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Crise

Lívio Sakai

Fonte: Shutterstock.

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Convite ao estudo

Prezado aluno, seja muito bem-vindo à terceira unidade de nossos estudos, intitulada Gestão de crises digitais!
Se você for um usuário assíduo da internet e das redes sociais, já deve estar acostumado com crises digitais. Por vezes, muitas empresas, celebridades, influencers ou youtubers se veem em situações complicadas por compartilharem publicamente uma foto ou vídeo com mensagens inadequadas em seus perfis. Pessoas, nesse caso, também podem ser consideradas marcas, pois têm uma imagem comercial. O consumo de produtos, a frequência nos canais e a popularidade podem cair por consequência de uma mensagem publicada cujo conteúdo gerou efeitos indesejados, seja por carregar uma ideologia com a qual alguns não concordem ou simplesmente por ser considerada de mau gosto sob o ponto de vista de quem a leu.
Uma empresa pode lançar um produto com uma linguagem entendida como ofensiva a algum grupo social. Pode acontecer, também, de o produto ser utilizado de maneira inesperada e ganhar audiência negativa na internet. É importante lembrar que nem sempre o causador da crise ou o gatilho responsável por despertar tal reação serão previsíveis, visto que uma mensagem pode receber uma interpretação e repercussão muito diferente da esperada por seus autores.
O que fazer quando isso acontece? É o que estudaremos nesta unidade.
Em primeiro lugar, vamos definir o que é crise a fim de entender como identificá-la. Para isso, vamos estudar sobre tempo de reação, que, já adiantando, tem que ser o mais rápido possível.
Tendo definido que a intervenção diante de crises digitais deve ser imediata, trataremos das ações iniciais, declarações e afirmações predeterminadas, as statements. Por fim, daremos destaque à criação de grupos de trabalho para a solução da crise.
Veremos, nesta unidade, que os contextos analisados exigem muita inovação e flexibilidade, pois não há soluções preconcebidas e claras para a solução de crises. É preciso examinar o contexto, tentar prever a reação do público e atuar com a responsabilidade e o cuidado necessários para que as crises sejam resolvidas causando o menor dano possível e, quem sabe, conseguir sair da crise em situação vantajosa. 
Bons estudos!

Praticar para aprender

Todos nós utilizamos a internet e as mídias sociais com boa frequência, porém o profissional preocupado com crises deve ter um olhar mais aguçado, atentando-se para prever as consequências e reações que mensagens a serem publicadas podem causar.
Os anúncios que aparecem na nossa timeline não são simples anúncios. Temos que imaginar o porquê de eles estarem ali, como foram selecionados dentre tantos outros materiais de publicidade para aparecer exatamente na nossa timeline. Precisamos analisar se o anúncio é adequado para nós, se a inteligência artificial que o colocou ali foi bem-sucedida e se foi publicado junto a uma mensagem pertinente ao nosso perfil.
Da mesma maneira, não é mais tão comum ver a crise de uma empresa que teve, por exemplo, seu garoto propaganda envolvido em escândalos. Podemos nos imaginar à frente do conflito, o que nos permite determinar o tempo de reação, definir as equipes que devem trabalhar nesse assunto, informar as reações que devem ser repassadas aos funcionários e às relações públicas da empresa, e assim por diante.
Deixamos de ser meros consumidores de informações e nos transformamos em geradores de conteúdos e estrategistas.
Ainda com base no exemplo da empresa que teria seu garoto propaganda envolvido em escândalos, qual seria a primeira reação a ser tomada e em qual momento? Silenciar, negar a acusação ou desculpar-se pelo erro?
A reação tomada deve ser semelhante àquela que será divulgada internamente entre funcionários da empresa, pelo departamento de relações públicas? 
As mensagens que serão publicadas devem ser as mesmas no site oficial da empresa e nas diferentes redes sociais?
Chegou a hora de aplicar os conhecimentos obtidos até agora em um caso real.
A Z-Burger, uma famosa rede de fast-food norte-americana situada em Washington, tinha uma conta no Twitter. Em julho de 2018, a empresa publicou um anúncio fazendo uma sátira comparando seus hambúrgueres com os do McDonald’s (MCCAHILL, 2018). A postagem mostra a foto de um homem aparentemente próximo de ser decapitado com a seguinte mensagem: “Quando você diz que quer um hambúrguer e alguém fala para irmos ao McDonald’s.”.
A ideia em si já é de gosto duvidoso, mas devemos nos lembrar que muitas empresas têm uma proposta de imagem mais descontraída, o que permite criar uma comunicação diferente com seus seguidores e clientes.
Para exemplificar, observe uma troca de mensagens entre a conta da Netflix no Twitter e seus seguidores (D’AVILA, 2018):

Caroline Ariane: “Netflix, obrigada por fazer parte da minha vida <3, não sei o q faria sem vc.”
Netflix: “Provavelmente teria vida social.”

