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CONTEXTO E RELAÇÕES DE SENTIDO

Monique Bisconsim Ganasin

Comunicação: contexto

Na comunicação, o interlocutor aloca seu dizer em um contexto e vai alterando, ajustando ou conservando esse contexto durante a interação, a fim de alcançar a compreensão.

Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

Nesta disciplina, você já compreendeu que a leitura é algo pessoal, individual, determinada pelas condições sociais, culturais, históricas, afetivas e ide¬ológicas do leitor, o qual é um sujeito que produz sentidos dentro das inúmeras possibilida¬des que a linguagem oferece, utilizando os conhecimentos prévios armazenados em sua mente e as estratégias às quais tem acesso na posição de leitor.

Assim, para que o leitor consiga construir esses sentidos, é necessário também levar em conta o contexto e as condições de produção em que o texto foi elaborado. A partir disso, o leitor pode encontrar marcas de intertextualidade em sua leitura, que serão mais bem compreendidas a partir da ativação de seus conhecimentos. Também por meio da leitura é possível pressupor e subentender enunciados e, por meio de tais práticas, atribuir sentidos aos textos.

Nesta seção, nosso aprendizado será focado no estudo do papel das condições de produção e do contexto na construção do texto, do reconhecimento de informações contextuais, das relações intertextuais e do reconhecimento de informações implícitas (pressupostos e subentendidos). Dessa forma, espera-se colaborar em sua formação para um trabalho mais eficaz no ensino de leitura em sala de aula.

Imagine que você leciona aulas de Língua Portuguesa para Ensino Fundamental e, ao iniciar o conteúdo sobre intertextualidade, depara-se com os seguintes trechos em seu livro didático:

I.  Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai Carlos! Ser gauche na vida. (ANDRADE, 1964)

II.  Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim. (BUARQUE, 1989)

III.  Quando nasci um anjo esbelto
Desses que tocam trombeta, anunciou:
Vai carregar bandeira.
Carga muito pesada pra mulher
Esta espécie ainda envergonhada. (PRADO, 1986)

Autor da citação

Porém, há apenas a definição do que é intertextualidade e os trechos citados como exemplos do conceito, ou seja, não há análise dos textos a fim de explicar o conteúdo, nem mesmo atividade de leitura e análise para verificar a aprendizagem.

Dessa forma, você deve elaborar um texto de análise para expor aos alunos a aplicação da intertextualidade entre os três trechos apresentados, além de algumas questões que trabalhem a leitura dos alunos, a fim de que possam compreender bem o conceito.

Seja bem-vindo e aproveite cada parte desta seção dedicada ao contexto e às relações de sentido!

conceito-chave

CONTEXTO E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

  A leitura é uma atividade de produção de sentidos, a qual se efetiva com base em elementos linguísticos presentes na superfície textual e em sua organização, além de exigir a associação de um conjunto de saberes. Assim, para a construção do sentido do texto, é preciso levar em conta o contexto, que se refere a tudo aquilo que, de alguma forma, contribui ou determina a construção de sentidos (KOCH; ELIAS, 2010).

Exemplificando

Para exemplificar o conceito de contexto, Koch e Elias (2010) citam a metáfora do iceberg: há uma pequena superfície acima da água – que seria o explícito – e uma grande superfície subjacente, em que se fundamenta a interpretação – que seria o implícito. O contexto, nesse caso, seria o iceberg todo.

Em um cenário de comunicação, os interlocutores alocam seu dizer em um contexto e vão alterando, ajustando ou conservando esse contexto durante a interação, a fim de alcançar a compreensão. Assim, o contexto é fundamental para se obter coerência textual, englobando, além disso, o cotexto, a situação de interação imediata, e a situação mediata e o contexto sociocognitivo dos interlocutores (que engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos interlocutores).

Pesquise mais 

É importante salientar que o texto não se encerra nos elementos linguísti¬cos ou na atividade cognitiva subjetiva, pois é um fenômeno dependente de uma rede complexa de fatores relacionada ao cotexto e ao contexto, que vão transformá-lo.

Saiba as diferenças entre contexto e cotexto, acessando artigo científico indicado a seguir.

VALENTIM, H. T. Cotexto e Contexto: Formas Linguísticas e Possibilidades de Interpretação do Enunciado. SIMELP – SIMPÓSIO MUNDIAL DE ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2., 2009, Évora (PT). Anais […]. Évora: Universidade de Évora, 2009.

