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Estimula o conhecimento por meio do corpo, promove uma formação mais abrangente ao aluno, amplia a consciência da corporeidade e se torna um elo integrador da comunidade escolar.
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Aprender a dançar é aprender outra linguagem. Com esse conhecimento, as pessoas ganham mais um recurso de comunicação, ampliando a capacidade de se relacionar entre si e com o mundo. Se o ser humano é antes de mais nada um ser social, é possível afirmar que a dança não é uma ferramenta que ajuda a analisar mundo, ou que é um espelho da sociedade, mas, enquanto linguagem e comunicação, ela é a própria ação sobre o mundo, a sociedade e as redes de relações.
[...] o corpo em movimento não é veículo de expressão, ele é a própria expressão de seres humanos que buscam e constroem sentidos o tempo todo. Como já vimos, somos nossos corpos e neles – e não com eles – nos expressamos. (MARQUES, 2012, p. 58)
Ser professor de corpo e movimento, no contexto da educação formal, demanda a mobilização de diversos saberes e práticas. De acordo com Batalha e Cruz (2019), o ensino da dança demanda três concepções de aprendizagem da docência: conhecimento para a prática, conhecimento na prática e conhecimento da prática. O conhecimento para a prática é todo o repertório de informações que o professor deve adquirir constantemente para ter mais sucesso nas suas práticas em sala de aula. O conhecimento na prática advém da experiência conquistada pelo professor ao longo de sua vida docente, a partir dos conhecimentos adquiridos. E o conhecimento da prática “decorre de investigação sistemática do ensino, dos alunos e do aprendizado, bem como do conteúdo, do currículo e da escola, em interação com os seus pares”.
É buscando ampliar seus conhecimentos para/na/da prática que a Unidade 4, futuro pedagogo, discutirá as abordagens do corpo e movimento na escola com práticas e sugestões de como lidar com as situações corriqueiras. Seguiremos abordando a dança inclusiva no contexto escolar e como explorar os corpos singulares dos alunos com deficiência em aulas que acolhem toda a diversidade. Por fim, discutiremos os cuidados com o
É comum que as aulas de dança e movimento no sistema escolar sejam reduzidas a lazer sem muita importância, já que o que “deveria” ser aprendido seria a ordem e a disciplina corporal. Ainda, as aulas de dança são utilizadas como “válvula de escape” para a energia das crianças, para que, dessa forma, as aulas de outras disciplinas possam transcorrer mais tranquilamente. Nessa perspectiva, o estudo do movimento e do corpo é abordado sob a ótica funcional e disciplinarizante.
Para Strazzacappa (2001), essa realidade desnuda uma estrutura escolar que utiliza a imobilidade como punição ao aluno, enquanto o movimento é considerado um prêmio, por isso as aulas de dança acabam se tornando uma moeda de troca no ambiente escolar, o que nos faz repensar o modelo educacional que está sendo reproduzido.
Se por um lado há grande desejo dos alunos em mover o corpo, de outro as instituições de ensino e o corpo docente, muitas vezes, desvalorizam o conhecimento do corpo, entendendo “a dança [como] um ‘luxo’ de menor importância no conjunto das disciplinas oferecidas pelo currículo” (STRAZZACAPPA, 2001, p. 74).
O papel do educador é criar canais de comunicação e diálogo entre o corpo docente e a direção escolar para debater os sentidos dessa metodologia e repensar as diretrizes educacionais nas quais as aulas de dança deverão ser pautadas, negando um ensinamento apenas funcional e disciplinarizante. O estudo do movimento e da expressão deve estimular a compreensão por parte da criança que seus corpos são elas mesmas, e não apenas um instrumento, uma ferramenta para executar atividades rotineiras. Quando a educação for pautada no respeito ao corpo, esses corpos, consequentemente, pedirão por educação, e não apenas por adestramento.
Com tal ressignificação, os corpos passam a explorar diversas maneiras de se expressar, mesmo dentro da funcionalidade desejada no contexto escolar (por exemplo, formar filas, organizar a fala, sentar-se adequadamente), mas sempre respeitando e incentivando a mobilidade, a criatividade e a expressão da criança. A educação perpassa pelo ensinamento de corpos transformadores do mundo e, para tanto, inventar, explorar e experenciar é condição fundamental para construir outros pontos de vistas, outras formas de estar no mundo. “Não dançamos ‘para’ ler/estar o mundo, dançando nós podemos ler e estar no mundo.” (MARQUES, 2012, p. 60). Essa é a potência da arte e da dança.
