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É fundamental que o professor busque ampliar seu próprio repertório cultural, em relação às variadas linguagens artísticas, para oferecer aos alunos diferentes referências.
Fonte: Shutterstock.
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A antropóloga Luciana Ostetto escreveu um artigo muito pertinente, no qual discute a questão do gosto (no caso da pesquisa dessa autora, a discussão é a respeito do gosto musical). Ostetto (2004) aponta que o gosto não é tão particular e que devemos questionar o ditado popular “gosto não se discute”. Isso porque “atrás de um gosto há sempre um sujeito, uma história, práticas culturais” (OSTETTO, 2004, p. 41). Completando essa ideia, a autora coloca também que é preciso “considerar que o gosto não é natural, que estamos falando de uma sociedade capitalista, uma sociedade massificada, que produz cultura de massa!” (OSTETTO, 2004, p. 46). Meditando a respeito da produção musical, Ostetto elabora uma reflexão pertinente, que podemos transpor também para o universo da dança:
A massificação de “produtos culturais” é um dado inegável desta sociedade, em que os produtos colocados à venda seguem o “gosto do mercado”, mais que o “gosto popular”. Na verdade o povo, transformado em massa, é também o mercado onde serão divulgados e vendidos esses artigos, como por exemplo, os produtos da indústria do disco. E aqui há uma distinção interessante a fazer: as músicas, neste contexto, deixam de ser obras para transformarem-se em produtos. A obra, dizia um amigo meu, citando Lefebvre, vem da arte e o produto vem da indústria. Aquela, elaborada pelo artista, tem marca pessoal; esse, elaborado pelos profissionais da indústria, tem as marcas do gosto do mercado (quer dizer, do lucro!).
Avançando nessa reflexão, Ostetto (2004) discute também que, antes de mais nada, é preciso garantir um repertório amplo para que o sujeito possa construir seu gosto pessoal. A autora conclui que “ninguém pode gostar do que não conhece”. E completa: “Creio que falar em gosto, sem cair no relativismo, é questionar as reais oportunidades de escolhas, dentre as inúmeras criações que compõem o patrimônio cultural da humanidade” (OSTETTO, 2004, p. 49).
Por isso, o professor deve, em sua formação cultural, buscar constantemente ampliar o próprio repertório, nas várias linguagens artísticas, para poder oferecer aos alunos, também, uma gama ampla de referências. Afinal, “é tarefa da escola, da creche e da pré-escola, sim, colocar à disposição e ao conhecimento de todos os meninos e meninas, adolescentes, jovens, homens e mulheres que nela convivem e são educados, o melhor dentre tudo o que já foi produzido e criado pela humanidade” (OSTETTO, 2004, p. 56).
Imagine que você trabalhe em uma escola de educação fundamental, nas séries iniciais, e, às vésperas do mês de junho, a coordenadora solicita às professoras que iniciem os ensaios de danças típicas com os alunos para as apresentações na festa junina. Dentre as orientações constam: elaborar uma coreografia bonita e interessante, contando com a participação de todos os alunos, a fim de que os pais se sintam contemplados e apreciem esteticamente a apresentação. Considerando os conteúdos estudados nesta seção e, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), direcione a discussão com a coordenadora de tal modo que a atividade seja, de fato, um instrumento pedagógico que respeite as especificidades da idade dos alunos.
Existem ainda inúmeras dúvidas quando se pensa na dança como um instrumento pedagógico. No entanto, a partir da Base Nacional Comum Curricular, ela aparece como unidade temática no componente curricular de Arte e também de Educação Física, assim, passa a figurar dentro de diversas habilidades a serem desenvolvidas na educação infantil e no ensino fundamental. A dança está comumente presente nas escolas, nas apresentações em festividades, dentre elas, a festa junina. Nesse contexto, é importante considerar que, no ambiente escolar, a dança não deve ser disseminada como uma prática para o espetáculo, ela precisa ser trabalhada de uma maneira lúdica, permitindo que o aluno descubra mais sobre seu próprio corpo e sobre o ambiente com o qual interage. Dessa forma, a participação não pode ser obrigatória, visto que o aluno deve sentir-se à vontade para expressar-se, por meio dessa linguagem, em público. A linguagem da qual a dança se apropria é a corporal e, por isso, sua prática promove a ampliação das habilidades associadas à inteligência corporal-sinestésica dos indivíduos, os quais devem ser respeitados em sua individualidade. Assim, na situação proposta, a dança enquanto instrumento pedagógico pode ser utilizada de modo a ampliar o conhecimento sobre a cultura, a história e as tradições de maneira geral, direcionando o processo educativo para o desenvolvimento integral da criança, por meio do qual ela pode agir e integrar a sociedade de uma forma mais flexível, inovadora e responsável, afastando-se da concepção dominante de apresentações para apreciação pública dentro das escolas.