Comentários

0%

FOCO NO MERCADO DE TRABALHO

Compreender para julgar

Marisa Rossafa

Fonte: Shutterstock.

Deseja ouvir este material?

Áudio disponível no material digital.

SEM MEDO DE ERRAR

Caro aluno,

Em primeiro lugar é preciso considerar que este homem é protegido por todos os direitos humanos e fundamentais, além dos direitos específicos dos idosos, que são consideradas pessoas em situação de vulnerabilidade e por isso devem receber um tratamento especial da lei, que seja adequado às suas necessidades.

Do ponto de vista da teoria do reconhecimento, temos que considerar que o homem, hoje em dia, tem sua identidade definida, dentre outros fatores, pelo fato de ele ser idoso e pelo fato de morar na rua e deve ser reconhecido inclusive por essas particularidades. A rejeição deste homem pode causar, como imaginamos que já tem causado, grande impacto na definição de sua personalidade, assim como cria um estigma relacionado aos grupos aos quais pertence: pessoas em situação de rua e idosos.

Uma política de reconhecimento exigiria, justamente, que este homem, ao ser reconhecido em sua condição, pelo que é, fosse tratado de maneira adequada a essa condição, para que pudesse ter sua dignidade humana garantida. 

Um equívoco do ponto de vista da teoria do reconhecimento seria a criação de uma política de igual dignidade que, na tentativa de garantir a dignidade humana do homem procurasse impor a ele um determinado estilo de vida. Não sabemos o que levou este homem a morar na rua, mas ocorre que algumas pessoas em situação de rua optam por morar na rua. O ideal para uma política do reconhecimento seria tentar garantir os direitos humanos daquele homem, respeitando seus desígnios. No entanto, caso a situação de rua tenha sido imposta a essa pessoa pelo abandono, pela necessidade ou por algum transtorno mental, uma política do reconhecimento deveria dar a ele as ferramentas e o auxílio para sair dessa situação, seja oferecendo tratamento ao seu transtorno mental, como é o caso do alcoolismo – em atendimento ao direito à saúde −, seja garantindo uma moradia adequada − em atendimento ao direito social à moradia.

Você deve ter em mente que os termos “morador de rua” e o “morador em situação de rua” têm significados distintos. O morador de rua geralmente está naquela situação por vontade própria, por preferir a liberdade que a vivência nas ruas lhe possibilita, uma convicção sua, interior. Já o morador em situação de rua, como dissemos, está nessa condição em virtude de algo geralmente alheio à sua vontade, por exemplo, dificuldades financeiras e econômicas de prover seu sustento. Muito embora exista essa diferenciação, os direitos humanos tendem a geralmente considerar que estes indivíduos são moradores em situação de rua, pois, pelo princípio da dignidade humana, nenhum ser humano deseja passar pelas severas privações que as ruas impõem às vidas dessas pessoas.

Finalmente, é preciso que se utilize a faculdade de julgar na análise dessa situação. É preciso, primeiramente, que sua mente saia em visita do próprio homem, tentando imaginar como uma pessoa em suas condições pensa e sente. O que será que o levou a essa situação? O que o shopping center oferece como um atrativo para que ele durma lá quase todas as noites? O que o levaria a beber? Como sua velhice pode intervir em suas ações? O que você faria se estivesse em sua situação? 

Uma forma de exercitar a mentalidade alargada para que você consiga colocar-se no lugar deste homem é procurando referências sobre a população de rua de maneira geral. 

O escritor George Orwell, por exemplo, escreveu um livro intitulado Na pior em Paris e Londres (2006), no qual conta sua experiência radical de viver na pobreza extrema em Paris e Londres no final dos anos 1920. 

Uma publicação, por exemplo, que é realizada parcialmente por pessoas em situação de rua, é a revista Ocas. Ela contém textos e fotos realizados por pessoas nessa situação. O jornal O Trecheiro também é dedicado a retratar a vida dessa população e traz textos e fotos realizados por eles. Ainda, o documentário Dia sim, Dia não retrata brevemente a situação de um catador no Rio de Janeiro. 

Esses exemplos mostram como é possível exercitarmos nossa faculdade de julgar a partir da arte e dos exemplos. 

No entanto, como vimos, quanto mais pessoas você conseguir representar em sua mente, mais representativo será seu julgamento e ele alcançará uma dimensão mais geral. Então para isso é importante que você tente pensar no lugar também de outras pessoas, como os clientes do shopping, os funcionários que devem retirar o homem da porta todas as manhãs, o gerente com quem você conversará etc. 