Koch e Elias (2010) defendem que entender o contexto de um enunciado é fundamental por diversas razões. Uma delas é para evitar a ambiguidade, por exemplo, comparando as duas frases a seguir:

I.  “Ao chegar à cidade, a jovem dirigiu-se a um banco: precisava munir-se de algum dinheiro para fazer compras.”
II.  “Ao chegar à cidade, a jovem dirigiu-se a um banco: precisava descansar um pouco, antes de enfrentar a dura jornada que teria pela frente.” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 66)

Autor da citação

Os exemplos demonstram que somente a primeira parte dos fragmentos (em negrito), sem seus contextos diferentes, pode não indicar o mesmo sentido, pois justamente a palavra “banco” é ambígua (instituição financeira ou assento); se a palavra banco for pensada isoladamente, dependendo da frase em que é inserida, essa ambiguidade ainda permanece, por isso a importância do contexto.

No conjunto de fatores que constituem o contexto, existe o conhecimento de outros textos, ou seja, a intertextualidade.

Saiba mais 

O conceito de contexto é um dos mais importantes nos estudos em Linguística Textual (LT), um campo de pesquisa que tem o texto como objeto de estudo. Para a LT, texto e discurso são sinônimos. Esse campo de pesquisa trabalha com uma me¬todologia de investigação científica que prioriza as relações contextuais de composição das sequências linguísticas provi¬das de unidade semântica.

RELAÇÕES INTERTEXTUAIS 

  Para compreender a noção de intertextualidade, primeiramente reflita a respeito das seguintes questões:

A intertextualidade é algo fundamental para se compreender a leitura e determina-se pelas sequências linguísticas usadas de outros autores para ilustrar, enriquecer ou reforçar o discurso. Esse é um recurso muito utilizado, tanto no discurso oral quanto no escrito, pelos usuários da língua. Orlandi (2006) disserta que

Nesse nível (o textual) entra em consideração o fato de que todo texto é necessariamente incompleto. Está em causa, então, a relação do texto com outros textos (a intertextualidade), a relação do texto com as experiências do leitor tanto em relação à linguagem como em relação ao seu conhecimento de mundo, sua ideologia, etc. (ORLANDI, 2006, p. 199)

Autor da citação
Foco na BNCC 

Observe, a seguir, um exemplo de habilidade da BNCC citando o trabalho com a intertextualidade:

(EF89LP32) Analisar os efeitos de sentido decorrentes do uso de mecanismos de intertextualidade (referências, alusões, retomadas) entre os textos literários, entre esses textos literários e outras manifestações artísticas (cinema, teatro, artes visuais e midiáticas, música), quanto aos temas, personagens, estilos, autores etc., e entre o texto original e paródias, paráfrases, pastiches, trailer honesto, vídeos-minuto, vidding, dentre outros. (BRASIL, 2020, p. 187)

Autor da citação

Além disso, a autora afirma que nas condições de produção merecem referência o fato de que os leitores têm níveis variados de experiência com a linguagem escrita. A maior ou menor experiência vai determinar níveis diferentes de leitura. Também apresenta dois tipos de leitura fundamentais nesse processo, que são a “leitura parafrástica, que se caracteriza pelo reconhecimento (reprodução) do sentido dado pelo autor, e leitura polissêmica, que se define pela atribuição de múltiplos sentidos ao texto.” (ORLANDI, 2006, p. 200).

Por dentro da BNCC

A expressão “condições de produção” é bastante frequente na BNCC, sobretudo nas práticas de linguagem relacionadas à leitura e à produção de textos. Veja, a seguir, um exemplo de habilidade em que ela é explicitada:

(EF89LP12) Planejar coletivamente a realização de um debate sobre tema previamente definido, de interesse coletivo, com regras acordadas e planejar, em grupo, participação em debate a partir do levantamento de informações e argumentos que possam sustentar o posicionamento a ser defendido (o que pode envolver entrevistas com especialistas, consultas a fontes diversas, o registro das informações e dados obtidos etc.), tendo em vista as condições de produção do debate – perfil dos ouvintes e demais participantes, objetivos do debate, motivações para sua realização, argumentos e estratégias de convencimento mais eficazes etc. e participar de debates regrados, na condição de membro de uma equipe de debatedor, apresentador/mediador, espectador (com ou sem direito a perguntas), e/ou de juiz/avaliador, como forma de compreender o funcionamento do debate, e poder participar de forma convincente, ética, respeitosa e crítica e desenvolver uma atitude de respeito e diálogo para com as ideias divergentes. (BRASIL, 2020, p. 181)

Autor da citação

A intertextualidade pode ocorrer de maneira explícita ou implícita, conforme veremos a seguir.