Nesse sentido, a dança e a arte fazem com que o indivíduo conquiste um lugar no mundo. A dança os torna sujeitos agentes, por isso seu valor está em si mesma, em ser parte constituinte do indivíduo, e não precisa “servir” para mais nada além de ser uma condição fundamental para a vida. A dança abre as possiblidades de experiência corporal e expressiva e seu lugar não precisa ser definido somente pela funcionalidade. O professor de corpo e movimento ganha ainda mais importância nessa perspectiva, por isso discutiremos maneiras interessantes de trabalhar o tema em sala de aula.
O processo de alfabetização da criança, bem como o aprendizado das formas geométricas, são ganhos cognitivos muito poderosos, uma vez que, por meio da alfabetização, a criança aprende um conjunto de novos signos e significados que a ajudará a se expressar e comunicar com o mundo. As formas geométricas constroem a perspectiva tridimensional e espacial fundamental para o movimento da dança.
Levando em consideração as letras do alfabeto e as formas geométricas, desenvolva um plano de aula de corpo e movimento que explore esses dois recursos por meio do gesto e da dança. É importante que constem os seguintes elementos:
Vamos sentir no corpo as novas descobertas.
A escola sempre foi entendida como o lugar do desenvolvimento mental, por isso todo o contexto de desenvolvimento humano relacionado ao corpo foi se limitando no tempo de aula, bem como na faixa etária. Se na educação infantil os jogos, as brincadeiras, o movimento e o cuidado com o corpo são entendidos como parte do desenvolvimento do aluno, no ensino fundamental o estudante foi limitado ao espaço da sua carteira, tendo seus movimentos restritos e contidos.
Na educação infantil, o trabalho com o corpo é, muitas vezes, entendido como lazer e deixado para a criança o aproveitar de maneira livre. No geral, essas práticas não são estruturadas com um objetivo maior de amadurecimento da psicomotricidade, da construção da identidade e da socialização da criança. Por outro lado, no ensino fundamental, a disciplina de Educação Física aborda de maneira restrita os conteúdos de dança (que deveria compor um terço dessa disciplina), e o ensino de Artes, geralmente, não dá conta de abordar conteúdos de música, teatro, artes visuais e dança.
Para Sousa (2014), se as práticas de dança estão muitas vezes relacionadas às atividades festivas da escola, ainda assim é possível notar cada vez maior presença delas nas escolas, em especial, desde a aprovação da Lei nº 13.278, em 2016, que institui as artes visuais, a dança, a música e o teatro como componentes curriculares.
Em investigação realizada pelas pesquisadoras Batalha e Cruz (2019), os professores acreditam que a inserção da dança no currículo escolar estimula o conhecimento por meio do corpo, promove uma formação mais abrangente ao aluno, amplia a consciência da corporeidade e se torna um elo integrador da comunidade escolar. Além disso, os professores percebem a potência do ensino de dança para debater sobre questões sociais e humanas, permitindo minimizar a violência, promover a coletividade e repensar as possibilidades do corpo na sociedade.
Ao entender a dança como ampla área do conhecimento, que transversaliza todas as disciplinas, o professor deve lançar mão de amplo repertório de práticas que estimule a imaginação, a sensibilidade, o brincar e a expressão.
A abrangência e a transversalidade que a dança possui indicam sua capacidade em permear e costurar diversos saberes, daí a centralidade e importância do professor de dança em possibilitar um projeto pedagógico mais coeso. O ambiente escolar pode ser um lugar para aprender dança com qualidade, compromisso e amplitude.
A dança também acabou sendo palco de disputas e rupturas dentro do ambiente escolar, já que essa área do conhecimento abrange as disciplinas de Artes e Educação Física. A partir da análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é possível perceber que os conteúdos das duas áreas de conhecimento em momentos se aproximam e, em outros, se distanciam, mas é possível dizer que a formação do professor é foco importante para entender as diferentes abordagens.
