PRATICAR PARA APRENDER
Agora que já conhecemos todo o processo de fraude contábil, suas características e formas de atuação do auditor e do perito, vamos entender mais detalhes sobre a perícia empresarial?
Nesta seção de estudos, trabalharemos com as perícias empresariais, compreendendo o que são e como podem ajudar os empresários. Então, nesse contexto, suponha que você tenha sido contratado como assistente técnico da empresa InterAmericana Ltda. para elaborar alguns quesitos sobre um processo judicial em que a corporação está envolvida.
Ocorre que a empresa InterAmericana celebrou um contrato para a prestação de serviços elétricos à organização TeleAtendimento S.A. em 20 de dezembro de 2017, no valor total de R$ 10.400.000,00 e vigência de 01/01/2018 a 31/12/2021. As empresas optaram pela renovação automática do contrato, caso não haja manifestação expressa de alguma das partes.
Em setembro de 2020, a empresa TeleAtendimento optou por rescindir a relação comercial sem pagamento de qualquer multa contratual, ainda que prevista em contrato, alegando potenciais irregularidades na execução do contrato, impetrando uma ação judicial contra a corporação InterAmericana, com pedido de indenização.
Sabe-se que a empresa InterAmericana está localizada na cidade de São Paulo e vinha executando os serviços na cidade do Rio de Janeiro, onde precisou admitir 497 funcionários para o desenvolvimento do trabalho contratado. Além disso, ao longo dos anos, a empresa TeleAtendimento repassou mais e mais trabalho para a InterAmericana, de modo que esta deixou de prestar serviços para outros clientes, tornando-se “quase exclusiva” da TeleAtendimento.
Como assistente técnico, você deverá elaborar alguns quesitos que serão respondidos pelo perito judicial nomeado nesse processo. Seu trabalho é formular questões que busquem elucidar algumas divergências do litígio e, o mais importante, tentar identificar o valor da perda ocorrida.
A quantidade de quesitos depende muito da demanda que precisa ser analisada. É importante ressaltar que o assunto envolve a apuração dos fatos e a mensuração da perda.
Então, vamos lá?
Conceito-Chave
Primeiramente, é importante salientar, mais uma vez, que a contabilidade é uma área que auxilia na tomada de decisão em diversas esferas: não somente em processos penais e criminais (como já estudamos anteriormente), mas também no deslinde de questões de cartões de crédito, capitação de juros, etc., em processos cíveis de operações com cheque especial, em procedimentos administrativos oriundos do Ministério Público ou quando a matéria discutida for de natureza trabalhista.
A perícia contábil também é utilizada em assuntos que versam sobre avaliação de sociedades e apuração de haveres, em processos de falências e recuperação de empresas, no âmbito tributário, sobre matéria patrimonial, em contratos de financiamento e em erros na contabilidade das organizações.
Estudos demonstram, ainda, sua aplicação na contabilidade ambiental, em ações no sistema financeiro de habitação, em revisão de contratos, em assuntos sobre a desoneração da folha de pagamento, assim como nas ações de lucros cessantes, de apropriação indébita previdenciária, nos processos de recuperação judicial, em perícias atuariais e em varas de família, nas quais é possível observar o contador auxiliando os juízes em decisões sobre pensão alimentícia quando o réu possui uma empresa.
Além disso, o trabalho pericial não se restringe à esfera judicial, uma vez que o contador pode atuar como perito assistente em demandas extrajudiciais e arbitrais – também extrajudiciais segundo classificação do CFC. Mais recentemente, alguns estudos apontaram a semelhança entre a contabilidade forense e a perícia contábil.
Logo, trata-se de uma área bastante rica e complexa, exigindo do perito contador capacitações constantes, em busca de aperfeiçoamento.
Perícia empresarial
De acordo com o conceito econômico do Código Civil, empresa é o exercício, realizado pelo empresário, de atividade econômica organizada para a produção de bens e serviços para o mercado.
