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NÃO PODE FALTAR

Relações entre oralidade e escrita

Fabiana Costa Dias

Prática social de linguagem

Enquanto prática social interativa, a oralidade se apresenta sob várias formas de gêneros textuais.

Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

Caro aluno, nesta seção discutiremos questões relevantes sobre a oralidade e sua relação com a escrita. Você deve se lembrar das concepções de linguagem que estudamos anteriormente e como a linguagem constrói a nossa identidade. Uma das concepções que vimos foi a linguagem enquanto processo de interação. Você perceberá, nesta seção, que essa é a concepção que embasará nossas futuras discussões, pois a oralidade é vista aqui como prática social interativa.

E como a oralidade se manifesta? Esse é um ponto nada trivial para pensarmos como os atos de linguagem oral acontecem no social. A oralidade se apresenta sob vários gêneros textuais, dentro e fora da escola, e é a partir deles que estudaremos a oralidade e a sua relação com a escrita.

Se consideramos que a linguagem acontece por meio dos gêneros textuais, não podemos deixar de fora as novas mídias e o modo como nos relacionamos com elas na produção de textos orais. Computadores, celulares, tablets e afins nos acompanham, assim como os alunos do Ensino Fundamental, em muitos afazeres diários, seja nos estudos, no trabalho ou no lazer; então, precisa fazer parte do cotidiano escolar pensar em textos orais que circulam por esses dispositivos, permeados por mídias multimodais, que mesclam recursos orais, verbais e visuais.

E quais textos orais são produzidos nessas e por essas novas mídias? Esta seção permitirá que você reflita sobre a produção de gêneros textuais também nos espaços midiáticos, observando que há fatores determinantes no modo como os textos são produzidos, por exemplo quem elabora, onde circula e quem é o ouvinte esperado.

Você verá, também, que pensar a oposição oralidade/escrita é insuficiente para analisarmos como essas modalidades funcionam nas práticas de sala de aula e, também, sociais. Será que é possível – e suficiente – considerarmos que a linguagem é oral ou escrita? Como as diferentes manifestações de oralidade nos permitem pensar que lidamos com várias oralidades nos diferentes suportes, midiáticos ou não?

Responderemos juntos a essas perguntas. Bom estudo!

Sabemos que a oralidade na escola nem sempre ocupa um lugar de destaque e, muitas vezes, é considerada uma modalidade menor, que funciona como prévia para atividades escritas. Dadas essas informações, imagine que você esteja participando de uma reunião com a equipe gestora da escola, junto a outros professores, e a coordenação pedagógica expõe que um pai de aluno solicitou uma conversa para relatar que algumas das aulas eram apenas de bate-papo, sem o cumprimento do conteúdo, pois não encontrava registros escritos do que havia sido ministrado.

Alguns professores, frente a essa colocação, posicionaram-se dizendo que priorizavam a escrita em detrimento das atividades de oralidade e que, mesmo após a leitura de uma obra literária na Educação Infantil, era pedido um desenho como registro da atividade oral. Outros disseram que a oralidade gerava indisciplina e era de difícil controle na troca de turnos da conversa, por isso quase não realizavam atividades de oralidade em sala de aula. Outros, ainda, do Ensino Fundamental, afirmaram que todas as semanas executavam atividades orais nas aulas: os alunos liam em voz alta algum texto ou cantavam uma música.

A coordenadora solicitou que você se posicionasse frente a esse relato. Quais argumentos você utilizaria para defender o seu ponto de vista? Como a fala dos colegas pode servir de subsídio para o seu posicionamento? Sustente seus argumentos em evidências científicas atuais, estudadas nesta seção, advindas de áreas de conhecimento que favorecem o processo de ensino e aprendizagem da oralidade.

Esta seção permitirá que você adquira subsídios para planejar práticas pedagógicas de oralidade e construa argumentos para discutir com colegas sobre as práticas da linguagem oral na escola e fora dela, a partir de estudiosos sobre oralidade na atualidade. Bons estudos! 

conceito-chave

Caro aluno, após conhecermos as concepções de linguagem, refletiremos sobre as relações existentes entre a oralidade e a escrita e verificaremos como as novas mídias afetam a nossa produção linguageira social.

