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Convite ao estudo
Caro aluno, finalmente chegamos à última unidade de nosso curso, a Unidade 4. Lembramos que na Unidade 3 você estudou a promoção do direito à igualdade e da diversidade por meio do combate ao preconceito e à discriminação, bem como por meio de leis específicas que contemplam as necessidades de grupos vulneráveis. Você aprendeu também como se avaliar e julgar situações em momentos de crise ou inéditas em que não é possível confiar em padrões universais, ou mesmo nas leis. É preciso aprender a julgar e a tomar decisões por nós mesmos, desconfiando, muitas vezes, das ordens que recebemos de autoridades ou mesmo de algumas leis que podem ser injustas.
Nesta unidade, você aprenderá a interação entre as políticas públicas de segurança e ações que visam à realização do direito à segurança e ao exercício da cidadania. Além disso, conhecerá algumas ferramentas de organização e planejamento que ajudam a promover essa interação e, por fim, aprenderá como resolver problemas em que há um conflito entre normas de direitos humanos quando não for possível conciliá-las, embora sempre deva ter em mente sua realização integral e integrada.
Para isso, você deve ter em mente o seguinte contexto:
Você é o diretor de segurança de uma escola privada no Bairro do Morumbi, na cidade de São Paulo, e foi designado pela escola para participar do Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG) do bairro, enquanto representante da sociedade civil, uma vez que a diretoria da escola acredita que, para garantir a segurança dos alunos que circulam livremente no bairro, é preciso exigir a melhoria da segurança pública.
Cada Conselho é uma entidade de apoio à Polícia Estadual, ligado ao Distrito e à Cia. da Polícia Militar correspondente à sua área de atuação, e atua para estabelecer prioridades no atendimento à população e realizar campanhas educativas que estimulam a autoproteção comunitária, evitando a ocorrência de infrações e acidentes. É importante saber que o CONSEG reúne representantes do governo e dos diversos segmentos da sociedade e pode atuar para corrigir problemas da região que, embora não sejam da competência da polícia, trazem reflexo à atividade policial, onerando seus recursos. Esses problemas podem ser classificados como sendo dos seguintes tipos: origem humana, tais como questões envolvendo menores e moradores em situação de rua, migração desordenada etc., ou de origem material (como buracos nas ruas e em vias públicas, ausência de telefones públicos, iluminação pública escassa, terrenos abandonados, imóveis desocupados e abandonados, falta de aparato para a proteção contra roubo de agências bancárias, dentre outros).
A nomenclatura Conselho pode ser utilizada para grupos e agremiações das mais diversas naturezas, com as mais diversas caracterizações. Contudo, costuma-se associar essa denominação aos órgãos colegiados que estão vinculados ao órgão da Administração Pública mais diretamente ligado aos seus objetivos.
Você foi eleito enquanto representante da sociedade civil para um mandato de seis meses e deverá participar das reuniões. Os conselheiros, sejam eles representantes do Poder Público ou da sociedade civil, devem sempre atentar para o interesse social e seguir os princípios que regem a coisa pública. Os conselheiros possuem, assim, diversos papéis, sendo um deles de grande importância para a modificação da cultura institucional que seja centralizadora, autoritária e que possa vir a excluir um novo modelo de cidadania e de busca de defesa dos interesses de todos, bem como do que está previsto pela Constituição Federal de 1988, a qual tem por finalidade a distribuição da riqueza nacional, além da garantia de acesso a políticas sociais, à justiça e à equidade. O conselheiro deve ter capacidade de decisão, de expressão, de negociação, de articulação, de comunicação, de defender propostas, de ser transparente e de compartilhar informações.
Você prometeu à associação de pais e alunos da escola que, ao final de seu mandato, redigirá uma carta ao CONSEG listando os principais problemas identificados na região de acordo com sua experiência no conselho e propondo soluções preventivas e colaborativas à comunidade.
Na Seção 4.1, você aprenderá o que é a cidadania, as formas de participação e controle social na garantia dos direitos humanos, o conceito de promoção de direitos e a importância de se construir redes para promoção dos direitos humanos.