Independentemente de sua forma jurídica, isto é, seja uma associação, uma fundação, uma organização religiosa, um partido político ou sociedades simples e empresárias (empresa limitada – unipessoal ou não –, sociedade anônima, cooperativa, etc.), o fato é que, a partir da globalização e, consequentemente, do aumento da competitividade, mais e mais empresas vêm precisando repensar seus modelos de negócios, em busca de inovações e da otimização de qualidade e resultados, sejam eles financeiros ou não.
Novas oportunidades estão surgindo a todo momento e, com elas, novas formas de realizar negócios, com a utilização de recursos tecnológicos modernos e ferramentas inovadoras de relacionamento com os clientes, fornecedores, funcionários, acionistas e comunidade.
Diante desse ambiente cada vez mais competitivo, as empresas precisam efetuar mudanças estruturais profundas, na tentativa de trazer uma maior flexibilização e agilidade ao desenvolvimento de novos produtos e serviços, buscando reconfigurar totalmente os seus modelos de negócios, sob pena de não sobreviverem.
Vejamos, então, alguns desafios do mundo corporativo e a consequente ajuda que a perícia contábil concede frente a isso.
Disputas contratuais: normalmente envolvem a violação ou a inobservância de cláusulas contratuais, o que frequentemente, por falta de consenso, pode levar a disputas extrajudiciais ou judiciais.
Na área cível, podemos encontrar problemas relacionados a contratos de empréstimos ou de financiamentos envolvendo taxas de juros não cumpridas, por exemplo, o que conduz os consumidores à justiça, tendo os bancos e outras instituições financeiras como réus. Essas ações podem ter como objeto a revisão contratual, quando o perito é levado a aplicar as cláusulas relacionadas ao contrato com o propósito de identificar se a taxa de juros empregada é realmente aquela contratada. Como consequência, valores de parcelas mensais poderão ser ajustadas e o próprio banco poderá ser responsabilizado por praticar o anatocismo.
Assimile
Anatocismo é o termo jurídico que define a cobrança de juros sobre juros, que normalmente está associada à prática de mercado de aplicação de juros compostos em obrigações contraídas a prazo, oriundos de contratos firmados com instituições financeiras.
É importante esclarecer que a aplicação de juros compostos é uma prática lícita. O ilícito é a cobrança de juros sobre o montante de juros não pagos no mês anterior, o que caracteriza o anatocismo, este, sim, considerado uma prática ilegal.
Apuração de haveres: os termos fusão, incorporação e cisão são operações de natureza jurídica pelas quais as sociedades são modificadas formalmente, conforme a regulamentação dada pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Por conta dessas reorganizações societárias, tornou-se fundamental o conhecimento de metodologias que permitam avaliar o valor de uma empresa.
Além disso, em casos de dissolução de sociedade, na saída de um ou mais sócios, ou apenas como um indicador estratégico para avaliar os intangíveis (marca, capital intelectual, etc.), é importante conhecer os conceitos e as técnicas para se avaliar uma empresa, ou seja, deve-se ter domínio sobre o processo de apuração de haveres.
Fusão: é a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei nº 6.404/76).
Incorporação: é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227 da Lei nº 6.404/76).
Cisão: é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, e dividindo-se o seu capital, se a versão for parcial (art. 229 da Lei nº 6.404/76).
Em reunião ou assembleia dos sócios de cada sociedade, após a deliberação das respectivas modificações e da aprovação do projeto do ato constitutivo das novas sociedades, bem como dos planos de distribuição do capital social, serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio das sociedades. Caberá à CVM estabelecer normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis a operações que envolvam companhia aberta.
Existem diferentes métodos para mensurar o valor de uma empresa (valuation), porém nenhum é capaz de representar o valor exato, uma vez que são utilizados, como base, hipóteses comportamentais do ambiente em que a corporação está inserida, sempre resultando em um valor aproximado.
Vocabulário
Valuation é um termo em inglês para Avaliação de Empresas, que representa um conjunto de técnicas usadas para determinar o valor justo de uma empresa ou unidade de negócios, bem como o seu potencial retorno.
Cada processo avaliativo possui características próprias, sendo que a qualidade dos dados e informações apresentados será fundamental para a compreensão do fato em si e do objetivo da avaliação.