Você já deve ter ouvido falar da influência da oralidade nos textos escritos, e é por essa reflexão que começaremos. Como essa influência acontece? A oralidade oferece recursos para o texto escrito? A oralidade aparece por meio de marcas indevidas na escrita?

Para começarmos a responder a essas questões e elaborarmos outras, vamos nos embasar nos estudos de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Esses autores são professores e pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, e grandes estudiosos do ensino da linguagem oral e escrita; além deles, citaremos duas pesquisadoras brasileiras, Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, que traduziram para o português alguns textos de bastante importância para essa área, os quais foram reunidos em um livro referência para a formação de professores e concursos: Gêneros orais e escritos na escola, de 2004. Esse livro constitui uma das bases desta seção.

PRÁTICA SOCIAL DE LINGUAGEM

Schneuwly (2004) afirma que a relação entre a oralidade e a escrita acontece de maneiras muito diversas. Um texto oral, para ele, pode estar bem próximo da escrita, como acontece com as exposições orais e os teatros, ou pode estar distante, como os debates e as conversas cotidianas. Assim, você pode perceber que não há uma única forma de pensar a oralidade. Inclusive, esse autor afirma que não existe o “oral”, mas os “orais”.

Reflita

As atividades de oralidade ocupam qual lugar na escola nos anos iniciais? Há atividades que são exclusivamente orais na escola ou elas servem como pano de fundo para as atividades escritas? Se Schneuwly (2004) afirma que não há “oral”, mas “orais”, como opor oralidade e escrita?

Dadas essas colocações, você já deve ter observado que falar de oralidade é falar de prática social de linguagem, que se constrói no momento dessas práticas e se reorganiza também por elas. Enquanto prática social interativa, a oralidade se apresenta sob várias formas de gêneros textuais. Na escola, por exemplo, escutar a fala de professores e de colegas, respeitando o turno de fala e observando os elementos não linguísticos presentes nesse ato de linguagem, como gestos, movimentos, expressão corporal e tom de voz; escutar apresentações de trabalhos realizados pelos colegas, elaborando perguntas; expor trabalhos ou pesquisas em sala de aula.

No cotidiano social, temos a conversação espontânea, a conversação telefônica, as entrevistas pessoais, as entrevistas no rádio ou na TV, os debates, os noticiários de rádio ou TV e a narração de jogos esportivos, que são exemplos da prática da linguagem oral, entre outros.

Exemplificando

Um exemplo de funcionamento distinto de textos orais, concordando com o deslocamento de “oral” para “orais” apontado por Schneuwly (2004), é considerar uma aula gravada para uma unidade deste livro ou uma aula presencial sobre o mesmo conteúdo aqui trabalhado. Perceba que são “o mesmo gênero” – aula – e que, mesmo sendo nomeados da mesma maneira, movimentam formas diferentes de oralidade.

Um sermão religioso proferido oralmente por um padre tem características distintas de uma conversa de vídeo por plataformas de videochamadas on-line, por exemplo. São gêneros orais e, assim como os gêneros de escrita, possuem particularidades diferentes.

A oralidade é anterior à escrita e à gramática, que surgiu a fim de que se investigassem as regras da escrita.

Bagno (2002, p. 54-55) defende que a língua falada é a língua aprendida nos primeiros anos de vida, a partir do contato com a família e com a comunidade, “é o instrumento básico de sobrevivência”; já a língua escrita é artificial, obedece a regras rígidas, exige treinamento e memorização.

Marcuschi (2010) tem opinião semelhante à apresentada, pois, para ele, a fala é adquirida em contextos informais no dia a dia pelas relações sociais, inicialmente com os que lhe são próximos; em contrapartida, a escrita é adquirida no contexto formal da escola, por isso é considerada um bem cultural.

Acrescentamos que estudar oralidade e trabalhar com ela em sala de aula vai além da definição do que é oralidade ou, ainda, pensar a polarização texto oral e texto escrito é lidar com gêneros textuais. Trabalhar com oralidade é trabalhar com os mais variados gêneros textuais orais que permeiam nossa relação com os atos de linguagem; é pensar que cada gênero oral tem sua particularidade, funciona de maneira distinta e circula em espaços diversos.

O QUE É GÊNERO TEXTUAL?