O exemplo da Netflix serve para mostrar que as redes podem ter estilos de comunicação diferentes, o que não torna o anúncio da Z-Burger “errado”. Porém, a foto utilizada é o problema. É uma imagem feita em 2014 e nela está um jornalista que realmente foi executado após o registro da foto.
Mesmo depois de ser rapidamente deletado, o anúncio foi facilmente encontrado em muitos outros sites e agências de notícias que o replicaram.
Como você agiria ao perceber a crise causada pela utilização da foto de uma execução real?
Você apagaria a foto de imediato?
Crie declarações que você daria à imprensa após a inserção do anúncio e a crise gerada. Em seguida, compare suas declarações com as feitas pela empresa. Para encontrar mais dados, use as ferramentas de pesquisa na internet relacionando a Z-Burger e o jornalista executado, James Foley.
Esse trabalho é importantíssimo, pois poderia salvar uma empresa e todos que dependem dela. Bons estudos! 

conceito-chave

A configuração da comunicação no mundo atual é marcada pela velocidade. A maioria das pessoas está conectada de alguma maneira, mas a popularização do celular tornou essa conexão imediata: estamos todos a segundos de qualquer informação que nos é enviada ou que queremos acessar, seja por aplicativos de comunicação pessoal, redes sociais ou pelas ferramentas de procura da internet.
Recuero (2019, p. 53) classifica a comunicação entre essas pessoas em dois tipos:

aquelas emergentes, que caracterizam laços construídos através da conversação entre os atores (que vão gerar as redes emergentes) e aquelas de filiação ou associação, caracterizadas pela manutenção da conexão realizada pelo software ou site utilizados (que vão gerar as redes de filiação).

A autora faz uma diferenciação portanto, entre os usuários de aplicativos de comunicação, como WhatasApp e Telegram, denominando-os redes emergentes, e os de redes de afiliação ou associação, como Facebook e Instagram. As plataformas citadas são as mais populares atualmente, mas existem muitas outras redes nas duas categorias.
Depois da inserção do celular com acesso à internet à nossa rotina, a velocidade da transmissão de dados mudou bastante, possibilitando a transmissão de vídeos de alta resolução e com som de qualidade em tempo real. E quando discorremos sobre essas mudanças tecnológicas, temos uma tendência de ver a tecnologia pelos seus benefícios, o que é inegável. O celular com acesso à internet oferece entretenimento nas filas de espera, guia-nos até um endereço distante com boa precisão, mostra-nos cenas do cotidiano de amigos e parentes distantes, informa-nos a previsão do tempo para que possamos nos precaver com um guarda-chuvas, serve como calculadora e lanterna, e alguns, até mesmo, funcionam como aferidores de batimentos cardíacos.
O outro lado de toda essa velocidade e quantidade de informações é a dificuldade que nós, usuários, temos de distinguir o que é real do que é falso.
Um exemplo que já faz parte do dia a dia de muitas pessoas são as ligações de pessoas mal-intencionadas que simulam o sequestro de um ente querido. Nessa situação, bandidos tentam fazer uso da velocidade das redes para pedir transferências em dinheiro. Isso não seria possível se não tivéssemos o internet banking pronto para transações bancárias em qualquer lugar. Esse golpe, articulado por meio de uma simples chamada telefônica, gera problemas não somente para a pessoa que recebe a ligação, mas indiretamente aos bancos, que fazem as transações eletrônicas de valores.
Esse exemplo reflete um dos principais problemas da comunicação digital: o processamento da informação pelos usuários, que é o ponto principal do nosso tema, Gestão de crises digitais.
Em primeiro lugar, é importante levar em consideração que a crise é um acidente, um acontecimento imprevisto, afinal um planejamento de comunicação ou de marketing é uma tentativa de ter sob controle todos os aspectos de um negócio e de seus desdobramentos para que consigamos atingir um objetivo, seja ele relacionado a venda ou comunicação. Portanto, uma crise é um fato inesperado que pode ter diferentes origens.
De acordo com Roberto de Castro Neves (2002, p. 15), crise

