internos, se está também prevenindo rebeliões (CONECTAS DIREITOS HUMANOS, 2017, p. 12). E como chefe de segurança, você deve pensar não apenas do ponto de vista repressivo, mas também preventivo, evitando a violência e que maiores violações aconteçam em um eventual conflito.
Você trabalha na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas. Essa Secretaria está agindo em conjunto com o Tribunal de Justiça e com a Prefeitura de Manaus para implementar um programa que viabilize a aplicação da pena alternativa de prestação de serviços à comunidade no âmbito da Prefeitura, em especial na zeladoria de praças. O próximo passo seria enviar uma carta às organizações da sociedade civil de Manaus pedindo seu apoio ao projeto.
Você recebe um memorando do Secretário pedindo que redija uma justificativa, explicando porque a pena alternativa de prestação de serviços à comunidade tem maiores possibilidades de reabilitar o condenado para o convívio social e porque o apoio da comunidade é importante.
Você deve explicar que, por não isolarem o infrator, mas sim restabelecer seu contato com a sociedade a partir de uma outra perspectiva, a pena alternativa de prestação de serviços à comunidade elas proporcionam não só a reparação à sociedade que foi lesionada pelo infrator, como também é mais eficiente em sua reeducação para o convívio social. Se a comunidade colaborar, através de seus conselhos, associações e organizações para a reabilitação desse indivíduo, o sucesso dessa pena tende a ser maior. O próprio artigo 4o da Lei de Execução Penal recomenda que o Estado recorra “à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”.