Há uma definição clássica, elaborada por Bakhtin (2003, p. 262, grifos do autor), que afirma que “cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso”, ou seja, “gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados”. É a partir da noção de gênero que trataremos a oralidade e sua relação com a escrita.

Assimile

Você sabe a diferença entre tipos textuais e gêneros textuais?

Abreu (2008) apresenta uma distinção que pode ajudar você a entender melhor. Para ele, os tipos textuais são apenas quatro:

  • Narração: relato de um acontecimento, de um evento.
  • Argumentação: relacionada à defesa de ideias.
  • Descrição: impressões sobre um cenário, uma paisagem, uma pessoa etc.
  • Injunção: ordenação, pedido, condições, como os avisos de proibições, as sentenças jurídicas, as ordens de pagamento, os cumprimentos etc.

Quanto aos gêneros textuais, Abreu (2008) explica que são infinitos e possuem regras próprias. Alguns exemplos de gêneros textuais que circulam na sociedade: pronunciamentos políticos, aulas, mensagens digitais, monografias, teses, sentenças, reportagens, anúncios, horóscopo, vídeos, filmes, áudios de redes sociais, postagens, receitas etc.

Bazerman (1994 apud MARCUSCHI, 2011, p. 18) diz que “gêneros são o que as pessoas reconhecem como gênero a cada momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização ou regularização. Os gêneros são rotinas sociais do nosso dia a dia”. Os gêneros mudam de acordo com a sociedade em que eles funcionam. Telex e telegramas, por exemplo, são gêneros extintos na nossa sociedade.

Vale relembrar que a língua é um fato social que permeia todas as nossas ações linguageiras. Usamos a língua para a produção da linguagem oral e escrita, porém mais importante do que pensarmos na oposição oralidade e escrita é considerarmos que os atos de linguagem oral são distintos:

  • Falar em uma live é diferente de falar para um público presencial.
  • Gravar um áudio no WhatsApp é diferente de falar ao telefone.
  • Participar de uma reunião com a equipe gestora da escola é diferente de participar de uma reunião com os pais dos alunos.

Com isso, estamos exemplificando que a oralidade (e a escrita) só existe enquanto gênero textual e o mesmo gênero funciona de maneira distinta: gênero aula presencial e on-line, gênero reunião equipe gestora e pais, e mesmo aula presencial (ou qualquer outro gênero) possui as suas particularidades. Lembra-se da definição de gêneros textuais por Bakhtin? São “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, são relativos.

Marcuschi (2011) traz uma importante reflexão sobre isso. Ele destaca que muitos se fixam na estabilidade dos gêneros, naquilo que se repete, que possibilita a classificação dos textos, mas se esquecem de que “o gênero é essencialmente flexível e variável, tal qual seu componente crucial, a linguagem” (MARCUSCHI, 2011, p. 19).

TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO CONTEXTO ESCOLAR

Os gêneros textuais constituem um objeto bastante usado nas escolas. A pesquisadora Adriana Silva (2013) faz uma importante crítica sobre a difusão do trabalho com gêneros textuais na escola a partir da definição de gênero proposta por Bakhtin, inclusive dos materiais oficiais que, nas suas indicações para o professor, ressaltam a importância de levar para a escola os mais variados gêneros. O que incomoda essa autora é que não se discute, de fato, o que é um gênero, tal qual propõe Bakhtin, pois, se gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciado”, falta explicar o que é um enunciado.

Para você entender essa crítica, retomaremos a explicação sobre enunciado concreto que Silva (2013) apresenta. Ela diz, a partir de Bakhtin, que o enunciado concreto “é um todo formado pela parte material (verbal e visual) e pelos contextos de produção, circulação e recepção” (SILVA, 2013, p. 49). A produção nos permite refletir sobre quem é o escritor ou o falante do texto, quais outros textos ele já produziu, de que lugar ele fala, etc.; a circulação é a responsável pelos questionamentos sobre onde esse texto circulará, o que se sabe a respeito desse lugar de circulação; já a recepção nos permite pensar sobre quem receberá o texto, a quem se destina, o que é sabido sobre esse leitor/ouvinte.

Você reparou como a noção de enunciado concreto faz toda a diferença para pensarmos o gênero textual na escola? 