Na Seção 4.2, você estudará os princípios do policiamento comunitário e como esse sistema pode ajudar na promoção da segurança de forma integrada aos direitos humanos. Aprenderá, ainda, sobre o sistema constitucional de segurança pública.
Por fim, na Seção 4.3, trataremos da interdependência dos direitos humanos e como eles devem ser realizados de forma transversal nas políticas públicas. Veremos também como pensar nos problemas que envolvem conflitos de direitos humanos a partir da distinção entre regras e princípios, com base na teoria de Robert Alexy.
praticar para aprender
Lembrando que você participa como representante da sociedade civil do Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG), do bairro do Morumbi, na cidade de São Paulo. Tendo em vista que você é o diretor de segurança de uma escola privada da região, precisa participar das reuniões e pensar soluções para os problemas que afetam a segurança da região em conjunto com os outros conselheiros.
Recentemente, alguns jovens que frequentam o ensino médio na escola em que você trabalha, assim como de outras escolas, foram flagrados consumindo maconha em um terreno baldio, e os pais estão preocupados com a segurança dos jovens e com o tráfico de drogas no entorno da escola. Depois de analisar a situação, você conclui que a venda de drogas para os alunos da escola possui uma relação com a evasão escolar e a entrada para o tráfico de novos jovens e jovens adultos que moram na favela. Você precisa convencer os outros membros do CONSEG – no qual participam também representantes das Secretarias de Cultura e Educação, assim como representantes de ONGs que atuam na região, além, é claro, do Delegado de Polícia e do Comandante da PM – da importância de se ouvir a comunidade para formulação de soluções para os problemas de segurança púbica, da promoção de direitos sociais que impactam na segurança pública e da constituição de redes para a promoção desses direitos. Vamos pensar em uma estratégia para atingir essa finalidade após todo o conteúdo que você já aprendeu? Bom trabalho!
conceito-chave
Cidadania
O termo cidadania traz a ideia de participação na vida do Estado, que se exterioriza, principalmente, pelo exercício dos direitos políticos, como já estudamos. A partir da Constituição Federal de 1988, passa a se exigir uma participação maior do povo na vida e nos problemas do Estado. O cidadão é aquele que participa dos negócios do Estado. Assim, a cidadania ganha, da mesma forma que os direitos políticos, um sentido mais amplo que o simples exercício do voto.
A palavra cidadania provém da palavra latina civitate, que significa cidade, sendo o cidadão aquele que possui ligação com a cidade. Por esse motivo, são considerados cidadãos apenas aqueles que tenham alguma ligação com uma comunidade política. Por outro lado, estando essencialmente ligada ao exercício da política, a cidadania também carrega a concepção de liberdade em sua origem, uma vez que ciuis, em latim, é o ser humano livre.
A cidadania é, antes de tudo, a posição política do indivíduo e a possibilidade do exercício de direitos. A cidadania credencia o cidadão a atuar na vida efetiva do Estado como partícipe da sociedade política. A cidadania transforma o indivíduo em elemento integrante do Estado, na medida em que o legitima como sujeito político, reconhecendo o exercício de direitos em face do Estado.
É importante que se esclareça que, historicamente, a cidadania é uma condição exclusiva e excludente, ou seja, não são todos que possuem o status de cidadãos. Essa realidade não se verifica apenas na pólis grega ou na ciuitas romana mas também após as revoluções burguesas, com a cidadania liberal, segundo a qual somente os cidadãos de determinada camada social eram considerados cidadãos.
Como você viu anteriormente, o totalitarismo evidenciou a fragilidade da proteção dos direitos humanos que dependiam, em grande medida, do vínculo efetivo do indivíduo ao Estado, que em geral é estabelecido por meio da nacionalidade, que permite a proteção diplomática. A desnacionalização e a criação de uma grande massa de apátridas constituíram uma grande arma totalitária, uma vez que o apátrida não encontra seu lugar na família das nações. Disso decorre, como vimos, o esforço do Direito Internacional dos Direitos Humanos de tutelar os direitos dos “não cidadãos” no contexto mais amplo do princípio de proteção internacional. Substitui-se, assim, o princípio de proteção diplomática, baseado no exercício de competência pessoal dos Estados, pelo princípio de proteção internacional, que busca tutelar os direitos dos indivíduos enquanto indivíduos e não enquanto nacionais de qualquer Estado.