As metodologias mais utilizadas são:
Método da avaliação patrimonial: possibilita três tipos de mensuração: método de avaliação patrimonial contábil (baseado nas informações contidas no balanço patrimonial), método de avaliação patrimonial de mercado (a partir da valoração dos ativos e passivos da empresa a valores de realização no mercado) e método de liquidação, abordagem adotada quando o comprador está interessado apenas nas instalações físicas e itens do capital de giro (e não na sua capacidade de gerar fluxos de caixa no futuro).
Método pelo valor de bolsa: utilizado quando a empresa possui ações negociadas em bolsa de valores. O valor de mercado total da corporação pode ser obtido pela multiplicação da quantidade de ações em circulação versus o seu valor de mercado.
Método dos múltiplos: método que estima o valor de uma empresa por meio da aplicação de um fator de referência baseado em organizações que atuam no mesmo segmento e que já foram avaliadas, ou seja, apoia-se na forma como seus pares são precificados no mercado.
Método do fluxo de caixa descontado: abordagem bem mais complexa, é o principal método aplicado ao valuation, pois avalia o valor de mercado de uma empresa a partir das expectativas de geração de caixa no futuro, descontadas por uma taxa de atratividade e o risco associado ao investimento. É muito utilizado por bancos de investimentos, consultorias e empresários que querem calcular o valor de uma corporação, seja para fins internos, de análise de investimentos, ou para fusões e aquisições.
Obrigações contratuais: um contrato é um negócio jurídico que só tem validade se for celebrado com o consentimento de pessoas capazes, em conformidade com a ordem legal, com objeto lícito e possível de ser determinado, e obedecer à forma prescrita pela lei. Ou seja, a forma não pode ser proibida por qualquer legislação. Sempre que o descumprimento contratual resultar em perdas ou danos para uma das partes, a outra parte (a que ocasionou o dano, seja por ação ou omissão, por culpa ou dolo) deverá reparar o prejuízo ocasionado, que abrange os danos emergentes e os lucros cessantes.
Alguns contratos costumam prever cláusulas limitando as responsabilidades em caso de danos; outros inserem cláusulas classificando tais danos como diretos, indiretos, eventuais, consequenciais, etc. O fato é que definir o valor do dano, mensurando todos os riscos e possíveis prejuízos em caso de sinistro, acaba se tornando difícil em razão da subjetividade envolvida no processo, gerando interpretações diversas.
Invariavelmente, os problemas se encerram nos meios judiciais, em que a prova pericial terá suma importância no momento da decisão, justamente porque conseguirá apurar a extensão do dano ocorrido e determinar a responsabilidade civil pelo não cumprimento das cláusulas contratuais.
Exemplificando
Dano emergente: é o prejuízo sofrido diretamente pelo fato ocorrido (dano direto), cuja indenização deve abranger tudo aquilo que o lesado tenha perdido, ou seja, o valor financeiro da redução patrimonial. Exemplo: a quebra de um contrato pode gerar, imediatamente, a perda de uma receita esperada para uma empresa.
Dano consequencial: é o dano indireto, ou seja, o prejuízo ocorrido como consequência do dano direto sofrido. Exemplo: após a perda de uma receita esperada, uma empresa pode ter que arcar com mais perdas, caso tenha que demitir seus funcionários em função da quebra do contrato.
Lucros cessantes: quando uma empresa sofre algum evento danoso provocado por um imprevisto, decorrente de culpa, negligência, imperícia ou omissão de terceiros, ela deverá estimar o montante de resultados econômicos que foram perdidos. No exemplo da quebra de um contrato, com danos emergentes e consequenciais, o lucro cessante seria o valor estimado do que a empresa lesada deveria ter lucrado, caso o contrato fosse cumprido integralmente.
Se já é difícil apurar um dano consequencial, mensurar o valor do lucro cessante pode exigir, a partir de um fundamento seguro de um dia típico de trabalho, análises objetivas por parte do perito, uma vez que ele não pode abranger ganhos imaginários mediante especulação ou alavancagens, para que não haja um enriquecimento indevido. O cálculo normalmente é feito a partir de uma projeção simulada quanto ao futuro daquela empresa.