Nas aulas de educação física, a dança pode ser tratada dentro do conjunto das atividades rítmicas e expressivas; desse modo ela é considerada um conteúdo da cultura corporal do movimento, em que prevalecem aspectos voltados para a prática. Nas aulas de arte, a dança é tratada como área de conhecimento e, para além da perspectiva prática, há também uma vertente artística, em que prevalecem aspectos artísticos e estéticos, como a estesia e a fruição. (BATALHA; CRUZ, 2019, p. 1276)
Em outras palavras, enquanto a disciplina de Artes estimula o reconhecimento do corpo como ferramenta de expressão, “dança como manifestação coletiva e a dança como produto cultural e apreciação estética” (SOUSA, 2014, p. 508), a Educação Física mergulha a dança em uma abordagem que se relaciona com questões socioculturais, as quais são trabalhadas a partir de repertórios específicos, como dança de rua, danças populares, dança de salão, etc.
Nesse caso, as abordagens distintas da dança podem trazer complementariedade e amadurecimento corporal para o desenvolvimento identitário do aluno. Para além das diferenças, ambas as disciplinas enfrentam dificuldades em comum, as quais, de acordo com as pesquisadoras Batalha e Cruz (2019), são, principalmente, o espaço físico precário e inadequado, as turmas com elevado número de alunos para a prática da dança e a arquitetura escolar idealizada para o aluno ter aula teórica.
Apesar de a BNCC não explicitar quais são os conteúdos comuns aos dois PCNs, é possível inferir que, em ambas as disciplinas, as propostas de dança são pautadas em Rudolf Laban, e indicam que os fatores de movimento espaço, tempo, peso e fluência, bem como a importância das atividades lúdicas nas aulas de dança, são percebidos em ambas as áreas de conhecimento: Artes e Educação Física. Dessa forma, conheceremos alguns caminhos de abordagem pautados nas etapas de desenvolvimento psicomotor da criança e pistas para práticas em sala de aula.
O ciclo I do ensino fundamental é marcado pela alfabetização da criança, que adquire os recursos da leitura e da escrita como maneira de expressão e de interação com o mundo. Nesse mesmo período, há um aprofundamento dos estudos das figuras geométricas, auxiliando na construção dos conceitos de tamanho, volume e espaço. Esses dois elementos trazem grande transformação na maneira como a criança compreende a si e ao mundo. As abordagens podem se tornar mais complexas (não mais difíceis) com a aquisição de recursos de leitura do indivíduo e do ambiente.
Nesse ciclo, é importante a retomada e o refinamento de todo o trabalho que foi realizado durante a educação infantil, uma vez que, no ensino fundamental I, busca-se ampliar a sensibilidade e compreensão do entorno, relacionando esse aprendizado à dança e permitindo à criança compreender as nuances da arte.
O aumento da complexidade da mobilidade e segmentação corporal marcam o ensino fundamental I com movimentos mais variados (DAMASIO, 2000). Por isso, algumas ações, como enrolar, desenrolar, torcer, inclinar, rolar, cair, subir e descer em espiral, podem ser adicionadas às práticas e estimuladas a ganhar variações por meio de exercícios investigativos. O professor pode exigir precisão de movimento e isolamento de partes do corpo.
As ações vão se tornando mais complexas e é possível lançar mão de movimentos a partir de um determinado membro com indicações, como empurrar, afastar, escovar, deslizar, esfregar, desenhar e pontuar.
Nas aulas de balé, por exemplo, essas ações podem ser construídas com os pés no solo. Ainda é bastante válido estimular a criança a explorar todos os níveis e realizar tais ações usando as mãos e produzir o movimento no solo ou usar os pés e produzir os movimentos no ar, ampliando a percepção tridimensional do espaço. Para aumentar o desafio, proponha a mudança de nível com deslocamento em um percurso definido.
Para conquistar o equilíbrio, estimule as crianças ao desequilíbrio por meio de exercícios sobre um pé só. Primeiro, faça as práticas estáticas e, em seguida, em deslocamento. Experimente também o equilíbrio com uma parte do corpo fora do eixo vertical. Com essas atividades, o professor coloca os alunos em situação de desequilíbrio, para que estes possam encontrar o equilíbrio mais estável.
Melhorar a capacidade de perceber o corpo no espaço a partir do espaço próprio, espaço periférico e espaço projetado (DAMASIO, 2000). O espaço tem uma série de características que devem ser exploradas pelo professor em atividades de sala de aula.