No entanto, a cidadania e o vínculo político e jurídico com um Estado continua sendo de extrema importância para a realização dos direitos humanos, haja vista a situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram as pessoas deslocadas ainda hoje. É por esse motivo que Hannah Arendt realça que o primeiro direito humano seria o direito a ter direitos, que significa pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada, não necessariamente o Estado-nação.
Assimile
Os direitos humanos que temos hoje são derivados, em grande medida, de uma conquista histórica e política, ou seja, foram conquistados por meio da convivência coletiva dentro de uma comunidade política. E mesmo atualmente, em que são internacionalmente positivados, sua promoção e efetivação dependem da atuação em comunidades políticas, o que é imensamente facilitado pelo vínculo de cidadania.
Celso Lafer (1991, p. 150) escreve que “a igualdade não é um dado, é um construído, elaborado convencionalmente pela ação conjunta dos homens através da organização da comunidade política”. E assim é com todos os direitos humanos, que derivam de conquistas políticas por meio da ação.
Em seu sentido estrito, a cidadania estaria adstrita ao exercício dos direitos políticos. Sob esse prisma, a cidadania seria a prerrogativa para que se exerçam os direitos políticos, sendo o status de cidadão alcançado com a condição de eleitor. No sentido amplo do termo, a cidadania seria o exercício de outras prerrogativas constitucionais que surgiram com o Estado Democrático e Social de Direito. Nesse sentido, os chamados direitos de cidadania passaram a ser todos aqueles relativos à dignidade do cidadão, como sujeito de prestações estatais, e à participação ativa na vida social, política e econômica do Estado. Atualmente, não se concebe mais a cidadania como o direito de votar e ser votado, não estando ela vinculada mais estritamente ao direito ao voto. Até porque, mesmo quando falamos de direitos políticos, a vida política de um país não se restringe ao aspecto eleitoral.
T. H. Marshall divide a cidadania em três partes ou elementos distintos: (a) civil, composto das garantias e liberdades individuais; (b) político, referente ao direito de participar no exercício do poder político; e (c) social, que são as condições mínimas necessárias para a vida digna. A cidadania plena só se realizaria quando se gozasse de direitos civis, políticos e sociais (apud SIQUEIRA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2009, p. 245).
No entanto, estando a liberdade no coração da concepção de cidadania, esta é realizada, principalmente, por meio da ação política, no espaço público. Impedir a integração na vida pública significa negar a cidadania. O ideal democrático pressupõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessadas em formas diretas ou indiretas de participação.
No Estado Democrático de Direito, os direitos humanos são reconhecidos a todos. O cidadão é aquele que participa da dinâmica estatal, sendo que atua para conquistar, preservar ou proteger seus direitos. A concretização da democracia ocorre pela cidadania, ou seja, pela participação política nos destinos do país. Entretanto, a cidadania plena só se concretiza no exercício dos direitos civis, políticos e sociais.
Reflita
Você acredita que os imigrantes e refugiados podem ser considerados cidadãos? Pense a respeito.
Promoção de Direitos Humanos
Como vimos na Unidade 3, a forma de realização dos direitos humanos pretendida pela Declaração Universal, em sua proposta formadora de cada indivíduo ou grupo, independentemente do Estado a que está vinculado, extrapola a imagem simplista de um Estado como organismo que estabelece as regras do jogo, que codifica, coage e sanciona. Essas técnicas limitadas dos Estados, que visam à instituição de obrigações, estão fadadas a atingir objetivos igualmente limitados.
Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos orienta para uma nova forma de controle social, distinta daquelas ações de controle do Estado liberal clássico: o emprego cada vez mais difundido das técnicas de encorajamento em acréscimo, ou em substituição, às técnicas tradicionais de desencorajamento. O que nos faz caminhar para o abandono da imagem tradicional do direito como ordenamento protetor-repressivo.
