Tipos de variedades linguísticas
Conheça alguns fatores importantes na definição de tipos de variedades linguísticas.

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Praticar para aprender
Caro aluno, nesta seção, você conhecerá as variedades linguísticas da nossa língua e entenderá os elementos condicionadores de uma variedade. Conhecer as variedades é um modo de entender como a língua funciona e, assim, entender e combater o preconceito linguístico para repensar o que é “falar certo” e o que é “falar errado”.
Você terá acesso a pesquisas atuais sobre as variedades por meio de uma área chamada Sociolinguística, que estuda a relação da língua com a sociedade. Os estudiosos dessa área são enfáticos em dizer que há vários modos de falar em uma língua, e a que a mais se aproxima da chamada norma-padrão ou culta é apenas um desses modos. Em quais situações você usa um modo de falar mais elaborado, mais sofisticado? Em quais situações a linguagem mais despojada é aceita? Essas são questões que nos permitem refletir e entender que a língua é mais do que um código com regras a serem aprendidas, mas que há convenções sociais de usos, e isso muda de sociedade para sociedade.
Assimile
Gnerre (2009, p. 6) diz que:
Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é, tem que ‘saber’: a) quando pode falar e quando não pode, b) quais tipos de conteúdos referenciais lhe são consentidos, c) que tipo de variedade linguística é oportuno que seja usada.
A Sociolinguística é uma área da Linguística que estuda a relação entre linguagem e sociedade, considerando a diversidade linguística. Essa ciência trabalha para o conhecimento da língua que caminha para a democratização das variedades.
As pesquisas e investigações que você verá nesta seção farão você refletir e realizar uma análise crítica da língua e do trabalho com a linguagem oral e escrita, o que contribuirá para o planejamento de práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas, sobretudo no combate ao preconceito linguístico. Os gêneros textuais estão aí para nos auxiliar nessa tarefa, pois, para cada um deles, são exigidos modos distintos de lidar com a linguagem. Que tal você aproveitar essa pluralidade de gêneros textuais para elaborar práticas de sala de aula na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental que envolvam manifestação popular e cultural da oralidade, considerando as variedades linguísticas e combatendo o preconceito linguístico?
Para contextualizar a sua aprendizagem, imagine que você seja uma professora do segundo ano do Ensino Fundamental e esteja em uma reunião pedagógica com professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. As reuniões pedagógicas são espaços de planejamento, discussões e formação docente que permitem que você, professor, exponha suas práticas pedagógicas e ouça a dos colegas, promovendo trocas de saberes. Torres (2007) reforça essas afirmações quando diz que as reuniões pedagógicas são espaços privilegiados nas ações partilhadas do coordenador pedagógico com os professores, pois discutem e refletem questões que partem da prática, buscando respostas e novos saberes.
Nessa reunião, surge uma nova discussão entre os professores e a coordenadora do Ensino Fundamental. Uma professora relata que os seus alunos do segundo ano se expressam muito mal, não realizam as concordâncias de maneira adequada e usam frases como “devolve minhas canetinha” e “os menino não deixam eu brincar”, ou não usam “r” em final de verbo no infinitivo, como “posso sai?”, “vou desenhá uma pirâmide” e “a Marina não qué me dá o lápis”.
Frente a essa discussão, a coordenadora solicitou um reencontro para que os professores apresentem para os colegas seu posicionamento sobre o exposto, embasados em reflexões científicas e com sugestões de trabalho para a sala de aula que promovesse a melhoria na linguagem oral das crianças.
Como você apresentaria as variedades linguísticas? Qual prática você elaboraria, levando em conta a diversidade linguística e cultural? Lembre-se de que esta prática precisa estar pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no que tange à oralidade no segundo ano.
Foco na BNCC
A BNCC insiste na valorização da diversidade durante toda a Educação Básica. Essa diversidade, descrita nas competências e nas habilidades apresentadas pelo documento, perpassa as manifestações de práticas sociais: culturais, artísticas e, também, linguísticas. Daí a importância de se estudar as variedades na formação do professor.