[...] é uma situação que surge quando algo feito – ou deixado de fazer – pela organização ou de sua responsabilidade afeta ou afetou ou poderá afetar interesses de públicos relacionados a empresas e o acontecimento tem repercussão negativo junto à opinião pública.

Dentre os vários tipos de crise, o que nos interessa são as crises digitais que vêm a público. Ainda segundo Neves (2002), a crise para a qual devemos nos atentar é a que ele define como Crise Empresarial com a Opinião Pública (CEOP).
Segundo o dicionário Michaelis on-line, crise é uma palavra derivada do grego krísis. Dentre as várias definições que recebe, talvez a mais pertinente para nós seja a de “Episódio que se caracteriza pela presença de circunstâncias de difícil superação; lance embaraçoso que tende a ser duradouro; adversidade, agrura, apuro” (MICHAELIS, [s. d., s. p.]).
Essa conceituação nos é mais adequada por vários motivos. Primeiramente porque indica situações de difícil superação. Logo, para ser chamado de crise, um problema deve ser de grande proporção. A definição de crise específica para a medicina relaciona esse termo a um momento no desenvolvimento de uma doença cuja decisão tomada pode ser fatal ou capaz de melhorar os sintomas do doente. Para o nosso entendimento, crise diz respeito a um problema que pode ter desenvolvimento muito negativo para uma empresa ou produto.
Em segundo lugar, a descrição prevê que o acontecimento tende a ser duradouro. Uma das principais marcas de artigos esportivos foi associada ao trabalho escravo na China e teve queda significativa nas vendas e no valor de mercado. Ela é, atualmente, uma fração do que era há cinco anos, apesar de figurar hoje entre as marcas mais cuidadosas para evitar o trabalho escravo na produção de seus bens. Também temos exemplos de grifes nacionais bem-conceituadas cuja força de trabalho é composta de costureiros e costureiras que trabalham em situação análoga à escravidão, as quais foram expostas na grande mídia.
Nos casos citados, a situação ideal é que a crise não acontecesse, que o planejamento industrial, de comunicação e de marketing tivessem previsto esses episódios.
Para o leigo, a ideia de se evitar o trabalho escravo é algo simples: basta não contratar esse tipo de serviço. Já dentro do planejamento da indústria, a busca incansável por meios de produção mais baratos pode ter falhado e contratado uma empresa sem que se consultasse as condições de trabalho desse fornecedor. No entanto, essas empresas que foram “pegas de surpresa” tiveram muito tempo para intervir diante das crises. É improvável que apenas tenham tomado conhecimento do uso de mão de obra análoga à escrava por meio da imprensa. 
Vamos imaginar que em um determinado momento alguém tenha feito uma denúncia pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), bem como que um colaborador da empresa tenha sido consultado pelos canais de atendimento por um repórter que investigava o caso. Podemos pensar, ainda, que no processo de produção, ao se contratar a mão de obra com preço abaixo do praticado no mercado, alguma suspeita tenha sido ignorada.
Em outras palavras, esse caso perdurou por um intervalo considerável até o agravamento da crise, que culminou na publicação de notícias.
Vamos pensar em outro exemplo de acontecimentos comuns que podem levar a uma crise. Imagine que uma montadora lance um determinado modelo de carro. O projeto, por ser novo, passou por uma série de testes de qualidade para que não apresente defeitos e falhas logo em seu lançamento.
Entretanto, um consumidor, seduzido pelo novo produto, compra o lançamento e logo tem um problema com o carro, tentando resolvê-lo com ajuda da agência que o vendeu. Os mecânicos, ainda sem experiência com o novo modelo, tentam corrigir o desajuste, porém o cliente leva o automóvel até a agência novamente, solicitando reparos duas ou três vezes. Frustrado, ele tenta devolver o carro. Até o momento, não houve nenhuma crise, apenas problemas de compra e venda. Contudo, a agência, que teve lucro com a venda do veículo, teria dificuldades econômicas para devolver o dinheiro ao comprador e receber o produto de volta, afinal o carro estava “usado” e com algum problema não resolvido. Com isso, a agência tenta evitar a devolução, insistindo para que o cliente ficasse com o automóvel e prometendo solução. É nesse momento que o cliente fica revoltado com a situação, entra em um site de reclamações e registra sua indignação.
A agência é notificada e responde formalmente, afirmando que está tratando do caso e que ofereceu reparos ao cliente. Até aqui, ainda não temos uma crise. No entanto, ao buscar soluções para o mesmo tipo de problemas por meio de pesquisas na internet, muitos outros consumidores encontram a contestação do consumidor mencionado no exemplo no site de reclamações, identificando-se com o reclamante. Então, passam a fazer reclamações semelhantes na plataforma. Irritados, começam a postar sobre o caso em suas redes sociais e repassam essas informações para seus conhecidos pelos aplicativos de comunicação. Um dos compradores descontentes publica um vídeo no qual ele chuta o carro, xinga e esbraveja ensandecido. O vídeo viraliza, e agora nós temos uma crise.
Assim sendo, se a crise é um acontecimento repentino, a gestão de crises tem o objetivo de tentar prever as ações necessárias para tratar de uma crise quando ela acontece, admitindo a possibilidade de falhas ou imprevistos.