A aplicação do direito não é meramente declaratória e reprodutiva de um direito positivo. Essa aplicação seria constitutiva e produtiva de um direito atualizado, que abarca o fato social e suas atualizações. O direito positivo contemporâneo deixou de ser um instrumento de controle social stricto sensu para se tornar um instrumento de direção social. Trata-se, portanto, de um direito promocional que almeja estimular comportamentos por meio de medidas diretas ou indiretas. Considerando também o critério da efetividade, um direito promocional não pode se restringir ao alcance da validade formal; procurando-se avaliar também a conduta dos destinatários das normas.
Nesse ponto, o Estado adquire cada vez mais a função de promover, em vez de tutelar (ou garantir) coercitivamente os direitos, criando condições propícias para que o direito possa se efetivar. A promoção, por conseguinte, realiza-se quase sempre por medidas positivas, de estímulo ou incentivo.
Construção de redes e garantias para a promoção de direitos humanos
A origem etimológica da palavra rede é latina e quer dizer teia, fios que estão entrelaçados e que formam um tipo de tecido, com fibras interligadas. A palavra rede tem adquirido significados novos no final do século XX, após o surgimento de novas tecnologias por meio de melhorias na área de informática e da consolidação da internet. O significado que adotamos aqui refere-se ao conjunto de pessoas ou organizações que mantêm contato entre si com um fim comum. Descrito no manual de Redes Sociais do Centro de Direitos Humanos, “redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de causas afins” (OLIVERI apud ALMEIDA; IKAWA; PIOVESAN, 2010, p. 1).
É preciso entender as redes como uma proposta de realização do trabalho de transformação social coletivamente, a partir de uma circulação do fluxo de informações. Elas constituem espaços coletivos por excelência, tendo em vista que não é possível uma rede estabelecer-se com propósitos individuais, assim como não se faz uma rede sozinho. Os pressupostos do trabalho em rede são: 1) a participação; 2) a cooperação; 3) a horizontalidade; 4) a circulação de informações; e 5) a articulação. Por isso, é fundamental para uma rede a circulação de informações, o compartilhamento de saberes, experiências e objetivos comuns.
A estrutura horizontal de uma rede contribui para romper com o modelo de organização tradicional de poder hierárquico e de representação, que é piramidal, centralizador, competitivo, possibilitando vivenciar nas relações sociais e políticas ideias e princípios emancipatórios, empoderando pessoas e organizações. As redes possibilitam uma nova experiência de convívio político, próprio da horizontalidade, da descentralização e da desconcentração do poder. Segundo Viviane Amaral (apud ALMEIDA; IKAWA; PIOVESAN, 2010, p. 1):
Participar verdadeiramente de uma rede implica em aceitar o desafio de rever as formas autoritárias de comportamento às quais estamos acostumados e que reproduzimos (como dominadores e como subordinados) apesar dos discursos e intenções democratizantes.
Reflita
Você pensa que a organização em redes é mais condizente com o exercício da cidadania do que a estrutura de representação tradicional?
A fim de se garantir a eficácia das redes, elas devem possuir pessoas que lhes forneçam sustentabilidade e que tenham formação adequada, a fim de se manter a continuidade de informações, diálogos, debates e decisões acerca de ações estratégicas da coletividade que tenham por finalidade atingir os objetivos traçados pelos próprios integrantes da rede. Essas pessoas são as facilitadoras da rede.
Considerando que redes são processos horizontais, com foco numa determinada causa ou objetivo, os Conselhos de Direitos podem usar esse método de trabalho articulado em rede para potencializar o resultado das ações na perspectiva da garantia dos direitos dos segmentos atendidos pelo conselho. Existem diversas modalidades de organização em rede, com diferentes objetivos. Por exemplo: redes de proteção, redes de organizações da sociedade civil, redes governamentais, redes de serviços, redes de defesa dos direitos, redes de violações de direitos (é preciso conhecê-las para melhor enfrentar o problema).
