Comentários

0%

FOCO NO MERCADO DE TRABALHO

Privacidade no mundo digital

Iracema Fazio

Fonte: Shutterstock.

Deseja ouvir este material?

Áudio disponível no material digital.

sem medo de errar

Casos como o exposto apresentam uma preocupação de relevo sobre a destinação do acervo digital, deixado na internet após a morte do utilizador, especialmente a respeito dos bens digitais e dos dados pessoais, protegidos em contas com acesso por meio de senha, a exemplo dos perfis de redes sociais.

No caso apresentado, o acesso ao perfil pessoal da falecida importa em acesso não somente à senha e à sua conta pessoal, como também a todo e qualquer arquivo pessoal nela armazenado, como os históricos de interação social que ela realizou de modo público e/ou privado. 
Desse modo, a análise do caso proposto evidencia uma série de repercussões que vão além do simples aspecto patrimonial do assunto, demandando análise jurídica de natureza constitucional sobre o tema.

Nota-se que, sobre o escopo patrimonial, o tema está necessariamente vinculado ao que se denomina de “herança digital”, “legado digital”, “patrimônio digital”, “ativo digital”, revelando, portanto, a proteção do direito sucessório dos herdeiros sobre os arquivos deixados na rede pela falecida, ou seja, sobre bens imateriais incorporados de valor econômico.

Todavia, em sua maioria, os perfis dos utilizadores de redes sociais incorporam um conjunto de dados e bens digitais de natureza pessoal, cuja proteção jurídica é alçada ao nível constitucional, por se tratar de direitos personalíssimos, assumindo a característica da intransmissibilidade. De modo geral, não se prestando ao direito à sucessão, pois integra o corpo privado e íntimo da reserva da personalidade do sujeito falecido.

Oportuno frisar que, a despeito desse conjunto de bens e dados de natureza pessoal, o direito permite a exploração econômica de alguns aspectos da personalidade, podendo, portanto, ser objeto de transferência, dado o seu caráter patrimonial. A exemplo das contas pessoais em redes sociais, afeta particularmente a exploração de determinada atividade econômica (por exemplo, as contas pessoais de influenciadores digitais).

Sobre o caso particular, parece razoável o pedido da mãe para bloqueio imediato da conta da filha por terceiro, evitando o sofrimento da família, por ver o perfil digital da garota transformado em memorial, sem que esta tenha sido a sua vontade manifestada em vida. No entanto, dado o atual contexto normativo, não parece ser razoável o pedido para acesso a todos os dados pessoais e bens digitais na conta pessoal do Facebook, por este acervo digital carecer de cunho patrimonial, passível de exploração econômica pelos seus herdeiros, e, especialmente, por revestir-se de caráter personalíssimo, incorporando o aspecto privado e de reserva da intimidade da falecida.

Assim, conferir acesso a todo o acervo digital deixado pelo utilizador falecido, sem que esse tenha antecipadamente manifestado o seu desejo de acesso aos dados pessoais contidos no seu perfil de utilizador na plataforma do Facebook, é violar de modo substancial a garantia constitucional da sua privacidade e reserva da sua intimidade.

Avançando na prática

Acesso a dados pessoais em tempo de pandemia

O governo de São Paulo, em parceria com a empresa de telefonia móvel BRASNET, em meio à situação de pandemia que assolou o Brasil no ano de 2020, pretende fazer uso dos dados de localização de todos os utilizadores de telefonia celular da empresa.

Por meio dessa medida, o estado de São Paulo pretende ter acesso, em tempo real, à localização de seus habitantes e, assim, controlar e fiscalizar as situações potencializadoras de aglomerações, controlando a interação social e a circulação de pessoas, tornando eficientes as medidas de restrição e isolamento social, em face do estado de calamidade pública decretado.

Como Procurador do Estado de São Paulo, você foi consultado para dar o seu parecer sobre a legalidade de utilização desses dados pessoais, a fim de combater a pandemia.

Obviamente, a crise introduzida pela Covid-19 no Brasil levantou diversas questões sobre a utilização de dados, especialmente, aqueles disponibilizados pelos celulares de milhões de brasileiros, como medida de combate à pandemia.

Na verdade, a tecnologia permite a utilização de alguns modelos de dados gerados pelos dispositivos móveis, sendo os mais comuns os seguintes: a utilização de dados de geolocalização de modo agregado e anonimizado; o monitoramento da circulação do indivíduo; o monitoramento das pessoas infectadas.

O caso proposto levanta o debate sobre a utilização de dados de geolocalização, medida esta que, inclusive, vem sendo utilizada por diversos governos, tanto no Brasil como no estrangeiro, para combate à pandemia da Covid-19. Observa-se que a utilização desse modelo de utilização de dados propõe a implementação de um índice de distanciamento ideal, com o propósito de se mensurar o percentual de indivíduos que estão respeitando as regras de isolamento social numa determinada localidade.

Essa tecnologia permite a criação de mapas de calor que apresentam os locais com maior e com menor circulação de pessoas. Para tanto, faz uso de dados agregados e anonimizados, não havendo a necessidade de compartilhamento dos dados individuais de deslocamento, mas tão somente o índice geral do deslocamento em determinada localidade.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) informa que dados anonimizados não se elevam à categoria de dados pessoais, uma vez que o acesso a eles não permite a identificação do indivíduo. Nesse sentido, a sua utilização é permitida.

Sem embargo, a tecnologia deve ser eficiente, de modo a garantir a anonimização dos dados, evitando a identificação do indivíduo, conforme disciplina o inciso II do art. 5º da LGPD.

Bons estudos!

AVALIE ESTE MATERIAL

OBRIGADO PELO SEU FEEDBACK!