Frente a todos os desafios profissionais como professor, reflita, nesta seção, sobre a relação entre a variedade que os alunos trazem e a variedade que a escola precisa ensinar. Aproveite as tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir conhecimentos, resolver problemas e potencializar suas aprendizagens. Bons estudos!
conceito-chave
Caro aluno, nesta unidade, já estudamos as concepções de linguagem. Vimos que a concepção de linguagem que adotamos é o ponto de partida para todas as nossas práticas em sala de aula. Também refletimos sobre como a linguagem representa e forma identidades e o quanto o modo como falamos diz muito sobre nós. Entendemos as relações existentes entre a oralidade e a escrita, além de suas particularidades enquanto práticas sociais. Agora, entenderemos o que são variedades linguísticas, quais os tipos e a que estão condicionadas. Você entenderá o que é preconceito linguístico.
Em nosso dia a dia, nos deparamos com pessoas que falam das mais variadas formas, de maneira mais formal, mais coloquial, com frases mais longas ou mais curtas, com pronúncias diferentes e até mesmo com entonações diferentes. Esses são alguns exemplos de como as variedades se manifestam na oralidade em nosso cotidiano.
Já adiantamos que as variedades não acontecem apenas na oralidade nem, muito menos, funcionam em dois polos distintos, como formal/coloquial e oral/escrito; trata-se de algo mais complexo, e é isso que veremos nesta seção. Então, o que são variedades linguísticas? O que condiciona uma variedade? Quais são os tipos de variedade linguística que temos em nossa língua?
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Gnerre (2009) inicia o seu livro Linguagem, escrita e poder discorrendo sobre o valor que as produções linguísticas têm se realizadas no contexto social e cultural apropriado. Imagine um professor elaborando um decreto de suspensão de aulas. Você acha que esse decreto teria validade? Ou imagine, ainda, o Ministro da Educação apresentando uma portaria escrita numa variedade bastante informal, com expressões próprias de textos escritos coloquiais. Isso não soaria estranho? Aí entra a questão da adequação dos dizeres, sustentada por regras que não são apenas gramaticais, como se a língua fosse uma só, fechada, finalizada e pronta para ser usada.
O autor fala da importância de o falante ter em mente as regras que sustentam a linguagem, regras da língua e regras extralinguísticas, pois saber as regras da língua não é suficiente para usar bem essa língua, é preciso entender as convenções sociais onde essa língua é posta em prática: quem pode dizer o quê, em que situação, de que modo e para quem.
Na mesma direção de Gnerre, Alkmim (2001), da Sociolinguística, afirma que as variedades linguísticas utilizadas pelos falantes devem estar de acordo com as expectativas sociais convencionais. Essa observação é importante para você perceber que os usos sociais da linguagem vão além das regras estruturais da língua. É a partir da Sociolinguística que as variedades linguísticas são estudadas. Segundo a autora, “toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolingüística reserva o nome de variedades linguísticas” (ALKMIM, 2001, p. 32).
Perceba o quanto é importante sabermos o que são as variedades linguísticas (em alguns lugares, você pode encontrar também o nome “dialeto” para as variedades). Sem essa noção, como o trabalho em sala de aula pode acontecer sem que o preconceito linguístico apareça? Se desconsideramos as variedades, corremos o risco de compactuar com um ensino segregador, que privilegia apenas alguns que conhecem a chamada norma culta. Quando entendemos que há diferentes modos de falar, entendemos que a chamada norma culta ou padrão é apenas um ideal de língua portuguesa, e não a língua em si. Lembre-se de que toda língua apresenta variedades, não somente a nossa.
Santos (2004) mostra quão arriscado é o ensino pautado na supervalorização da norma culta e afirma que práticas escolares que favorecem o domínio da língua culta sem respeitar as variedades linguísticas que os alunos trazem, em vez de contribuírem para o domínio do nível formal, podem trazer consequências bastante negativas, como o bloqueio da expressividade do aluno, na oralidade e na escrita, dentro e fora da escola, ou apenas o domínio superficial da língua.
Você pode associar essas discussões aqui apresentadas com outras questões já levantadas nesta disciplina. Lembra-se da importância da concepção de linguagem para que as práticas de ensino sejam coerentes? Se você considera a linguagem como representação do pensamento, não tem como considerar as variedades linguísticas que os alunos já trazem, apenas instituirá a norma-padrão; se, para você, a linguagem é instrumento de comunicação, as relações intercomunicativas ficam de fora, e a linguagem é a mesma para todos. Mas, se para você a linguagem é processo de interação, em que, além de expressarmos o que pensamos e de comunicarmos algo, fazemos coisas com a linguagem, nas mais diferentes situações e nos mais variados contextos, é preciso ter em todo o planejamento escolar as variedades como quesito básico e indispensável para as práticas dentro e fora da escola. Qual é sua concepção de linguagem?