Direções: é possível propor mudanças de direção globais, ou seja, em que o corpo todo se move em uma determinada direção. O professor também pode indicar a mudança de direção a partir de uma parte do corpo, ou seja, uma parte do corpo inicia o movimento deslocado e todo o corpo responde em seguida. Por exemplo, a mão estica à frente e, em seguida, o corpo inteiro segue a mão, proporcionando um deslocamento à frente. Exercícios com oposições são propostas um pouco mais complexas que devem ser desenvolvidas com as crianças. Nelas, uma parte do corpo se direciona para um sentido e todo o corpo se move para outro, como apontar para frente e se deslocar para trás.
Orientações: experimente propor variadas mudanças de direções e combinações entre dois pontos, como trajetos em diagonal, linha reta, círculo e ziguezague. Nessa fase, a criança pode inventar e memorizar uma série de sequências e combinações entre essas orientações.
Forma e volume: o uso de objetos que remetem a formas geométricas e o estudo delas em três dimensões auxiliam o aprendizado de volume dos objetos. Trabalhar com esses objetos em relação ao corpo da criança faz com que ela melhore sua imagem corporal e a consciência da sua forma e volume. Com bolas grandes, bastões, tecidos e tubulares é possível criar memória de movimento (DAMASIO, 2000) e estimular a percepção da forma e volume corporal.
Ritmo: estimular a habilidade de o aluno encontrar o andamento da música (pulsação das bastidas) com alguma parte do corpo, como palmear ou marcar com o pé, adiciona a capacidade de dobrar ou dividir a pulsação. Ensinar noções de ritmo é sempre um desafio, e para deixar o conteúdo acessível é sempre interessante trazer o conceito para o corpo ou utilizar um recurso visual.
Tipos de movimento: no ensino fundamental, busca-se ampliar as investigações das qualidades de movimento a partir da associação e alternância dos repertórios motores. Explorar os movimentos de contraste como forte/suave, rápido/lento, movimento/pausa e suspensão/queda leva os alunos a ampliarem suas qualidades de movimento.
Improviso: de acordo com Damasio (2000), a experimentação dá à criança a capacidade de aprender a partir de suas próprias descobertas, estimulando a autoconfiança e a iniciativa em futuros cidadãos autônomos. A improvisação também permite que o aluno se aproprie do conhecimento de maneira criativa e desdobre o movimento e a técnica com originalidade.
No entanto, é importante ressaltar que soltar o aluno na sala sem um plano e orientações definidas não estimula a improvisação, e sim o caos e a desorganização. As orientações e os objetivos estipulados pelo professor devem ser claros e responder a um plano maior. Para Damasio (2000), é importante que, ao final de cada improvisação, uma dança seja estruturada para amadurecer o trabalho desenvolvido ao longo da aula e usá-la de instrumento para refinar a expressividade.
O bailarino e analista do movimento Hubert Godard (1994, p. 73) acredita que “o desenvolvimento motor de uma criança no despertar e na iniciação, com o objetivo de dominar uma técnica, será melhor se ela explorar o conjunto do registro gestual humano, ao invés de repetir o gesto técnico em si”.
Nesse sentido, se os movimentos forem aprendidos através de uma relação afetiva com o gesto, além de ampliarem a capacidade expressiva da crianla, também faz com que ela inclua essas ferramentas como recurso de comunicação em todos os âmbitos da sua vida.
Todas essas práticas devem respeitar a singularidade de cada corpo e entender que não existe uma estética padrão esperada. Ao contrário, cada corpo tem algo único a dizer, por isso elas devem ser adaptadas para os alunos com deficiência sem que o conteúdo seja facilitado ou simplificado. O professor deve desenvolver o mesmo princípio e conhecimento com todos os alunos, mesmo que os caminhos para conquistar o movimento sejam diferentes para cada um.
De maneira geral, as práticas são processos que devem ser constantemente repetidos, pois, dessa forma, a criança pode revisitar esses conteúdos e amadurecer seus processos e caminhos próprios.
BATALHA, C. S.; CRUZ, G. B. da. Ensino de dança na escola: desafios e perspectivas na visão de professores. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 19, n. 62, p. 1273-1296, jul./set. 2019.
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