Mais do que trabalhar a estabilidade dos gêneros, é importante mostrar para os alunos que aquele que produz o texto, as circunstâncias em que esse texto é produzido, quem vai ler ou ouvir e de que lugar são elementos cruciais para a criação de determinado gênero. Conforme aponta Marcuschi (2011, p. 25), “a teoria dos gêneros não serve tanto para a identificação de um gênero como tal e sim para a percepção de como o funcionamento da língua é dinâmico e, embora sempre manifesto em textos, nunca deixa de se renovar nesse processo”.

Explicada a questão dos gêneros, retomaremos a relação da oralidade com a escrita, modalidades essas pensadas enquanto gêneros.

ATIVIDADES DE ORALIDADE

Você já deve ter se deparado com o modo como as atividades de oralidade são tratadas por algumas escolas, como inferiores à escrita, como práticas dispensáveis, difíceis de organizar ou até mesmo geradoras de indisciplina. Tizioto (2013, p. 50) critica essa postura e diz que “essa discussão oral constrói um espaço de significações que poderá sustentar a escrita de sujeitos-escolares, e é um diferencial nas condições de produção discursiva”. Perceba que a autora está falando sobre as discussões orais, e não apenas de leituras de livros em voz alta ou outras atividades que oralizam textos escritos. Essa é uma distinção importante, pois o que você considera como práticas de oralidade é determinante para o modo como se ensina essa modalidade.

Há autores bastante enfáticos nessa questão da oralização, como Dolz e Schneuwly (2004). Para eles, recitações de poemas, performances teatrais e leitura para os outros não são gêneros orais em si, mas oralização da escrita. Na prática, então, o que seria uma atividade de oralidade em contraponto a uma atividade de oralização da escrita?

Você conhece a autora de livros e peças infantis Sylvia Orthof? Dentre a vasta publicação dessa escritora, há um livro intitulado Manual de boas maneiras das fadas. Esse livro conta a história inusitada de uma fada, a Fofa, que foge de todos os padrões preestabelecidos. De maneira poética, Sylvia Orthof (2004) narra as peripécias da fada:

Eu sou uma fada deseducada,
um pouco feiticeira,
minha varinha de condão 
tem cabo de vassoura!
Sou ruiva de tão loura,
gorducha e debochada.
Não sei de etiquetas,
dou minhas piruetas,
e minha escrita
é feita de risadas!
ABRACADABRA! 

(ORTHOF, 2004, [s.p.])

Se a atividade em sala de aula se restringisse à leitura desse texto, teríamos o que Dolz e Schneuwly (2004) chamam de oralização da escrita. Para alcançarmos a oralidade, podemos organizar uma discussão sobre o texto lido que vá além, inclusive, de recontar a história. Essa é uma produção de gênero oral. Como nos apresentam as pesquisadoras Lucília Romão e Soraya Pacífico, a discussão poderia propor uma reflexão sobre a figura da fada Fofa, que é diferente da figura clássica. Elas dizem que, atualmente, a exposição à mídia faz com que as crianças tenham acesso a personagens que não falam dentro de padrões linguísticos, que estão fora de padrões de beleza ditados pela sociedade de consumo e que em nada se parecem com os personagens do “era uma vez”.

E é dessa forma que Sylvia Orthof apresenta sua fada, muito diferente daquelas fadas lindas, arrumadas, cujo chapéu tinha no alto o brilho e a magia da estrela, enfim, dos seres mágicos que organizavam a casa, a roupa, a carruagem, tudo em um minuto, bastava balançar a varinha de condão. A fada de que estamos falando é muito travessa e engraçada, justamente porque desarruma os sentidos óbvios e esperados. 

(ROMÃO; PACÍFICO, 2010, p. 71)

Perceba quantos sentidos possíveis podem ser discutidos pela leitura desse texto, instigando nos alunos questões relevantes para se pensar o cotidiano, a partir do contexto social, cultural, econômico e político em que a escola se encontra.

A pluralidade de leituras deve ser uma prática recorrente na escola, no sentido que nos apresenta Orlandi (2008), isto é, não apenas a leitura de vários textos, mas ler o mesmo texto de várias maneiras, pois é assim que a leitura estabelece o processo de significação.