Além disso, para se garantir o funcionamento da rede e seus resultados, faz-se necessário: (i) ter ciência do tema a que a causa se refira; (ii) fazer um plano estratégico; (iii) estabelecer as prioridades das ações; (iv) desenvolver e se valer de meios de comunicação; (v) estabelecer uma agenda de encontros e eventos para os seus membros; (vi) criar grupos de trabalho que tenham por finalidade dar atenção aos assuntos que são do interesse dos participantes, assim como da causa e dos objetivos que se deseja atingir. Assim sendo, deve-se aproveitar essas situações de colaboração para que sejam feitas trocas de dados, informações e para que novas ações sejam articuladas. Dessa forma, as redes devem ter como estratégia a cooperação e o estabelecimento de solidariedade, de modo que se complementem e sejam parceiras quando se tratar de locais que objetivem a promoção, proteção, defesa e o controle social para a garantia de direitos.
Dicas para a Articulação de Redes
Quando uma rede é articulada, ela pode enfatizar os seguintes aspectos:
• Incentivos a articulações regionais: estas articulações podem render bons frutos, pois organizações de uma mesma região tendem a ter problemas similares e por estarem geograficamente próximas têm maiores possibilidades de realizarem reuniões presenciais.
• Encontros presenciais: estes encontros reforçam os elos de confiança da rede e a torna mais propícia à comunicação e trabalho conjunto. Embora nem sempre todos os integrantes de uma rede possam comparecer a reuniões presenciais, as comunicações aumentam significativamente após os encontros.
• Construção de um informativo: o objetivo é manter os participantes atentos às ações da rede. A tônica deste tipo de comunicação pode ser bastante informal e algumas notícias podem ser de caráter corriqueiro e por vezes jocoso, para fortalecer outros tipos de vínculos entre os participantes.
Participação e controle social na garantia dos direitos humanos
Você viu, ao longo da Seção 4.1, que o termo cidadania significa participação nos negócios políticos do Estado e que ela não se restringe unicamente ao direito de votar e de ser votado. Há outras formas de participação mais direta. É o que trataremos agora em relação aos conceitos de participação social e controle social, especificamente para a garantia dos direitos humanos. Tanto a participação como o controle social são meios de concretização dos direitos relacionados à cidadania.
Participação
Dessa maneira, essa participação do cidadão nos negócios do Estado somente pode se dar em regimes de governo democráticos, em que são garantidos direitos civis, políticos, econômicos e sociais de todos os indivíduos. Assim, a atuação do cidadão gira em torno da necessidade de adquirir, preservar e exigir que seus direitos sejam respeitados, garantidos e cumpridos pelo Estado democrático de direito. Para que você se lembre também, a filósofa Hannah Arendt (2009 apud LAFER, 1988, p. 16), ao definir cidadania, afirmou que é o “direito a ter direitos”. E essa atividade de participação nos negócios do Estado pelo cidadão se dá, no Estado democrático de direito, por meio da política, como outrora também já dissemos. É a participação nos negócios estatais concernentes ao interesse público, o qual se dá na vida real por meio da formulação e implementação das políticas públicas. E essa participação também tem um lugar em que ela acontece: em uma comunidade. Logo, é dentro da comunidade em que o cidadão está (o município, os estados, o Distrito Federal e a União, entes federativos brasileiros) que ela se verifica. Nesse sentido, o cidadão membro da comunidade tem a noção de pertencimento, por meio do qual poderá exigir seus direitos.
Para sistematizarmos e fazermos com que você compreenda a participação social do cidadão nos negócios do Estado, devemos colocar que ela pode ocorrer de três formas diferentes. A primeira acontece de maneira mais passiva: é quando o cidadão, por meio de presença (termo de presença) em reuniões públicas ou expressão de sua opinião em mensagens políticas, o faz de livre e espontânea vontade. Ela é passiva porque o cidadão age de modo receptivo, não colocando uma contribuição pessoal nesse tipo de participação. A segunda se dá por meio de um termo de ativação (participação ativa), ou seja, quando o cidadão possui uma atividade, no interior ou não, de organizações políticas, a qual lhe foi delegada pela Constituição ou por uma lei infraconstitucional. Exemplos desse tipo de participação são: envolvimento em campanhas ou em manifestações. Por fim, o terceiro tipo de participação é aquele em que os cidadãos, enquanto sujeitos políticos e conscientes de sua atuação como tais, exercem sua cidadania, de modo a contribuir em processos de mudanças e de conquistas na vida social e da comunidade em que estão inseridos.