Tudo parece normal. De repente, surge um problema de tal magnitude para interromper a normalidade das atividades. Desvia o foco, consome energia. Provoca comoção, desestabilização, prejuízos. Atrapalha a rotina diária. Chama a atenção de todos, inclusive da mídia.

(FORNI, 2019, p. 3)

No exemplo apresentado, o tempo de reação depende do estágio em que se percebe o desenrolar da crise, e os problemas que surgem nesses casos geralmente são bem conhecidos pelo pessoal de produção, marketing e comunicação. O tempo de intervenção obedece a um grande número de variáveis que podem ou não ser previsíveis. 
Ainda considerando o exemplo do carro com problema mecânico, temos vários momentos passíveis de intervenção. Inicialmente, quando o problema foi descoberto, a agência poderia ter encaminhado as dificuldades à empresa, que poderia encontrar uma solução efetiva, neutralizando assim a insatisfação do cliente.
Caso a situação tivesse se desenvolvido e a solução não fosse apresentada nas fases iniciais, quando o cliente pediu para devolver o carro, a agência, percebendo o problema, poderia oferecer uma troca, substituição ou devolução, mais uma vez neutralizando o cliente, o qual possivelmente não penalizaria a marca ou produto dada a solução ágil para o problema.
Em um terceiro momento, quando o cliente já havia recorrido a sites para formalizar a reclamação publicamente, a empresa poderia agilizar a devolução para minimizar os danos à imagem do produto e à sua própria reputação. Quanto mais cedo acontecesse a intervenção, menor seria a dimensão da crise.
Essa decisão, que aparentemente é fácil, envolve custos. A solução do problema demandaria uma equipe de diagnóstico mais avançada que a existente na agência responsável por vender o carro, já que ainda não se sabe se o problema acontece em outros veículos. Ou seja, esse custo de investigação e solução do problema poderia ser maior do que o valor que a montadora e a agência estão dispostas a pagar.
Posteriormente, pensando na devolução ou troca do carro, essa transação, em situações normais, envolve algum prejuízo, como aceitação da devolução do carro, com acertos fiscais e de documentação e possivelmente com a dificuldade de se vender um carro previamente utilizado.
Talvez seja este o maior problema no gerenciamento de crises digitais: o ponto de intervenção e seu respectivo custo.

Quanto mais tempo a empresa demorar em responder a crise, maiores serão as impressões negativas que os consumidores terão sobre determinada marca e melhor para a concorrência. Isso se deve ao fato de que a concorrência pode se valer do fator mídia para tirar proveito da marca em crise e deixar que os consumidores fiquem em dúvida quanto aos benefícios do produto em crise. Os consumidores podem achar que, na realidade, não gostam daquela marca e podem debandar, de forma definitiva, para outra marca ou produto. 

