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Como desenvolvemos essa linguagem?
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Você deve conhecer pessoas com diferentes níveis de proficiência na comunicação oral. Não são raras as situações em que admiramos a eloquência, a grandiosidade do discurso de alguém. Isso significa que a linguagem oral é passível de desenvolvimento – e desenvolvimento, como já vimos, é algo que ocorre em etapas que se aprofundam ou se complexificam.
Ora, o mesmo não ocorre com a língua escrita? Certo é que nem todas as pessoas são grandes escritoras e que é preciso muito empenho, tempo e construção de aprendizagens para se desenvolver como tal.
E se pensarmos nas linguagens artísticas? Em quanto tempo e como se desenvolve um grande pintor ou um músico de excelência?
Podemos concluir, então, que todas as linguagens são desenvolvidas. Isso quer dizer que sempre é possível aprimorar-se nelas.
E a linguagem corporal? Bem, ela certamente se insere na mesma lógica: como as outras linguagens, também essa é fruto de desenvolvimento.
Mas, afinal, como se desenvolve essa linguagem?
Para se desenvolver na expressão corporal, é preciso ir além do que já se sabe nesse campo. Sendo assim, a partir de situações significativas que proponham desafios, supera-se os conhecimentos prévios para se construir novas aprendizagens.
Ao entender o movimento como linguagem, é preciso ter em mente que sua produção não é fruto de aptidões inatas, mas de um processo que se desenvolve a partir de problematizações e trocas entre o que já se sabe e novos conhecimentos.
No entanto, não basta memorizar uma série de movimentos, como se o acúmulo de informações garantisse o aprendizado. Para que, de fato, haja desenvolvimento nessa linguagem (assim como nas demais), é preciso que o sujeito construa conhecimentos e que estes passem a fazer parte de seu repertório pessoal.
Essa concepção contraria o chamado princípio de aprendizagem aditiva:
[...] o/a aluno/a começa aprendendo pequenas partes que reúne em conjuntos maiores; depois, constrói significados cada vez mais complexos e, finalmente, procura empregá-los nas situações cotidianas. [...] Inversamente à postulada “sequência” do simples ao complexo, preferimos um procedimento que coloca o/a aluno/a desde o primeiro momento, diante de uma tarefa complexa, global e completa, em semelhança ao que acontece nas atividades autênticas da vida social. [...] Em resumo, em lugar de propor um crescimento gradativo, o processo de ensino tem início com aproximação intencional dos alunos da manifestação da cultura corporal no contexto da prática social.
É por isso que, na sequência exposta, não se apresenta isoladamente cada articulação ou movimento previamente indicados, mas, a partir da exploração proposta, é possível posteriormente tecer uma reflexão sobre os elementos criados e vivenciados.
Depois de ter vivenciado a sequência de expressão corporal, que outros movimentos e situações você poderia criar, para elaborar uma nova sequência?
Vamos, agora, aprofundar nosso conhecimento acerca das possibilidades de desenvolvimento da linguagem corporal.
Quando pensamos na linguagem corporal, estamos adentrando a dimensão expressiva do movimento. Na seção anterior, vimos que movimentar-se é prazeroso e agora iremos refletir sobre como o movimento pode ser uma via de expressão e comunicação.
Para desenvolver-se na expressão corporal – assim como em todas as outras linguagens –, é preciso praticar, exercitar-se e construir aprendizagens significativas a partir de situações desafiadoras.
Para começar, é preciso saber quais conhecimentos se tem nesse campo, pois é a partir dos conhecimentos prévios que se podem pautar os objetivos de aprendizagem e se pode elaborar as estratégias para alcançá-los.
Isso vale para o trabalho de corpo e movimento com as crianças, mas vale também para o seu desenvolvimento nessa linguagem. Assim, sabendo qual é sua própria bagagem no campo da expressão corporal, você pode trilhar um percurso de aprofundamento no desenvolvimento dessa linguagem. Sempre há o que aprender, o que avançar, o que aprimorar. Até mesmo pessoas muito experientes e com grande prática corpórea se beneficiam de novos desafios, continuam se exercitando e pesquisando novas possibilidades para seguir se desenvolvendo.
Somando-se ainda a exploração e a pesquisa de movimentos expressivos, verifica-se que diferentes possibilidades de movimento vão, aos poucos, formando e complexificando o vocabulário corporal individual, bem como os repertórios que a dança e a ginástica já acumularam, contribuindo para a organização e a sistematização do saber sobre as linguagens do corpo que, nesse caso, contêm um duplo caráter. Segundo Bracht (1997), um saber que se traduz por um “saber-fazer” e um “saber-sobre” esse realizar corporal, ambos proporcionados pela prática da ginástica e da dança. Queremos dizer com isso que há dimensões da aprendizagem relacionadas às linguagens corporais que somente são passíveis de serem propiciadas pela execução de gestos, pelo ato de movimentar-se e de expressar-se e que, portanto, dificilmente podem ser descritas, explicadas ou racionalizadas. É assim que, retomando Bracht (1997), podemos falar em uma tentativa de ampliação do conceito de linguagem corporal como sendo aquele que não é nem só pensamento, nem só movimento, mas “movimento-pensamento”.
Você se considera proficiente nessa linguagem?
Por quê?