INTERTEXTUALIDADE EXPLÍCITA

A intertextualidade explícita ocorre quando há citação da fonte do intertexto, por exemplo, em discursos relatados, citações e referências; resumos, resenhas e traduções, dentre outros (KOCH; ELIAS, 2010, p. 87).

Para exemplificar a intertextualidade explícita, imagine uma situação em que um personagem, ao fazer faxina, produz a seguinte fala: “Levantou poeeeira!… Levantou poeira! Eu queria ver a Ivete Sangalo no meu lugar!”. Nesse caso, há uma citação direta de parte do texto-fonte – a música “Sorte grande” (SORTE..., 2003) – e a indicação de quem a interpreta – Ivete Sangalo (KOCH; ELIAS, 2010, p. 88).

INTERTEXTUALIDADE IMPLÍCITA

Quando ocorre de maneira implícita, a intertextualidade não apresenta uma citação expressa da fonte; assim, cabe ao interlocutor acessá-la na memória para construir o sentido do texto, como ocorre em alusões, paródias, paráfrases e ironias (KOCH; ELIAS, 2010, p. 92).

O seguinte trecho, retirado de uma propaganda de rádio, exemplifica a intertextualidade implícita, pois é possível perceber que não houve a citação da fonte, pois o autor do texto pressupõe que o leitor já tenha esse conhecimento (KOCH; ELIAS, 2010, p. 92). Para ser compreendido, o leitor deve levar em conta que essa propaganda se apoia na oração “Pai Nosso”, com a finalidade de divulgar a emissora de rádio (PAI NOSSO, 2005, [s.p.]).

Só o Rock'n'roll salva

Elvis Presley que estais no Céu,
Muito escutado seja Bill Haley,
Venha a nós o Chuck Berry,
Seja feito barulho à vontade,
Assim como Hendrix, Sex Pistols e Rolling Stones.
Rock and roll que a cada dia nos melhora,
Escutai sempre Clapton e Neil Young,
Assim como Pink Floyd e David Bowie,
Muddy Waters e The Monkees.
E não deixeis cair o volume de som
102,1 de estação.
Mas livrai-nos do Axé.
Amém!

Autor da citação

Desse modo, para atribuir sentidos o leitor deve fazer essa relação proposta entre os dois textos, compreendendo a recorrência implícita ao texto-fonte.

A partir do exposto, pode-se afirmar que, por meio de diversos gêneros textuais, quando o autor produz um texto, ele espera que o leitor, além de identificar o texto de origem, também perceba os efeitos de sentido gerados pelo deslocamento de “velhos” textos e a finalidade comunicacional dos “novos” textos construídos. Todo esse processo ocorre devido à intertextualidade.

Reflita

Você observou que os termos “contexto” e “intertextualidade” podem ser muito amplos quando nos referimos ao estudo da Língua Portuguesa? De que forma você poderia ampliar esses conceitos e suas diferenças para que sejam assimilados pelos alunos? Quais situações concre¬tas de comunicação podem ser trazidas para a sala de aula a fim de exemplificar isso para os alunos?

CRITÉRIOS DE TEXTUALIDADE

De acordo com Koch (2009), existem sete critérios que conferem textualidade a um enunciado.

1.  Coesão

Refere-se à construção de sentidos decorrentes do encadeamento dos elementos formais arranjados dentro do texto, ou seja, aqueles ligados à estruturação da sequência superficial do texto.

2.  Coerência

Diz respeito à produção de sentido do texto, o que se relaciona ao conceito de interpretabilidade: não fica restrita à superfície do texto, pois trabalha com as representações ativadas para que se organize o sentido global do texto e sua coerência.