Outro ponto importante que estudamos foi a linguagem como construção da identidade. Você já refletiu sobre como pode ser doloroso para o aluno aprender que o modo de falar que ele traz, que é o mesmo dos integrantes da família, dos amigos e de outras pessoas com as quais ele convive em sua comunidade, não é “correto”, não é aceito ou, ainda, é motivo de deboche por muitos? Retomando as discussões propostas por Coracini (2007), para muitos essa língua que é imposta pela escola nada mais é do que estranha, estrangeira, desconhecida para ele e com a qual ele pouco se identifica. Antes de nos aprofundarmos em como ensinar Português na escola levando em consideração as variedades, vamos conhecer alguns tipos de variedades linguísticas que há na Língua Portuguesa.
TIPOS DE VARIEDADES LINGUÍSTICAS
Basicamente, há dois modos de se pensar as variedades: pelo viés geográfico e pelo viés social. Já começamos a entender que os modos como falamos têm relação direta com as pessoas com as quais convivemos, com o lugar onde moramos, classe social, idade, etc.
Preti (2000) nos diz que as variedades linguísticas estão condicionadas a variações extralinguísticas e nomeia essas variedades. Vejamos:
- Geográficas (ou diatópicas): diversidade regional; urbano versus rural; centro versus periferia.
- Socioculturais (ou diastráticas): classe social, profissão, sexo, idade.
Alkmim (2001) complementa que a variação geográfica ou diatópica está relacionada ao espaço físico e é observada entre falantes de origens geográficas distintas. Já a variação social ou diastrática tem relação com a organização sociocultural da comunidade de fala.
Alkmim (2001) elenca vários fatores para pensarmos sobre as variedades, então vamos conhecer alguns deles:
- Classe social, ou status socioeconômico, como coloca Pessoa (2010): grupos que se encontram abaixo da escala social falam de forma distinta daqueles de situação social/econômica privilegiada.
- Idade: diferença entre a fala de adolescentes e adultos, por exemplo.
- Sexo: homens e mulheres se apropriam de maneira diferente da linguagem.
- Situação ou contexto social: dependendo do nosso interlocutor, falamos de uma maneira e não de outra, adequamos nosso modo de falar à situação na qual estamos inseridos.
Pessoa (2010) inclui, ainda, outros fatores:
- Grau de escolarização: o acesso à educação formal, à cultura letrada, à prática da leitura e aos usos da escrita determina os modos de falar.
- Mercado de trabalho: as profissões e os ofícios afetam a prática linguística.
- Redes sociais: adotamos comportamentos linguísticos semelhantes aos das pessoas que são próximas a nós, que fazem parte do nosso convívio.
Quando as variações acontecem pelas situações ou contextos sociais, como Alkmim apresentou, alguns autores as chamam de “variação estilística ou de registro”, como Camacho (2001). Essa variação é o resultado da adequação da linguagem às finalidades específicas na interação verbal; se a situação é mais coloquial, a tendência é que utilizemos poucas frases formais.
Se a competência do falante inclui duas formas de expressão, como ‘Por favor, poderia me passar o açúcar’, em contraste com ‘O meu chapa, vai ficar alugando o açucareiro até quando? Dá pra passar ou não?’, o óbvio é que o primeiro enunciado seja selecionado, por exemplo, num jantar com pessoas estranhas e pouco familiares, enquanto o segundo seja selecionado, por exemplo, numa mesa de bar, que se compartilha com pessoas do círculo íntimo. (CAMACHO, 2001, p. 60)
Você percebeu quantos fatores são determinantes das variedades linguísticas? E que diferentes autores elencam os elementos condicionadores da variação linguística de maneira distinta? Isso acontece porque tudo o que envolve sociedade não é fixo. Apesar de alguns fatores se manterem por décadas, outros vão sendo incorporados, dadas as necessidades da linguagem. Hoje, com as novas mídias funcionando em velocidade crescente, outros modos variáveis da língua vão se formando. Poderíamos até pensar em outra classificação: variedades midiáticas, que incluiriam modos diferentes de falar e escrever nas diferentes mídias: rádios, TVs, podcast, redes sociais (como Facebook ou Instagram), WhatsApp, etc.