Levar para a discussão imagens de fadas clássicas, vídeos do YouTube com contos de fadas ou até mesmo podcasts que narrem histórias infantis são recursos midiáticos que permitem uma pluralidade de leitura e alimentam a discussão proposta. O gênero discussão oral basta, por si só, sem a necessidade de finalizar com atividades de escrita, pois coloca o aluno no centro da aprendizagem, de forma ativa, e possibilita o desenvolvimento da argumentação, de forma a respeitar e promover os direitos humanos, por exemplo.

Se há a necessidade de se produzir um texto escrito tendo como suporte o texto oral, saiba que são manifestações de linguagem diferentes e que uma não está em oposição à outra, que a escrita não é transcrição da fala, tampouco é formal em detrimento de uma informalidade na fala. Muito se diz sobre as influências da oralidade na escrita, sobretudo em relação às marcas de oralidade no texto escrito: daí, né, tá, além de expressões “informais”, que são consideradas da oralidade. A escola é o espaço em que as características da escrita e da oralidade são aprendidas, pelos mais diferentes gêneros, nas mais diferentes linguagens. Podemos afirmar, ainda, que a oralidade pode influenciar a escrita também de forma positiva, pois discussões e debates travados na oralidade podem servir de argumentos para um texto bem escrito.

Utilizar diferentes linguagens, incluindo orais, “para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2017, p. 9), é uma das competências gerais descritas pela BNCC para a Educação Básica, assim como utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista nos diferentes campos, como direitos humanos, consumo consciente e consciência socioambiental, atentando para questões do mundo contemporâneo, é uma das competências que o documento apresenta para a área de Linguagens no Ensino Fundamental.

Foco na BNCC 

O eixo da oralidade é descrito pela BNCC como aquele que contempla as práticas de linguagem que se dão em situação oral, que podem ser face a face ou não:

Aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de games, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras. (BRASIL, 2017, p. 78-79)

Autor da citação

Rádio, TV, jornais e revistas, como você bem lembra, foram mídias muito usadas na sala de aula em tempos anteriores. Hoje, as novas mídias, que mesclam recursos orais, verbais e visuais, estão ocupando espaços que ultrapassam o uso apenas cotidiano. Por isso, você deve pensar em práticas que tenham essas mídias como suporte, seja assistir a um canal digital com programa de literatura infantil, programas com instruções de jogos e brincadeiras ou vlog infantil de críticas de livros de literatura infantil e produzir sinopses de livros, tutoriais de jogos e resenhas digitais em áudio e vídeo.

Todas essas práticas precisam sustentar que a escola é o lugar em que o preconceito linguístico precisa ser combatido, tanto na oralidade quanto na escrita. Discutir com as crianças em sala de aula textos falados e ouvir canções das mais variadas regiões do país são práticas que permitem desenvolver o respeito às variedades linguísticas, por meio das novas mídias.

Esses modos de compreender a linguagem oral oferecem a você subsídios para considerar a oralidade uma prática social interativa. Para você, qual é a função da escola no ensino da oralidade? Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que os alunos dominam bem as formas cotidianas da produção oral e que caberia à escola ensinar para além das produções cotidianas, mas oferecer formas mais institucionais, mediadas e parcialmente reguladas, como os gêneros formais públicos.

Toda essa possibilidade de trabalho com a linguagem oral na escola e todo esse suporte teórico-científico permitem que seus argumentos sejam sustentados por evidências científicas atuais advindas das diferentes áreas de conhecimento, que favorecem o processo de ensino e aprendizagem. Neste momento, você já deve ter reforçado a ideia de que a oralidade é imprescindível para o trabalho com a linguagem em sala de aula e, se bem planejada, constitui um objeto de aprendizagem riquíssimo para as práticas pedagógicas na escola, e a própria BNCC prevê isso.

A BNCC e o trabalho com as linguagens

A BNCC (BRASIL, 2017), como você já deve ter estudado, é um documento oficial, de caráter normativo, que direciona toda a formulação de currículos escolares, ou seja, não podemos estudar oralidade e suas relações com a escrita sem passar por este documento. Dentro do componente curricular de Língua Portuguesa, na área de Linguagens, no Ensino Fundamental, há os chamados eixos de integração, que correspondem às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção e análise linguística.