Além disso, sabemos que o exemplo tem um valor para a faculdade de julgar que extrapola a representação que fazemos do outro. Para que não incorramos na “recusa de julgar” é preciso que elejamos exemplos de conduta que consideramos adequados. Então é importante que você eleja aquelas pessoas que você admira e na companhia das quais você quer estar e pense: como essa pessoa agiria nessa situação? Isso também pode ajudá-lo a se orientar. 

Por fim, é preciso que você busque a legislação pertinente e os equipamentos públicos que podem ajudá-lo a lidar com a situação. Um exemplo é o Estatuto do Idoso e a Lei que cria a Política Nacional do Idoso. Ambos colocam ênfase, por exemplo, na não discriminação do idoso e em sua interação com a sociedade. O idoso, por exemplo, deve ser priorizado no atendimento dos equipamentos públicos e nas políticas públicas, o que pode facilitar sua inclusão em algum programa de assistência social. Uma das diretrizes da Política Nacional do Idoso é especificamente a seguinte: “VIII − priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família” (BRASIL, 1994, [s.p.]). Observamos que os órgãos privados também devem estar atentos à sua situação de vulnerabilidade, como é o caso do shopping. 

Outra legislação que pode ajudar a orientá-lo é o decreto que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Os princípios dessa política são: 

I - respeito à dignidade da pessoa humana;
II - direito à convivência familiar e comunitária;
III - valorização e respeito à vida e à cidadania;
IV - atendimento humanizado e universalizado; e
V - respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência. 

(BRASIL, 2009, [s.p.])

Desse modo, uma resposta possível à questão seria procurar na região do shopping equipamentos públicos que pudessem abrigar esse homem, como albergues ou programas das Secretarias Estadual e Municipal de Assistência Social de modo a orientá-lo sobre como usufruir de alguns programas destinados a ele. Outras secretarias e órgãos públicos e da sociedade civil também podem lhe fornecer apoio. Além disso, os funcionários podem ser orientados a estabelecer algumas regras e uma rotina em diálogo com o homem que possibilitem que ele se abrigue, mas não atrapalhe a rotina do shopping. Por outro lado, como tanto as políticas de reconhecimento do idoso, como das pessoas em situação de rua orientam para a integração social, o shopping, sendo parte da sociedade, pode estabelecer algum tipo de vínculo com essa pessoa que busca seu abrigo e proteção. O diálogo é uma ferramenta importante de reconhecimento e inclusão. Caso o homem, por exemplo, queira exercer alguma atividade que possa contribuir com o shopping, essa possibilidade deve ser discutida com o gerente. 

Enquanto gestor de segurança, muitas vezes, você e seus funcionários acabam tendo um contato mais direto com as pessoas que circulam pelo shopping e também com as situações potencialmente problemáticas e desafiadoras. Isso não significa que você deva ser apenas um espectador. Você tem possibilidade de influir positivamente nessas situações e de propor soluções que só você pode conceber justamente por ter esse contato mais direto. É preciso ser criativo para não dar respostas padronizadas aos problemas, respostas essas que são tradicionalmente imbuídas de preconceito. O preconceito é um dos principais inimigos do pensar e da faculdade de julgar.

Avançando na prática

Inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Você é diretor de uma empresa de segurança que decide implantar uma política de ação afirmativa para inclusão de pessoas com deficiência. Dessa forma, alguns funcionários com deficiência serão contratados para trabalhar no setor administrativo da empresa. Você deve informar e orientar seus funcionários a respeito da nova política e da relação com os novos funcionários.

É preciso que você explique aos funcionários que a contratação das pessoas com deficiência faz parte de uma política de ação afirmativa, que consiste em medidas especiais e temporárias, que são tomadas espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo, neste caso específico, de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização e promover o reconhecimento desse grupo enquanto pessoas capazes de desempenhar funções e contribuir para a sociedade. Você pode também apresentar a eles o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Lei nº 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio à pessoa com deficiência. Essas duas leis tem um grande enfoque na integração da pessoa com deficiência à sociedade, uma vez que sua exclusão e marginalização podem ser extremamente prejudiciais às pessoas e ao grupo, assim como à própria sociedade que passa a se definir sem a participação de membros que podem dar uma grande contribuição. A integração ao mercado de trabalho é um dos eixos dessa integração e iniciativas como essa devem ser valorizadas.

Bons estudos!

AVALIE ESTE MATERIAL

OBRIGADO PELO SEU FEEDBACK!