Consideramos muito pertinente a ideia das autoras de “movimento-pensamento”. De fato, apesar de concordarmos que se aprende sobre o corpo com o corpo, não basta se movimentar de qualquer jeito para se desenvolver nessa linguagem. Para ficar mais claro, vamos fazer um paralelo com a linguagem oral: é evidente que se aprende a falar falando! No entanto, conhecemos diversas pessoas que não têm um grande desenvolvimento oral, ainda que tenham falado a vida toda. Isso ocorre porque, para haver aprendizagem e, logo, desenvolvimento, é preciso problematizar os conhecimentos prévios e, de certa forma, superá-los, a fim de alcançar patamares mais avançados, mais profundos. Voltando para a linguagem corporal, é preciso ir além dos movimentos e gestos corriqueiros para buscar outras formas de se expressar nessa linguagem. É por isso que:
[...] a criança aprende a utilizar a dança como comunicação e expressão – para dizer de si mesma e do mundo - a partir de um trabalho intencional, sistematizado, de situações desafiadoras em torno dessa vivência, do contato com a multiplicidade de danças e dos relacionamentos estabelecidos no ato de dançar.
Em matéria da revista Nova Escola (PAULINA; SANTOMAURO, 2008), sobre o ensino da educação física, João Batista Freire, pesquisador da Universidade Estadual de Santa Catarina, faz um paralelo semelhante, chamando o trabalho com o movimento na escola de “alfabetização corporal”. Segundo seu depoimento para a reportagem:
Existe um vocabulário motor, uma 'fala' do corpo, e é possível fazer a turma avançar apresentando novas experiências e propostas de ação". Assim, uma ampla gama de atividades deve ser proposta para os alunos ampliarem seu repertório de vivências.
Você vai conhecer agora uma sequência de exercícios de expressão corporal.
Sempre que nos movimentamos, é preciso aquecer o corpo.
Tire seus sapatos e caminhe normalmente pelo espaço, explorando diferentes direções.
Se você teve a oportunidade de vivenciar, na prática, essa sequência, deve ter percebido o quanto as imagens ajudam a explorar diferentes movimentos com o corpo. Quando “visualizamos” essas imagens, libertamo-nos da busca pelo resultado – se está bonito, se está “correto” –, o que nos permite expressar com o corpo de forma mais espontânea e verdadeira.
Você compreenderá que esse mesmo recurso de utilizar imagens para explorar o movimento é usado para trabalhar a expressão corporal com as crianças, mas de forma mais lúdica.
Para ampliar seu repertório pessoal de movimentos, veja alguns exemplos de movimentação livre realizada por bailarinos nos vídeos Dança contemporânea – coreografia Sonho (DANÇA..., 2015) e IMPROVISAÇÃO –Expressão corporal – (Dança) (IMPROVISAÇÃO, 2015).
Perceba que, apesar de serem profissionais, os movimentos não requerem habilidades físicas específicas.
A Base Nacional Comum Curricular apresenta como um dos direitos de aprendizagem das crianças na educação infantil: “Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens” (BRASIL, 2017, p. 38). Por ser o movimento, como vimos na Unidade 1, uma linguagem, este deve ser contemplado nas práticas educativas nessa etapa da educação, de modo a contribuir para o pleno desenvolvimento da corporalidade como forma de expressão das crianças na escola e fora dela.
Finalizamos agora o estudo da dimensão expressiva do movimento. Por meio dos conteúdos estudados pudemos relacionar o conhecimento teórico a práticas possíveis de desenvolvimento dentro do contexto educacional. Na próxima seção finalizaremos o estudo das três dimensões, contemplando, assim, a dimensão estética.
A DANÇA dos Passarinhos – A Fazenda do Zenon 1 | O Reino das Crianças. [S.l.:s.n., s.d.]. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal O Reino Infantil. Disponível em: https://bit.ly/3g2yqgA. Acesso em: 26 maio 2020.
BERGE, Y. Viver o seu corpo: por uma pedagogia do movimento. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2ByXs8x. Acesso em: 25 maio 2020.
BRASILEIRO, L. T.; MARCASSA, L. P. Linguagens do corpo: dimensões expressivas e possibilidades educativas da ginástica e da dança. Pro-posições, Campinas, v. 19, n. 357, p. 195-207, dez. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3aBzV4c . Acesso em: 25 maio 2020.
BREGOLATO, R. A. Cultura Corporal da Dança. 3. ed. São Paulo: Ícone, 2007.
CABEÇA, ombro, joelho e pé | canções infantis | LittleBabyBum. [S.l.:s.n., s.d.]. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Little Baby Bum em português. Disponível em: https://bit.ly/3kVBmiN. Acesso em: 26 maio 2020.
CARMO JÚNIOR, W. A brincadeira de corpo e alma numa escola sem fim: reflexões sobre o belo e o lúdico no ato de aprender. Motriz. Rio Claro, v. 1, n. 1, p. 15-24, jun. 1995.
DANÇA Contemporânea – coreografia Sonho. [S.l.: s.n.], 2015. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Grupo Talentos Oficial. Disponível em: https://bit.ly/2VhQegm. Acesso em: 25 maio 2020.
DVD Turminha da Natureza – Funk do Caramelo – Vem dançar com a gente! [S.l.:s.n., s.d.]. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Turminha do Caramelo. Disponível em: https://bit.ly/2CCeJyu. Acesso em 26 maio 2020.
FOLHINHA. Mapa do brincar. Folha de São Paulo, 2009. Disponível em: https://bit.ly/3178sUN. Acesso em: 20 maio 2020.
IMPROVISAÇÃO – Expressão corporal – (Dança). [S.l.: s.n.], 2016. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Olivetree. Disponível em: https://bit.ly/2CG5FZc. Acesso em: 25 maio 2020.
KING KONG E SEU KONGUINHO. [S.l.: s.n., s.d.]. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Atchim e Espirro. Disponível em: https://bit.ly/3g2xokI. Acesso em: 26 maio 2020.
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