Comentários
Conheça alguns exemplos de gêneros textuais em suas tipologias textuais.
Fonte: Shutterstock.
Deseja ouvir este material?
Áudio disponível no material digital.
Nesta disciplina, você estudou, de forma geral, as características de cada prática de linguagem, oral e escrita, como se manifestam por meio dos gêneros textuais e como são importantes para a compreensão do aluno, em seu papel de produtor e leitor de textos.
Além disso, você pôde compreender estratégias e saber como planejar, organizar e executar, por meio dos gêneros discursivos, práticas docentes que atinjam seus objetivos enquanto professor.
Nesta seção, abordaremos as características composicionais dos textos em geral, mostrando como se estrutura sua unidade menor – o parágrafo – e como a argumentação, que é muito pouco ensinada no ensino básico, constitui-se na produção textual e tem um papel importante para o ensino básico e para a formação de professores. Por fim, serão estudadas as tipologias textuais, que constituem as características mais gerais dos gêneros discursivos já estudados.
Dessa forma, por meio deste estudo, espera-se que você, professor em formação, possa refletir a aprimorar práticas de produção textual em diversas tipologias, sobretudo a argumentação, visando ao seu trabalho em sala de aula com os diferentes gêneros, tanto orais quanto escritos.
Para ampliar sua visão acerca das possibilidades de aplicação dos conhecimentos a serem aprendidos, vamos analisar a seguinte situação: você leciona aulas para turmas menores de ensino fundamental. Essas turmas são reduzidas (com no máximo oito alunos) justamente porque são compostas por alunos que apresentam Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), os quais também fazem acompanhamento semanal com o psicopedagogo da escola.
No primeiro mês de aulas e de acompanhamento, o psicopedagogo percebeu que necessitava de um alinhamento entre ele e você, a fim de conhecer suas práticas em sala de aula e quais eram as suas percepções a respeito do desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. Como sua carga horária de trabalho é grande e você não tem disponibilidade para fazer reuniões semanais com o psicopedagogo, a coordenação da escola solicitou que você produzisse relatórios individuais para informar ao psicopedagogo as práticas de ensino com seus alunos portadores de TDAH e quais resultados e reações ele apresentavam em suas aulas. Dessa forma, nesta situação-problema, você deverá escrever um relatório destinado ao psicopedagogo, explicitando o comportamento de seus alunos, as práticas adotadas em suas aulas e os resultados obtidos.
Seja bem-vindo e aproveite cada parte desta seção dedicada aos aspectos composicionais que envolvem a produção do texto escrito!
De acordo com Garcia (2010), o parágrafo é definido como uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, no qual uma ideia central é desenvolvida, agregando-se outras ideias, secundárias, as quais estão relacionadas pelo sentido e pela lógica.
Como existem vários processos de desenvolvimento de ideias, nem sempre esse conceito ocorre exatamente dessa maneira na prática, pois isso depende da natureza do assunto tratado e/ou de sua complexidade, do seu gênero discursivo, do objetivo do texto e das competências do autor e do leitor.
Assim, trataremos, neste momento, do que Garcia (2010) chama de parágrafo-padrão, não somente por mostrar um modelo de parágrafo, mas também por ser mais frequente/predominante na língua escrita.
O parágrafo é marcado materialmente por um leve afastamento da margem esquerda da folha e facilita ao escritor a prática de isolar e depois ajustar convenientemente as ideias principais de sua produção textual, permitindo ao leitor acompanhar o desenvolvimento nos seus diferentes estágios.
Além disso, o parágrafo pode ser uma estratégia didática, pois é uma unidade de composição “[…] suficientemente ampla para conter um processo completo de raciocínio e suficientemente curta para nos permitir a análise dos componentes desse processo, na medida em que contribui para a tarefa da comunicação” (TRAINOR; MCLAUGHLIN, 1963, p. 422).