(KOTLER; KELLER, 2006, p. 58)

O bom gerenciamento de crises tende a optar pela intervenção rápida, prevendo a possibilidade de crescimento descontrolado dos desdobramentos negativos, enquanto o pessoal responsável pelas questões econômicas e financeiras prefere deixar as despesas imprevistas, como as crises, no menor patamar possível. Ferramentas de monitoramento na internet também podem ser importantes, como o Buzzmonitor, que acompanha reclamações dos usuários nas redes sociais. Alguns sites também indicam em tempo real os trends, que são os temas mais mencionados na internet por meio das mídias sociais.

Quadro 3.1 Possível evolução de um evento nas redes sociais
Crise Venda Início dos problemas Agravamento do problema Denúncia no site Reclame Aqui Redes sociais, YouTube
Pessoas que podem ser envolvidas consumidor, familiares consumidor, familiares e pessoas próximas consumidor, família, pessoas próximas e rede de conhecidos do WhatsApp milhares de visitantes diários alcance de bilhões de usuários
Fonte: elaborado pelo autor.

Ingressamos, então, na situação de crise. Quais são os primeiros passos?
Vários autores tratam do gerenciamento da crise de maneira semelhante. Mendes et al. (2006) organizam as medidas a serem tomadas em três momentos: Pré-Crise, Crise e Pós-Crise.

Figura 3.1 | Esquema de gerenciamento de crises
Fonte: adaptada de Mendes et al. (2006).
Figura 3.1 | Esquema de gerenciamento de crises
Fonte: adaptada de Mendes et al. (2006).

Em primeiro lugar, é necessário conhecer todo o histórico que levou à crise. Vimos anteriormente que a crise é o final de um processo, que muito raramente ela será o resultado de um evento pontual. Portanto, é importante envolver todos no gerenciamento da crise.
O consumidor não vê o vendedor do produto como o responsável pelo problema. Ele vê toda a empresa, ele vê a marca envolvida. Ele vê descaso do presidente da empresa quando não é bem atendido.
A responsabilidade pelos riscos é atribuída aos seus causadores, e não aos prejudicados e atendidos. Cabe aos causadores apontar os prejuízos que sua empresa pode infligir ao mundo, como também as respostas para tais riscos. Sendo assim, o primeiro passo é o levantamento de todas as informações existentes entre as partes envolvidas com a crise.
Utilizando o exemplo dado anteriormente do consumidor descontente com o carro, seria importante ter um histórico de toda comunicação feita entre a empresa, seus associados e o cliente. Isso permitiria saber como ocorreu a venda do veículo, como foram as revisões, os atendimentos realizados, bem como sua frequência e particularidades. Além disso, seria interessante fazer um levantamento dos serviços prestados e executados na tentativa de solucionar o problema, bem como dos custos gerados. Depois, quando o problema se tornou público, o ideal seria verificar como aconteceu a troca de informações feitas publicamente pela internet e também contatos ou tentativas realizadas de contato direto. Se houve comunicação direta via aplicativos de comunicação, seria necessário listá-la. Todas essas informações devem estar disponíveis para a equipe de gestão de riscos.
Vamos chamar essa equipe de comitê de crise. Normalmente o comitê é composto por oito pessoas estratégicas dentro da empresa, as quais são responsáveis pelas ações a serem tomadas.
A atuação desse grupo tem a finalidade de reduzir os efeitos da crise montando planos de ação, coordenando a comunicação, treinando pessoas para reagirem diante de questionamentos, assumindo as relações públicas da empresa relativas à crise. O comitê ainda formula as estratégias e pode modificá-las no desdobramento das soluções tomadas.
É imprescindível que uma pessoa da mais alta hierarquia esteja na equipe, para que decisões de alto nível de comprometimento possam ser tomadas com agilidade. Também é importante ter pessoas responsáveis pela logística, recursos e tecnologia. A escolha dos membros pode variar de acordo com a natureza do evento singular da crise e seus desdobramentos.
Por exemplo, se a crise é causada pela entrega de um produto, ou seja, pelos transportes, o comitê deve contar com pessoas da empresa que dominem os setores afetados. Nesse caso logístico, é recomendável selecionar integrantes do setor de atendimento e, possivelmente, representantes de terceirizadas que tenham participado da entrega.
Criado o comitê, é importante definir um porta-voz, que é a pessoa treinada para dar respostas à imprensa. É fundamental que ele conheça a dinâmica das redes sociais. Geralmente essa pessoa tem uma atribuição próxima à de presidente da empresa, como um diretor que possa falar em nome da presidência.
Antes de prosseguir, algumas características do processo de solução da crise precisam estar presentes na comunicação da empresa feita pelo porta-voz:

Essas diretivas de comunicação fazem parte de um media training pelo qual não somente o porta-voz, mas também pessoas com chance de serem expostas na mídia ou pela imprensa devem necessariamente passar. O media training é uma parte importantíssima do gerenciamento de uma crise, pois pode impedir seu agravamento, minimizar riscos e, em cenários ideais, reverter situações negativas.

Figura 3.2 | Sequência de ações na gestão de crises
Fonte: adaptada de Recuero (2019) e Forni (2019).
Figura 3.2 | Sequência de ações na gestão de crises
Fonte: adaptada de Recuero (2019) e Forni (2019).
Assimile

Com a velocidade imposta pela integração da internet, celulares e outros dispositivos, na eventualidade de uma crise a reação deve estar minimamente preparada com treinamentos já realizados, equipes predefinidas e situações mais prováveis já estudadas.

Considerando o possível surgimento da crise, é essencial:

Reflita

Na eventualidade de uma crise grave, dependendo das suas proporções, os valores em risco podem ser semelhantes ao valor da empresa. Com essa informação em mãos, podemos imaginar o quanto teríamos que investir para evitar uma crise já deflagrada. Imagine-se liderando uma situação de crise cujas medidas de contenção custam um bom percentual do valor total da empresa.

Imagine que você tenha um canal no YouTube com boa capitalização, ou seja, com conteúdos bem atrativos e capazes de conquistar muitos novos seguidores, permitindo que você tenha uma remuneração pelas suas postagens. Pense que, por engano, um vídeo produzido para sua família e amigos foi publicado no seu canal comercial e o conteúdo do material seja impróprio para a audiência, pois contém uma linguagem vulgar em alguns momentos.
A linguagem inapropriada do vídeo poderia gerar reações indesejadas entre os seguidores e visitantes, com possíveis consequências à sua imagem pública e à capitalização do canal.
Depois de perceber o erro da postagem incorreta, como você reagiria se, nesse caso hipotético, o vídeo tivesse sido visto por apenas dez pessoas? E se já tivesse mais de mil visualizações e comentários? E se o material fosse baixado e publicado em outros sites?

Exemplificando

Vamos passar para um exemplo prático acontecido em 2017 com a grife Reserva. Em fevereiro de 2017, a marca de roupas pendurou dois manequins pretos de cabeça para baixo em uma liquidação. A loja sempre usou manequins plásticos pretos e, nas liquidações, tentou inovar, deixar a loja com um visual diferente para indicar uma grande promoção. A repercussão foi muito ruim e um grande número de internautas acusou a marca de racismo. A situação escalou até que grandes agências de notícias, como a Veja SP, publicaram reportagens sobre a montagem da vitrine vinculada ao caso de racismo.

A reação visível que a marca Reserva teve foi a de realizar uma série de declarações:

Imagine o que aconteceu internamente na empresa, tendo em vista o que estudamos até aqui, e veja o que foi publicado, ou seja, as declarações que a Reserva expôs à imprensa. Faça o exercício de inferir como foi desenvolvido o processo interno da empresa pensado para minimizar os danos.

Faça valer a pena

Questão 1

A crise digital aconteceu e uma falha da empresa chegou ao conhecimento público. Um erro de produção trouxe lapsos em um lote inteiro de produtos, porém sem afetar a sua funcionalidade e qualidade. Os funcionários tiveram conhecimento da falha assim que o lote foi produzido. Um anônimo denunciou à imprensa o ocorrido.
Qual é o procedimento correto nesse caso?