É pelo eixo da oralidade que você planejará suas práticas pedagógicas com gêneros textuais orais, pressupondo atividades que visem ao desenvolvimento das competências previstas para a oralidade, sem perder de vista a relação que o sujeito estabelece com a língua, pois a linguagem constrói a identidade.

Você já verificou, também, que recursos midiáticos e tecnologias digitais, com todos os conteúdos virtuais e outros recursos tecnológicos, são ferramentas importantes para que os estudantes se sintam estimulados a ter uma atitude investigativa. Esses são requisitos importantes para todo o desenvolvimento do trabalho com oralidade na sala de aula.

Nesta seção, refletimos sobre as relações entre oralidade e escrita, considerando a oralidade como uma prática social interativa. E, como você viu, as práticas da linguagem oral acontecem via gêneros textuais, que circulam também pelas novas mídias, as quais mesclam recursos orais, verbais e visuais. Essa variedade de recursos, sobretudo quando tratamos de linguagem oral, pressupõe variedades linguísticas.

Faça valer a pena

Questão 1

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pressupõe a contextualização das atividades para que a aprendizagem se dê, considerando as práticas de linguagem como práticas sociais:

Como já ressaltado, na perspectiva da BNCC, as habilidades não são desenvolvidas de forma genérica e descontextualizada, mas por meio da leitura de textos pertencentes a gêneros que circulam nos diversos campos de atividade humana. Daí que, em cada campo que será apresentado adiante, serão destacadas as habilidades de leitura, oralidade e escrita, de forma contextualizada pelas práticas, gêneros e diferentes objetos do conhecimento em questão. (BRASIL, 2017, p. 75).

(BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3jCL6MT. Acesso em: 1º maio 2020.)

Tomando como referência os preceitos da BNCC e o autores trabalhados na seção, julgue as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas:

(  ) As atividades de oralidade na escola precisam ser pautadas em produção de textos orais, e não na reprodução de textos escritos, a chamada “oralização da escrita”.

(  ) As produções de textos escritos merecem maior destaque na escola, pois é o espaço onde os alunos podem exercer a argumentação.

(  ) A prática de linguagem escrita permite o conhecimento da língua formal, um maior rigor textual, o que não acontece na fala.

(  ) A oralidade é uma prática social e, como tal, se apresenta nas mais variadas formas, a partir de gêneros textuais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

Tente novamente...

Tente novamente...

Correto!

Os autores reforçam a questão de se produzir textos orais, e não apenas reproduzir os textos já existentes na escrita; esse é um ponto importante para pensarmos sobre o ensino da oralidade na escola. Dessa colocação, podemos refletir sobre as demais afirmativas: a linguagem oral, quando bem trabalhada, a partir da análise e elaboração de diferentes gêneros que circulam no social, permite a construção de textos argumentativamente bem elaborados e são uma fonte para o aprendizado da variedade formal da língua.

Tente novamente...

Tente novamente...

Questão 2

Entrevista com Ana Maria Machado, no site da Nova Escola:

Nova Escola: Como usar o livro na sala de aula?
Ana Maria: Com muita paixão. Quando o trabalho é feito com gosto, fica fácil descobrir a melhor forma de envolver a turma. É possível analisar o contexto da história, fazer um júri simulado, uma dramatização, um debate... Tudo vai depender da realidade de cada turma. Na Inglaterra existe um programa muito interessante. Num determinado horário, toda a comunidade escolar do porteiro à diretora pára o que está fazendo para ler. Cada um escolhe o assunto que quiser, ficção ou não-ficção. Quando acaba esse tempo, tudo volta ao normal.
Nova Escola: E não há nenhuma atividade depois?
Ana Maria: Não precisa. Ninguém lê para fazer prova. O resultado é que, espontaneamente, surgem inúmeras discussões sobre as histórias. Os níveis de leitura sobem e as pessoas passam a se expressar melhor.

(MACHADO, A. M. Entrevista concedida a Priscila Ramalho. Associação Nova Escola, 1º set. 2001. Disponível em: https://bit.ly/34BWIvy. Acesso em: 1º maio 2020.)