A estrutura e extensão do parágrafo podem variar, ou seja, podemos encontrar parágrafos escritos em duas linhas ou em uma página inteira. Dessa forma, o critério de extensão não é o único para padronizá-lo, mas principalmente a sua ideia central, isto é, o que torna um parágrafo padrão não é sua forma estética e seu tamanho, e sim sua composição interna formada pelo desenvolvimento de sua ideia principal. Assim, o parágrafo faz parte de uma composição maior – o texto – que é constituída por diversas ideias associadas, as quais correspondem às diferentes partes em que o autor julgou conveniente dividir o seu assunto (GARCIA, 2010).
De acordo com Fávero e Koch (2009, p. 25), o texto é “uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto”, ou seja, essa unidade forma um todo semântico, independentemente de sua extensão. Essa definição não se restringe apenas aos seus componentes linguísticos formais, pois, segundo Marcuschi (2008), o texto funciona em planos enunciativos complexos, que vão além de regras fixas, uma vez que perpassa as relações entre os indivíduos, conforme afirma que “o texto se dá como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações alternativas e colaborativas” (MARCUSCHI, 2008, p. 79).
Geralmente, o parágrafo-padrão ocorre na tipologia textual da dissertação e da descrição e tem sua composição interna da seguinte forma:
Por meio dessa estrutura, é possível perceber que o tópico frasal é um meio muito eficaz de expor ou explanar ideias, pois, quando ele enuncia logo de saída a ideia-núcleo, garante previamente a objetividade, a coerência e a unidade do parágrafo (GARCIA, 2010).
A seguir, um exemplo de parágrafo-padrão, em que fica evidente no primeiro período (em itálico) seu tópico-frasal:
O Brasil é a primeira grande experiência que faz na história moderna a espécie humana para criar um grande país independente, dirigindo-se por si mesmo, debaixo dos trópicos. Somos os iniciadores, os ensaiadores, os experimentadores de uma das mais amplas, profundas e graves empresas que ainda se acharam em mãos da humanidade. Os navegadores das descobertas que chegaram até nós impelidos pela vibração matinal da Renascença, cumpriram um feito que terminava com o triunfo na luz da própria glória; belo era o país que descobriam, opulenta a terra que pisavam, maravilhoso o mundo que em redor se desdobrava; podiam voltar, contentes, que tudo para eles se cumprira. (AMADO, 1963, p. 332 apud GARCIA, 2010, p. 223)
Nesse exemplo, é possível entender que a ideia central do parágrafo é uma declaração sobre o Brasil como país independente. O caminho das ideias a serem desenvolvidas já está aí traçado, então, em seguida, o autor explana, especifica, justifica e fundamenta o que anunciou no tópico-frasal.
Há diferentes maneiras de explicitar o tópico-frasal, e uma das mais comuns é a declaração inicial, conforme o exemplo citado, ou seja, algo é declarado de forma positiva ou negativa. Além da declaração inicial, o tópico-frasal pode ser construído por meio das seguintes estratégias: definição, divisão, alusão histórica, interrogação, dentre outros.
O desenvolvimento do parágrafo-padrão consiste na explanação do tópico-frasal, o qual pode ocorrer por meio de diversos processos, que variam conforme a natureza do assunto e a finalidade do texto. Tais processos podem ocorrer, por exemplo, com enumeração ou descrição de detalhes, confronto, analogia e comparação, citação de exemplos, causa e motivações, razões e consequências e definição, dentre outros.