3.  Informatividade

Refere-se às relações de distribuição e previsibilidade da informação contida no texto. A primeira refere-se à informação já obtida, enquanto a previsibilidade diz respeito ao grau de redundância do texto, o qual acontece sobre a quantidade de informação nova que é produzida de forma menos previsível ao que já é conhecido.

4.  Aceitabilidade

Modo com que o receptor/leitor reage sobre o texto; é dependente de um texto coeso e coerente, sendo também um critério que envolve questões pragmáticas e, portanto, liga-se à intencionalidade.

5.  Situacionalidade

Relaciona-se a um conjunto de fatores que tornam um texto relevante na situação comunicativa ou passível de ser reconstruída.

6.  Intencionalidade

A intenção do autor/produtor de um texto é sustentada pela intencionalidade.

7.  Intertextualidade

Demonstra a relação que existe entre um texto na rede significativa do sentido de outros textos, ou seja, a presença de um texto em outro, lembrando que é praticamente impossível conceber um texto isoladamente.

INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS: PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS

De acordo com Ducrot (1987), o conteúdo posto diz respeito à informação contida literalmente nas palavras da sentença, enquanto os pressupostos são as informações que podem ser recuperadas no implícito das sentenças. Dessa forma, para a proposição (1) “Pedro parou de fumar”, o pressuposto seria “Pedro fumava antes”. No pressuposto situa-se uma informação indiscutível para o falante e/ou ouvinte e nesse contexto o locutor partilha com o ouvinte a responsabilidade, sendo, portanto, coextensivo no interior do diálogo.

No que se refere ao conteúdo subentendido, este não está marcado na frase e se esclarece no processo interpretativo. Então, o subentendido da frase (1) poderia ser “Até Pedro parou de fumar, por que você não se anima?”. Em relação à diferença entre ambos, Ducrot (1987, p. 41) afirma que “[…] a pressuposição é parte integrante do sentido dos enunciados. O subentendido, por sua vez, diz respeito à maneira pela qual esse sentido deve ser decifrado pelo destinatário”. Assim, percebe-se que o subentendido pode ser encontrado por meio de perguntas, como “por que ele falou desse modo?”, isto é, o texto produzido pelo autor funciona como um enigma a ser resolvido pelo destinatário, chamado por Fiorin (2002, p. 244) de “insinuações escondidas por trás de uma afirmação”.

Acerca do subentendido, Ducrot (1987, p. 32) disserta que “[…] o subentendido se caracteriza pelo fato de que, sendo observável em certos enunciados de uma frase, não está marcado na frase. Essa situação do subentendido se explica pelo próprio processo interpretativo do qual ele provém”.

Dessa forma, o subentendido reside na resposta às perguntas “Por que o autor disse o que disse?”, “O que tornou possível sua fala?”. Assim, pressuposto e subentendido não têm a mesma origem interpretativa, pois os subentendidos estão ligados às circunstâncias da enunciação; já os pressupostos são transmitidos pela frase. Por exemplo, quando se assevera “Que calor! Como está quente esta sala” em um contexto de sala fechada, fica subentendido que o indivíduo gostaria que abrissem uma janela ou arejassem o local.

referências

ANDRADE, C. D. Alguma poesia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2020. Disponível em : https://bit.ly/2ByXs8x. Acesso em: 8 maio 2020.

BUARQUE, C. Letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.

FIORIN, J. L. Para entender o texto: leitura e redação. 16. ed. São Paulo: Ática, 2002.

KOCH, I. G. V. A Coesão Textual. 21. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2010.

ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 2006.

PAI Nosso. Clube de Criação: São Paulo, 11 nov. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3iPPngF. Acesso em: 7 jul. 2020.

SORTE grande. Intérprete: Ivete Sangalo. Compositor: L. O. S. Filho. In: CLUBE Carnavalesco Inocentes em Progresso. Intérprete: Ivete Sangalo. São Paulo: Universal Music Brasil, 2003. 1 CD, faixa 1.

PRADO, A. Bagagem. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

VALENTIM, H. T. Cotexto e Contexto: Formas Linguísticas e Possibilidades de Interpretação do Enunciado. SIMELP – SIMPÓSIO MUNDIAL DE ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2., 2009, Évora (PT). Anais […]. Évora: Universidade de Évora, 2009. Disponível em : https://bit.ly/3j4sy9i. Acesso em: 8 maio 2018.

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