O terceiro tipo de participação é o que passaremos a detalhar a seguir. Nesse caso, temos também três tipos de participação: (i) participação comunitária; (ii) participação popular; e (iii) participação social.
A participação comunitária diz respeito à participação do cidadão, em sua comunidade, especialmente em questões relacionadas ao trabalho. No Brasil, surge no século XX, a partir da década de 1950, após o forte crescimento econômico e início da industrialização sofridos pelo país. Já em meados dos anos 1960, com a vigência da ditadura militar no Brasil, e nos 1970, ainda sob esse regime autoritário e em meio ao crescimento econômico que se denominou “milagre econômico ou milagre do crescimento”, a participação comunitária foi utilizada como forma de controle social pelo Estado. Nesse período, a participação comunitária se resumiu a uma competente formação técnica e profissional para o mercado de trabalho, que assim demandava essas exigências, bem como a especialização da mão de obra.
A participação popular surge no Brasil no final da década de 1960 e se consolida durante os anos de 1970. Como já dissemos, o período coincidia com a ditadura militar brasileira. A participação popular consistia numa prática de severa crítica e radicalização em relação às práticas políticas da época em virtude da verificação, na realidade, de grandes desigualdades sociais e econômicas em toda a população brasileira. Com o advento da ditadura militar no Brasil, a partir do Golpe de 1964, o Estado era o único ente capaz de exercer o controle social, e este período ficou conhecido por existirem os atos de exceção. Mas, como dissemos, foi durante aquele período em que diversos movimentos sociais surgiram com a finalidade de obter melhores condições de vida. Dentre esses movimentos, podemos citar o movimento pela anistia dos presos e exilados por motivos políticos (pessoas que discordavam do regime militar) e o movimento de trabalhadores, com os processos de sindicalização na região metropolitana de São Paulo, no final da década de 1970.
Esses movimentos sociais foram duramente reprimidos pelo Estado brasileiro na época em que surgiram. Contudo, apesar da forte repressão, a participação popular, por meio desses movimentos sociais, auxiliou no processo de abertura política no país em meados da década de 1980.
Já a participação social remete ao termo de participação da sociedade nos negócios políticos estatais e foi instituída a partir da década de 1980 com o processo de reabertura política e de redemocratização do Estado brasileiro. O expoente da participação social se deu com o movimento Diretas Já, que clamava por eleições democráticas diretas para a escolha do novo Presidente da República naquele período, que contou com uma mobilização de diversos setores da sociedade civil organizada, colocando em pauta a abertura para o atendimento de uma diversidade de interesses e de projetos de cunho social e político, que culminariam com a nova constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir daí, surgem mecanismos de participação e de representação que têm poder de criar normas e parâmetros para as novas políticas públicas do Estado brasileiro em todos os níveis da federação. São os chamados conselhos, criados em âmbitos municipal, estadual e federal. Abordaremos o seu surgimento e funcionamento com mais detalhes quando falarmos de democracia participativa a partir da Constituição Federal de 1988.
Controle social
O controle social pode ser definido como sendo o compartilhamento de poder do Estado com a sociedade, a partir do qual esta influenciará na elaboração e no direcionamento das políticas públicas estatais. O controle social atua em cinco frentes: formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e financiamento das políticas públicas. Já vimos que a Constituição Federal de 1988 trouxe mecanismos de participação na democracia de maneira indireta, quais sejam o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, instituindo assim a democracia participativa. Com ela advieram os mecanismos de controle social, sendo os conselhos de direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais para os setores da sociedade. Nesse sentido, o controle social se dá por meio da existência de conselhos, em que se constrói um espaço de diálogo e de atuação política da sociedade civil e política. Assim, são lugares em que se vê efetivamente mecanismos institucionais de participação social na vida e na coisa pública.