A escritora Ana Maria Machado apresenta um ponto de vista importante para pensarmos as práticas de oralidade na escola. Considerando o trecho da entrevista, avalie as afirmativas a seguir:

  1. A oralidade se apresenta sob forma de gêneros textuais, e o júri simulado e o debate são exemplos de gêneros.
  2. As discussões após a leitura de um texto na escola não fazem parte de atividades de oralidade.
  3. As atividades de oralidade na escola somente são válidas quando finalizam com textos escritos, validando o que foi produzido oralmente.
  4. Os debates orais gerados a partir da leitura de um texto na sala de aula possibilitam o desenvolvimento da argumentação.

Considerando o contexto apresentado, assinale a alternativa correta:

Correto!

Na afirmativa I, você pode verificar que o júri simulado e o debate são exemplos de gêneros textuais que se produzem na oralidade e possibilitam o desenvolvimento da argumentação, como afirmado no item IV. Vale ressaltar que não somente na oralidade, mas também na escrita, todos os textos se apresentam sob a forma de gêneros, tal qual define Bakhtin.

Diferentemente do que é colocado na afirmativa II, as discussões após a leitura de um texto constituem o gênero textual oral discussão e, por si só, bastam, enquanto atividades de linguagem na escola, sem precisar de uma atividade escrita para “comprovar” o que foi realizado, como coloca a afirmativa III.

Questão 3

Inúmeras produções circulam diariamente nas mídias. Essas produções são orais, verbais e visuais, contemplam diversos assuntos e são originadas dos mais variados gêneros textuais. Autores diversos discutem a importância de colocar os alunos em contato com os mais variados gêneros textuais, considerados tal qual a definição proposta por Bakhtin: “tipos relativamente estáveis de enunciados”.

A BNCC (BRASIL, 2017, p. 127) apresenta com uma das habilidades para o 4º ano do Ensino Fundamental, para o componente curricular Língua Portuguesa, o ato de “produzir jornais radiofônicos ou televisivos e entrevistas veiculadas em rádio, TV e na internet, orientando-se por roteiro ou texto e demonstrando conhecimento dos gêneros jornal falado/televisivo e entrevista”.

(BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2TEyEBD. Acesso em: 1º maio 2020.)

Com base nas discussões sobre o ensino da oralidade atrelado às novas mídias, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:

I. Considerar que os gêneros são “tipos relativamente estáveis de enunciados” é saber que os gêneros orais, que apresentam uma certa estabilidade na sua composição, podem ser ensinados na escola.

PORQUE

II. Os enunciados que compõem o gênero são formulados a partir de eixos que se sustentam na produção, circulação e recepção dos gêneros, daí a importância de se saber quem produzirá o jornal ou a entrevista, em que rádio ou canal ou site será veiculado e quem será o expectador da produção.

A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta:

Correto!

Se você tomar como base a definição do Bakhtin sobre gêneros textuais, que estudamos nesta seção, saberá que a estabilidade é um dos critérios que permitem o ensino dos gêneros orais na escola. Discutir o tripé produção, circulação e recepção na escola é imprescindível e eleva a importância de se estudar o enunciado, como nos mostrou Silva (2013), mas isso não é a justificativa para se ensinar gêneros na escola. O estudo do gênero na escola acontece, primeiramente, pela necessidade de dar ao aluno acesso a gêneros do âmbito social, aqueles que ele ainda não domina.

referências

ABREU, A. S. O design da escrita: redigindo com criatividade e beleza, inclusive ficção. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é e como se faz. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível em: https://bit.ly/34vTU30. Acesso em: 24 abr. 2020.

DELLA MÉA, C. H. de P.; PEREIRA, C. A. L. O gênero oral entrevista radiofônica em situações de ensino e aprendizagem: práticas de avaliação: Práticas de Avaliação. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, v. 20, n. 2, p. 196-200, 27 jun. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2HD4H2f. Acesso em: 1º maio 2020.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2010.

MARCUSCHI, L. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 17-32.

ORLANDI, E. Discurso e leitura. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

ORTHOF, S. Manual de boas maneiras das fadas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

ROMÃO, L. M. S.; PACÍFICO, S. M. R. As fadas de ontem, hoje e de nossa imaginação: outra leitura do condão mágico. In: ROMÃO, L. M. S.; PACÍFICO, S. M. R. Leituras em discurso: a literatura infantil na sala de aula. Ribeirão Preto, SP: Alphabeto Editora, 2010. p. 69-77.

SCHNEUWLY, B. Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da linguagem oral. In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 109-124.

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