Análise tributária: a legislação tributária nacional é bastante abrangente e envolve a obrigação principal (o recolhimento do tributo) e a obrigação acessória (as informações sobre o recolhimento que precisam ser fornecidas aos órgãos fiscalizadores), podendo deixar algumas empresas de “cabelos em pé”.
Além disso, são considerados tributos: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições especiais. Podemos encontrá-los nas esferas municipal, estadual e federal e, em cada uma delas, há legislações específicas que precisam ser seguidas.
Como se não bastasse, tais legislações passam por mudanças constantes, fazendo com que as empresas (e os empresários) se sintam bastante inseguros sobre como proceder para fugir das multas e autuações e, o mais importante, como usar essas legislações a seu favor.
Diante de tantas deliberações do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgando, decidindo e criando jurisprudências, o trabalho do perito, dentro do âmbito extrajudicial, acaba sendo o de oferecer serviços de cálculos e recálculos, de modo que as empresas entendam tais mudanças e usufruam dos seus benefícios. No âmbito judicial, o perito auxilia advogados em ações ajuizadas, fornecendo planilhas que façam valer todos os direitos empresariais.
Reflita
Em 2018, o STF firmou o entendimento de que o ICMS não pode compor a base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que representa uma receita do Estado, e não um faturamento da empresa.
Desse modo, o valor do ICMS destacado na nota fiscal para simples registro contábil, não deve ser incluído na base de cálculo PIS/Cofins.
A mesma interpretação vem sendo discutida quanto à exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Liquidação de sentença: é o procedimento de cálculo do valor líquido de uma sentença quando já há uma decisão tomada, mas ainda sem fixação do montante devido.
Geralmente, uma sentença já é líquida e estabelece limites em extensão da obrigação que deverá ser paga, mas, em alguns momentos, isso não acontece, principalmente em função da complexidade de se mensurar tal valor ou até mesmo o valor condenatório.
Nesses casos, poderemos encontrar duas fases de discussão: a primeira é a de instrução, também chamada de fase de conhecimento de causa, na qual a discussão tem o objetivo de verificar se há ou não a procedência do mérito; e a segunda fase é a de liquidação, em que, após uma decisão favorável, discute-se o valor da prestação pecuniária que o condenado deverá pagar. O interessante é que poderá haver duas perícias, uma para cada momento.
O novo Código de Processo Civil estabelece duas modalidades de liquidação de sentença: a liquidação por arbitramento (quando o juiz determina, por sentença, a necessidade de liquidação) e a liquidação pelo procedimento comum (quando ainda há a necessidade de alegar ou provar fatos novos).
Dentro do âmbito empresarial, a liquidação de sentença pode estar atrelada a processos trabalhistas, a processos cíveis, a processos tributários, etc. Como já foi esclarecido, o perito, ao elaborar o seu relatório (parecer pericial contábil), deverá adotar os mesmos critérios utilizados na elaboração de um laudo pericial contábil, preservando a mesma estrutura já mencionada em seções de estudo anteriores. Além disso, esse profissional também não pode se esquecer de manter uma linguagem simples, clara e objetiva, afinal o principal objetivo de seu trabalho é o de elucidar inconsistências contábeis, e nem todos os envolvidos dominam essa técnica. Vale destacar, ainda, que, em caso de cálculos, as planilhas devem envolver, da forma mais simples possível, o montante total final a ser cumprido.
Finalizamos, assim, a última etapa de aprendizagem da importante disciplina Investigação e Perícia Criminal: Fraudes Contábeis.
Espero que você tenha aproveitado cada ensinamento compartilhado e que possa usufruir e aproveitar todas as informações presentes neste material em seu dia a dia de trabalho.
Boa sorte!
Referências
BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 17 dez. 1976. Disponível em: https://bit.ly/2UqQCGG. Acesso em: 13 maio 2022.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 11 jan. 2002. Disponível em: https://bit.ly/3L8LYZ9. Acesso em: 13 maio 2022.
EXAME de suficiência. Conselho Federal de Contabilidade, 11 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3QGrU1k. Acesso em: 13 maio 2022.