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

Deve-se tornar pública a falha e esclarecer que o problema vazado corresponde à realidade, admitindo que realmente há problemas com o lote denunciado, mas este não interfere na qualidade do produto e, por isso, a falha não foi publicada. Portanto, honestidade e transparência são aspectos necessários para combater a crise. A empresa deve optar por enviar o produto ao mercado com a devida comunicação do problema na produção ou impedir sua comercialização, independentemente da falha ocorrida.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Questão 2

Deflagrada a crise, cria-se um comitê de crise. O líder da equipe deve ser o presidente ou um diretor que possa agir pela empresa. Logo, temos um porta-voz que deve ter media training e autonomia para falar em nome da organização. Por fim, é recomendável selecionar pessoas da empresa vinculadas aos departamentos envolvidos na crise e com conhecimento da dinâmica em mídia digitais.
Qual a necessidade de criar um comitê exclusivo para crises se já existem departamentos da empresa, como o de Relações Públicas, capazes de se adaptar para cumprir esse papel?

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

As crises, pela sua natureza, nem sempre podem ser previstas. Assim, independentemente da estruturação da empresa, as crises são inesperadas e podem envolver departamentos da empresa, pessoas e empresas externas em configurações incomuns e que seriam melhor tratadas com uma equipe formada especificamente para isso. Dessa forma, equipes devem minimizar ao máximo as chances de um evento de crise, mas ainda assim elas podem acontecer, seja por falha humana, por desastres naturais, por esforços criminosos, etc. Por isso, um comitê de crise deve ser montado de acordo com as especificidades do problema em questão.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Questão 3

A Netflix tem uma comunicação bem despojada com seus clientes e seguidores. Confira, a seguir, o exemplo de um dos seus diálogos nas redes sociais:
Netflix: “Por trás de toda grande saga, existe uma grande heroína. Qual delas é sua escolha da noite?”
Jacinto: “Nenhuma pô, mulher não dá certo como protagonista.”
Netflix: “Desculpa, acho que você comentou no século errado.”
É correta a avaliação da comunicação da Netflix com seus seguidores e clientes, mesmo que eles possam se ofender com as respostas e cancelar assinaturas?

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Tente novamente...

Esta alternativa está incorreta, leia novamente a questão e reflita sobre o conteúdo para tentar outra vez.

Correto!

Sim, a Netflix tem um posicionamento e um estilo de comunicação que permitem uma comunicação mais direta e mais despojada com seus clientes e seguidores, mas que é particular dessa relação e não pode ser feita da mesma maneira por outras empresas. A mesma resposta dada por outra empresa poderia gerar uma crise. O episódio da questão apresentada só é possível por um estilo de comunicação definido pela empresa: é uma comunicação despojada e progressista do ponto de moral, e a Netflix, que inclusive já se definiu como “menina” em outra postagem, defende certos valores que fazem parte da empresa utilizando a linguagem descontraída, que muitas vezes inclui ironia e sarcasmo. A decisão foi acertada pela inexistência de crises causadas pelas respostas dadas até agora. Essa comunicação é muito particular e, se fosse adotada por outra empresa, possivelmente geraria uma crise. No caso da Netflix, criou-se uma linguagem e um acordo tácito entre empresa e usuários que são bem particulares.

Referências

D’AVILA, R. As 13 melhores respostas que a Netflix já deu até hoje em suas redes sociais. Creatives, 28 set. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3xRarKf. Acesso em: 16 mar. 2021.
FORNI, J. J. Gestão de crises e comunicação. São Paulo: 2019. E-book.
KOTLER, P.; KELLER K. Administração de marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson, 2006.
MCCAHILL, E. Burger chain uses photo of ISIS beheading victim James Foley in staggering ‘joke' advert. Mirror, 28 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3g7LDre. Acesso em: 14 abr. 2021.
MENDES, A. M. et al. Crises de ameaças a oportunidades: gestão estratégica de comunicação de crises. Lisboa: Edições Silabo, 2006.
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. [s. d.]. Disponível em: https://bit.ly/2W39fX6. Acesso em: 15 mar. 2021. 
MITROFF, I. I. Technology run amok: crisis management in the digital age. Los Angeles: Palgrave Macmillan, 2019. E-book.
NEVES, R. C. Crises empresariais com a opinião pública: como evitá-las e administrá-las: casos e histórias. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
ROSA, M. A síndrome de Aquiles: como lidar com as crises de imagem. São Paulo: Gente, 2001.
RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
SOSTER, D. A.; FIRMINO, F. (Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009.
TEIXEIRA, P. B. Caiu na rede. E agora?: gestão de crises nas redes sociais. São Paulo: Évora, 2019.

Bons estudos!

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