Pesquise mais
Você sabia que além da existência dos conselhos existe outro mecanismo de controle e participação social muito utilizado no Brasil? São os orçamentos participativos, por meio dos quais diversos municípios brasileiros formulam consultas e audiências públicas, em que convocam a população para que estabeleçam e definam a forma como o dinheiro público será empregado e gasto diretamente nas políticas públicas dessas cidades.
De acordo com a Constituição Federal, os conselhos são órgãos colegiados, de natureza deliberativa ou consultiva, a quem cabe a formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas e efetivação dos direitos humanos nas esferas federal, estadual e municipal.
Mas é importante que você saiba que os conselhos que garantem a observação dos direitos humanos no Estado brasileiro somente passaram a defender e garantir os direitos humanos a partir da Constituição Federal de 1988, com a retomada do estado democrático de direito.
Exemplificando
Como exemplo desses conselhos, temos o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Além destes, a Constituição Federal passou a prever os conselhos de saúde, de assistência social, dos direitos da criança e do adolescente e do idoso. Você deverá ter em mente que esses conselhos estão vinculados ao ente federativo que o criou por meio de lei, ou seja, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A lei que o criar será a responsável por lhe conferir e determinar suas atribuições e a extensão destas, além de suas prerrogativas e deveres.
A composição dos conselhos deve ser por uma parcela da sociedade civil e do Poder Público, o que possibilita a gestão compartilhada das políticas públicas de acordo com a área de atuação. Ao serem criados por lei, eles passam a integrar a estrutura institucional do ente federativo em questão. De uma maneira geral, os conselhos têm as seguintes atribuições: (i) estabelecer guias e diretrizes para orientar o Estado a formular as políticas públicas; (ii) fazer o acompanhamento, a fiscalização e avaliação destas; (iii) criar parâmetros para a aplicação dos recursos públicos para a área em que atuem, além de fiscalizar essa aplicação, especialmente quando houver a criação de fundos que receberão o investimento público; (iv) estabelecer diretrizes e planos de ação de modo a orientar a proposta orçamentária do ente que o criou; e (v) convocar conferências na sua área de atuação.
Como você pode ver, os conselhos nada mais são do que instrumentos de democratização da gestão pública.
A Constituição de 1988 e a democracia participativa
Como já dissemos anteriormente, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, é uma referência em nossa história social e política, pois foi esta Carta Magna que marcou a transição para o regime democrático e estabeleceu diversos direitos humanos e fundamentais.
A partir da leitura de seu preâmbulo, observa-se que a Constituição de 1988 instituiu o estado democrático de direito, que deverá garantir os direitos sociais e individuais, bem como a liberdade, a segurança, o bem-estar, além do desenvolvimento, a igualdade e a justiça para se ter uma sociedade fraterna e socialmente harmoniosa. Passou a prever o federalismo e os entes federativos: União, estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, a partir da leitura de seus artigos 3º e 5º, contamos com seus princípios fundamentais e o projeto de redução das desigualdades em todo o país, levando-se em conta as diversidades sexual, de raça, religião, geração e o combate à discriminação.
Vale lembrar que foi por meio da Constituição Federal de 1988 que se garantiu a democracia participativa. Ela é a previsão dos direitos políticos tal qual vimos em seções anteriores. Assim, o direito de votar e de ser votado é um deles, mas não se restringe a isso. Em seu artigo 14, a Constituição assegura o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular como direitos políticos e que efetivam a democracia participativa na qual vivemos atualmente.
Não há que se falar em um regime democrático se este não assegurar a participação política da sociedade em geral. Assim, a Constituição Federal, ao trazer para o seu interior os direitos humanos internacionalmente consagrados, garantiu a existência de uma democracia em nosso país, incentivando a participação de todos os seus cidadãos.
Faça valer a pena
Questão 1
O que [Hannah Arendt] afirma é que os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidades acidentais – o seu estatuto político – vê-se privado de sua substância.
Considerando o texto apresentado, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:
- A cidadania, enquanto vínculo político e jurídico com um Estado, é de extrema importância para a realização dos direitos humanos.