A seguir, o exemplo demonstra um desenvolvimento (em destaque) do tópico frasal (“Sol é muitíssimo maior do que a Terra”) a partir de uma analogia:
Sol é muitíssimo maior do que a Terra, e está ainda tão quente que é como uma enorme bola incandescente, que inunda o espaço em torno com luz e calor. Nós aqui na Terra não poderíamos passar muito tempo sem a luz e o calor que nos vêm do Sol, apesar de sabermos produzir aqui mesmo tanto luz como calor. Realmente podemos acender uma fogueira para obtermos luz e calor. Mas a madeira que usamos veio de árvores, e as plantas não podem viver sem luz. Assim, se temos lenha, é porque a luz do Sol tornou possível o crescimento das florestas. (PESSOA, 1963, p. 35 apud GARCIA, 2010, destaques nossos)
De acordo com Garcia (2010), a argumentação deve basear-se nos princípios da lógica, porém não raramente a argumentação se desvirtua nos debates, nas polêmicas, nas discussões que se travam a todo instante, na simples conversação, na imprensa, nas assembleias ou agrupamentos de qualquer ordem, nos parlamentos, ou seja, o autor do texto pode acabar utilizando o insulto, o xingamento, a ironia e o sarcasmo para invectivas de toda ordem, o que se confunde com argumentação. Essas práticas não são consideradas argumentos; muito pelo contrário, elas revelam a falta deles. Além disso, não são considerados argumentos os preconceitos, as superstições ou as generalizações que se baseiam naquilo que a lógica chama de juízos de simples inspeção (GARCIA, 2010).
A verdadeira argumentação deve ser “[…] construtiva na sua finalidade, cooperativa em espírito e socialmente útil. […] O ponto de vista que considera a discussão como vazia de sentido e ausente de senso comum é não só falso, mas também perigoso, sob o ponto de vista social” (PENTEADO, 1964, p. 233 apud GARCIA, 2010).
A argumentação apoia-se em dois elementos principais:
Veja, a seguir, como a questão da argumentação aparece entre uma das dez competências gerais da educação básica, na BNCC:
Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. (BRASIL, 2020, p. 9)
Os fatos formam o elemento mais importante da argumentação em particular, assim como da dissertação ou explanação de ideias em geral, pois eles provam e convencem. Porém, nem todos os fatos são irrefutáveis, uma vez que seu valor de prova é relativo, sujeitos como estão à evolução da ciência, da técnica e dos próprios conceitos ou preconceitos de vida, ou seja, o que era verdade ontem pode não o ser hoje.
Os exemplos são fatos típicos ou representativos de determinada situação. Os dados estatísticos são também fatos, porém são específicos e têm grande valor de convicção, constituindo quase sempre prova ou evidência incontestável. No entanto, é necessário ter cuidado na sua apresentação ou manipulação, pois sua validade é também muito relativa, isto é, com os mesmos dados estatísticos tanto se pode provar como refutar a mesma tese.
Por fim, o testemunho é ou pode ser o fato colocado por meio de terceiros. Se autorizado ou fidedigno, seu valor de prova é inegável. Porém, sua eficácia é também relativa, pois o mesmo fato presenciado por várias pessoas pode assumir proporções e versões diferentes (GARCIA, 2010).
Confira alguns exemplos de evidência de provas na argumentação:
Além do conceito de gêneros textuais, é de suma relevância entendermos os tipos textuais. Isso acontece, por exemplo, quando um texto tem aspecto de um gênero, mas foi construído em outro, ou seja, gêneros textuais com especificidades próprias e diferentes, porém com características semelhantes. A esse fenômeno, Marcuschi (2002) dá o nome de intertextualidade intergêneros, explicando que isso acontece porque ocorreu no texto a configuração de uma estrutura de natureza altamente híbrida, em que um gênero assume a função de outro.
Para o autor, os gêneros não são entidades naturais, mas artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano, sendo que esses textos podem não ter determinada propriedade e ainda continuar sendo aquele gênero.
Para exemplificar a intertextualidade intergêneros, Marchuschi (2002) cita o gênero textual carta: ainda que o autor da carta não tenha assinado o nome no final, ela continuará sendo carta, graças às suas propriedades necessárias e suficientes. O autor exemplifica também que uma publicidade pode ter o formato de um poema ou de uma lista de produtos em oferta. O importante é esse texto fazer a divulgação de produtos e estimular a compra daquele produto, isto é, que a publicidade apresente tema, forma composicional e estilo característicos de um gênero como esse.
