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FOCO NO MERCADO DE TRABALHO

DIREITO À SEGURANÇA PARA GARANTIA DE DIREITOS POLÍTICOS

Laura Degaspare Monte Mascaro
Luiz Fernando Conde Bandini

Fonte: Shutterstock.

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Sem medo de errar

Primeiramente é preciso que você analise a conduta da polícia militar em relação aos manifestantes. Você deve se preguntar: a polícia agiu de forma correta?

Por um lado, é verdade que a Constituição Federal preconiza em seu artigo 5o, inciso XVI que é permitido reunir-se pacificamente e que o uso de violência não é legítimo. Agora, pensemos na ação dos manifestantes neste caso. Embora eles tenham usado a violência, eles ofenderam quais direitos? Estando as agências vazias, o único direito ofendido, portanto, foi o direito à propriedade.

A ofensa a esse direito justifica que se reprima os manifestantes de forma indiscriminada e que se disperse o protesto, que por outro lado constitui o exercício dos direitos políticos dos cidadãos? Repare que o que está em risco aqui não é a integridade física de outras pessoas, ou mesmo dos policiais, contra os quais os manifestantes não atentaram, mas apenas a propriedade. 

Vimos nesta seção que o direito à propriedade já foi considerado, principalmente após as Revoluções burguesas que entraram em choque com o Estado absolutista, o direito por meio do qual deveriam realizar-se todos os outros. O direito à liberdade, então, era considerado apenas do ponto de vista individual e não coletivo, não abrangendo o direito de agir em conjunto e os direitos políticos. Até hoje temos observado formas de se interpretar e proteger os direitos humanos que privilegiam o direito à propriedade em detrimento de outros, até mesmo do direito à vida. E aqui podemos observar um desses casos. Embora o direito à propriedade deva ser protegido, sendo um direito fundamental garantido por nossa Constituição, ele deve ser interpretado, como todos os outros, pelo prisma do princípio da dignidade humana, que fundamenta nosso Estado Democrático de Direito, assim como a cidadania e o pluralismo político. 

As forças policiais, portanto, tem o papel de proteger não apenas a propriedade, mas também a segurança dos manifestantes e outros cidadãos, garantindo assim a segurança pessoal e política de todos, tendo em vista que a segurança política é uma das dimensões da segurança humana, segundo o PNUD.

Além disso, é adequado reprimir os manifestantes indiscriminadamente e dispersar a manifestação em vista de uma ocorrência isolada? O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, bem como inúmeros procedimentos operacionais no Brasil, considera que é preciso tentar identificar e isolar os indivíduos que atiraram a pedra (ou em geral para indivíduos desrespeitando a lei) e removê-los da área antes que seu comportamento influencie outras pessoas. Esta ação é bastante dirigida e possui um baixo impacto no protesto, tendo em vista que não afeta os outros manifestantes e resguarda a integridade e os direitos políticos dos demais, que podem continuar a se manifestar. 

Observamos que, no caso, os agressores sequer atentavam contra a tropa de choque ou outros cidadãos, mas apenas contra estabelecimentos vazios. Segundo o relatório da Organização Artigo 19: 

O uso de armas menos letais – como bala de borracha, spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral – continua sendo um dos maiores problemas nos protestos, já que são usadas de maneira abusiva e sem procedimentos, causando lesões em manifestantes, comunicadores e transeuntes. Estas armas podem causar mutilações, perda de visão e, ao contrário do que se tenta sugerir, podem causar mortes. 

(ARTIGO 19, 2015, p. 39)

Infelizmente, é impossível, na maioria das vezes, saber se as forças policiais agiram de forma arbitrária ou legal no momento de se tomar uma decisão ainda durante o protesto. Aqui, como temos a descrição do caso, você pode tomar essa decisão de forma mais informada, mas na vida real você se depararia apenas com uma multidão de manifestantes tentando entrar na loja de departamentos para se abrigarem dos disparos, bombas e gases, que afetam, inclusive, os clientes presentes na loja. 

É importante que você saiba que você também, enquanto agente de segurança privada, precisa respeitar os direitos humanos e fundamentais. Não se esqueça de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é dirigida exclusivamente ao Estado, mas também “a cada indivíduo e cada órgão da sociedade” e que os direitos fundamentais da Constituição Federal devem ser respeitados por todos. 

A decisão que você enfrenta diante dessa multidão que tenta entrar na loja é: acolhê-los ou fechar o portão para evitar maiores danos à propriedade? Algumas considerações importantes são feitas no Manual do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (2005, p. 214) Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário para Forças Policiais e de Segurança, que também servem para sua situação:

1. as pessoas em multidões não formam uma massa homogênea, com comportamento mais ou menos similar; 
2. as pessoas em uma multidão não têm necessariamente maior tendência de usar de violência do que em circunstâncias diárias; 
3. as pessoas em uma multidão não têm necessariamente uma tendência maior de ter um comportamento “emocional” ou “irracional” (sem grifos no original).

Autor da citação

Assim, você pode tentar comunicar-se com os manifestantes que entram na loja a fim de mantê-los calmos para que eles próprios não se machuquem e para que a loja não seja danificada. 

Se isso não for possível, é preciso que você pense qual direito deve ser privilegiado nessa situação, em vista do princípio da dignidade humana: o direito à propriedade ou o direito à segurança pessoal daqueles que ingressam no estabelecimento, por cuja segurança você também é responsável. Lembre-se de que a atividade de “vigilância patrimonial” também compreende a garantia da incolumidade física das pessoas.

Avançando na prática

A propriedade pública e sua proteção pelo Estado versus direito à segurança de manifestantes

Um grupo de indígenas ocupou o prédio da FUNAI para reivindicar a demarcação de suas terras, tendo em vista que o processo de demarcação está bastante atrasado. A consequência do atraso na demarcação é que essa população está tendo muita dificuldade em garantir a proteção de suas terras contra os madeireiros da região. Em conflitos recentes com os madeireiros muitos indígenas foram mortos. 

A FUNAI negocia com os manifestantes a desocupação do prédio, prometendo dar mais celeridade ao processo de demarcação das terras e intensificar a atividade de fiscalização na região. 

Você é um oficial da Polícia Militar Ambiental do Estado onde residem os indígenas e deve responder a um ofício da FUNAI solicitando reforços para as atividades de fiscalização das fronteiras das futuras terras indígenas onde ocorreram os conflitos. 

Primeiramente, é importante considerar que a demarcação de terras indígenas contribui para a política de ordenamento fundiário do Governo Federal e dos Entes Federados e, consequentemente, para a redução de conflitos pela terra, uma vez que os Estados e Municípios passam a ter melhores condições de cumprir com suas atribuições constitucionais de atendimento digno a seus cidadãos, com atenção para às especificidades dos povos indígenas.

No entanto, antes mesmo da demarcação, os indígenas devem ter sua segurança pessoal e humana garantidas. As ações dos madeireiros ameaçam a segurança pessoal (ou seja, sua integridade física e psíquica) e comunitária dos indígenas (ou seja, os valores, práticas e identidades daquele grupo étnico), assim como a segurança ambiental da região, que é prejudicada com o desmatamento e agressão ao meio ambiente de forma descontrolada e ilegal. 

Para responder ao ofício, portanto, é importante considerar que a demarcação e a atividade de fiscalização visam também a promover o direito à segurança em todas as suas dimensões, diminuindo a situação de insegurança e vulnerabilidade dos povos indígenas.

Bons estudos!

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