PORQUE
- O Direito Internacional dos Direitos Humanos não tutela os direitos daqueles que não são cidadãos.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa CORRETA:
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Correto!
A primeira asserção é verdadeira, mas a segunda é falsa. O totalitarismo evidenciou a fragilidade da proteção dos direitos humanos que dependiam em grande medida do vínculo efetivo do indivíduo ao Estado, que em geral é estabelecido por meio da nacionalidade, que permite a proteção diplomática. A desnacionalização e a criação de uma grande massa de apátridas constituiu uma grande arma totalitária, uma vez que o apátrida não encontra seu lugar na família das nações. Disso decorre, como vimos, o esforço do Direito Internacional dos Direitos Humanos de tutelar os direitos dos “não cidadãos” no contexto mais amplo do princípio de proteção internacional. Substitui-se, assim, o princípio de proteção diplomática, baseado no exercício de competência pessoal dos Estados, pelo princípio de proteção internacional, que busca tutelar os direitos dos indivíduos enquanto indivíduos, e não enquanto nacionais de qualquer Estado. No entanto, a cidadania enquanto vínculo a uma comunidade e possibilidade de atuação política junto a essa comunidade continua sendo fundamental para a realização dos direitos humanos e deve ser garantida.
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Questão 2
A compreensão da cidadania para o século XXI deve ser cada vez mais ampla, não podendo se restringir apenas ao direito do ser humano de atuar apenas no campo político. O direito de atuar ativamente e de obter benefícios no campo econômico, e influir no desenvolvimento da humanidade no campo cultural, são indicadores do efetivo grau de exercício da cidadania moldada para um mundo cada vez mais globalizante e universal. O direito à informação e à comunicação são peças-chave para o exercício da cidadania na nova ordem mundial.
Complete as lacunas da sentença a seguir:
O texto acima contempla o sentido _______ do termo cidadania, segundo o qual o cidadão é o sujeito de prestações estatais, bem como aquele que participa ativamente da vida ______, política e _______ do _______.
Agora, assinale a alternativa que contém a sequência de palavras correta:
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Correto!
Conforme você aprendeu na Seção 4.1 em seu sentido estrito, a cidadania estaria adstrita ao exercício dos direitos políticos. Sob esse prisma, a cidadania seria a prerrogativa para que se exerçam os direitos políticos, sendo o status de cidadão alcançado com a condição de eleitor. No sentido amplo do termo, a cidadania seria o exercício de outras prerrogativas constitucionais que surgiram com o Estado Democrático e Social de Direito. Nesse sentido, os chamados direitos de cidadania passaram a ser todos aqueles relativos à dignidade do cidadão, como sujeito de prestações estatais, e à participação ativa na vida social, política e econômica do Estado. Atualmente, não se concebe mais a cidadania como o direito de votar e ser votado, não estando ela vinculada mais estritamente ao direito ao voto. Mesmo porque, mesmo quando falamos de direitos políticos, a vida política de um país não se restringe ao aspecto eleitoral.
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Questão 3
Participação pode ser compreendida como um processo no qual homens e mulheres se descobrem como sujeitos políticos, exercendo os direitos políticos, ou seja, uma prática que está diretamente relacionada à consciência dos cidadãos e cidadãs, ao exercício de cidadania e às possibilidades de contribuir com processos de mudanças e conquistas. O resultado do exercício do direito à participação deve, portanto, estar relacionado ao poder conquistado, à consciência adquirida, ao lugar onde se exerce e ao poder atribuído a esta participação.
A partir da leitura do trecho selecionado do texto acima, assinale a única alternativa CORRETA:
Tente novamente...
Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.
Correto!
A alternativa correta é a que possui a afirmação de que a participação social do cidadão somente acontece em regimes democráticos em que são garantidos e preservados os direitos humanos em geral. Isto se deve ao conceito de que a participação nos negócios estatais, que ocorre por meio da participação e controle sociais, se dá pela concretização da cidadania, a qual está ligada à noção do direito de votar e de ser votado, ou seja, a democracia.
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