Marcuschi (2008) define tipo textual da seguinte forma:
Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. (MARCUSCHI, 2008, p 154-155)
Ainda de acordo com Marcuschi (2002, p. 22), a expressão tipologia textual refere-se a “uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Para o autor, esse termo deve ser utilizado para determinar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição.
Quais situações concretas de comunicação podem ser trazidas para a sala de aula a fim de exemplificar “gêneros discursivos” e “tipologias textuais” para os alunos?
Em geral, os tipos textuais abrangem as categorias narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.
Narração
O texto narrativo tem como objetivo contar uma história através de uma sequência de ações reais ou imaginárias. A narração da história é composta por meio de elementos narrativos, como o espaço, tempo, personagem, enredo e narrador.
Exemplos: conto, fábula, lenda, romance, novela, crônica, notícia, relato etc.
Descrição
O texto descritivo tem a finalidade de descrever detalhadamente algo ou alguém, levando o leitor a criar uma imagem mental do que é descrito. Esse tipo de texto pode ser mais objetivo ou mais subjetivo, focando apenas aspectos mais relevantes ou também detalhes específicos.
Exemplos de gêneros com essa tipologia: laudo, guia de viagem, relatório, texto publicitário etc.
Argumentação e Exposição
O texto dissertativo, que pode ser apenas expositivo ou também argumentativo, tem como objetivo informar e esclarecer algo ao leitor, por meio da exposição clara e objetiva, um determinado assunto ou tema. O texto dissertativo-argumentativo tem a finalidade de persuadir e convencer o leitor a concordar com a tese defendida acerca de determinado tema.
Exemplos de gêneros com a tipologia argumentação: editorial, carta ao leitor, artigo de opinião, debate, resenha, resposta argumentativa etc.
Exemplos de gêneros com a tipologia exposição: artigo científico, seminário, palestra, resumo, fichamento etc.
Injunção
Por fim, o texto injuntivo tem o objetivo de instruir o leitor a respeito de um procedimento. Ele fornece uma informação/instrução que leva o leitor a agir sobre algo.
Exemplos de gêneros com essa tipologia: manual de instruções, receita culinária, bula de remédio, tutorial, guia de instruções etc.
Para saber mais acerca dos estudos de tipologias textuais (no âmbito linguístico e literário), sugere-se a leitura do seguinte artigo científico, no qual o autor considera os aspectos em que os estudos tipológicos dessas duas vertentes convergem e divergem, e como cooperam, ou não, entre si:
Chegamos ao fim desta unidade, e você pôde observar que os termos “texto” e “gêneros discursivos” podem ser muito amplos quando tratam do estudo da Língua Portuguesa, certo? De que forma você poderia ampliar esses conceitos e suas diferenças para que sejam assimilados pelos alunos?
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2020. Disponível em: https://bit.ly/2ZUe57O. Acesso em: 14 jun. 2020.
FAVERO, L. L.; KOCH, I. G. V. Linguística Textual: uma Introdução. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
FELPI, L. (Org.). Cartilha redação a mil 2.0. [S.l., s.n.]: 2019. Disponível em: https://bit.ly/35XbwpE. Acesso em: 21 jul. 2020.
GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MARINELLO, A. F.; BOFF, O. M. B.; KÖCHE, V. N. O Texto Instrucional como um Gênero Textual. The Especialist, v. 29, 2008. Disponível em: https://bit.ly/2Hb9Eiv. Acesso em: 21 jul. 2020.
SILVA, W. R. Escrita do gênero relatório de estágio supervisionado na formação inicial do professor brasileiro. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, jan./mar. 2013. Disponível em: https://bit.ly/2ZW5hi0. Acesso em: 20 jun. 2020.
TRAINOR, Francis X.; MCLAUGHLIN, Brian K. An inductive method of teaching composition. The English Journal, v. 3, n. 6, 1963.
TRAVAGLIA, L. C. Tipologias textuais literárias e linguísticas. Scripta, Belo Horizonte, v. 7, n. 14, p. 146-158, 1º sem. 2004.