Reflita
Atualmente, com as novas mídias, você acha que as variedades linguísticas que circulam nos meios eletrônicos são recebidas pelas diferentes pessoas da mesma maneira? Você já desconfiou de algum texto que recebeu pela linguagem em que ele foi escrito?
Perceba que todas essas variedades também mudam ao longo da história, e aí teríamos as chamadas variações históricas. A língua muda com o tempo, e algumas palavras são incorporadas enquanto outras caem em desuso, como “chumbrega, supimpa e vosmecê”, as quais, certamente, você não ouve sempre; ao contrário de “acessar, printar, hashtag e stalkear”, que são exemplos recorrentes de estrangeirismos. Além disso, variedades que hoje são prestigiosas podem ter sido consideradas inferiores em outras épocas; ou, ao contrário, palavras sofisticadas de hoje podem ter sido consideradas desprestigiosas no passado.
Todas essas descrições são importantes para sua formação, pois, se há uma diversidade de indivíduos e de grupos sociais, de seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, por que não haveria uma diversidade linguística? Mas nada disso vale se você não promover práticas pedagógicas sem preconceitos de qualquer natureza, inclusive linguístico, que sejam pautadas nos direitos humanos. Essa é uma das funções da escola. A outra seria colocar os alunos frente a discussões pertinentes sobre quais variedades são aceitas e quais não costumam ser no social e o que determina a valorização linguística.
[...] uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, portanto, discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa. (BAGNO, 2006, p. 8)
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E RELAÇÕES DE PODER
A linguagem, enquanto prática social, estabelece relações de poder. Dizer isso é afirmar que os usos de linguagem não se restringem à adequação das variedades aos diferentes contextos, mas é colocar em jogo que os diferentes modos de falar não chegam a todos da mesma maneira, ou seja, há uma relação desigual de acesso às variedades, sobretudo às variedades que mais se aproximam da norma-padrão.
Gnerre (2009) fala que o padrão é um sistema associado a um patrimônio cultural e segue discutindo que a igualdade declarada na Constituição não se aplica à maneira como as pessoas falam. Inclusive, ele afirma que os valores dados às variedades em nada têm relação com questões da língua, mas com relações de poder: “Uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes” (GNERRE, 2009, p. 6).
As variedades prestigiosas, segundo o mesmo autor, estão associadas à escrita e à tradição gramatical. Percebe como Gnerre (2009) nos faz pensar que há um distanciamento na igualdade linguística? Escrever nunca foi e nunca será a mesma coisa que falar, pois ambas as práticas demandam formulações diferentes, exigem habilidades distintas, como já estudamos. Se as variedades de prestígio são portadoras de uma identidade nacional, quem tem acesso a ela? Com quais variedades os nossos alunos se identificam? E nós? Questionando de outra forma, quais são as variedades que constituem a identidade de nossos alunos e a nossa?
Para contribuir com essa reflexão, Santos (2004) acrescenta que o aluno tanto pode sentir vergonha de usar no meio “culto” sua própria variedade linguística como pode não ficar à vontade de usar em seu meio social um nível de língua que não lhe seja próprio e que ele sequer incorporou. E opiniões como essa são compartilhadas por diferentes autores que estudam a linguagem e sua relação com a sociedade.
Mollica (2004, p. 13) discute o preconceito linguístico e acrescenta que ainda encontramos a predominância de “práticas pedagógicas assentadas em diretrizes maniqueístas do tipo certo/errado”, que tomam como referência o padrão. Para ela, os estudos sociolinguísticos “oferecem valiosa contribuição no sentido de destruir preconceitos linguísticos e de relativizar a noção de erro, ao buscar descrever o padrão real que a escola, por exemplo, procura desqualificar e banir como expressão linguística natural e legítima” (MOLLICA, 2004, p. 13).
Esta é, para a escola, uma das grandes contribuições da Sociolinguística para o combate ao preconceito linguístico, repensar a polarização certo/errado e ressignificar para adequação linguística, considerando os interlocutores, a situação, o contexto, o conteúdo da fala, o objetivo pretendido, etc. É por isso que você deve privilegiar atividades que permitam aos alunos ouvir textos em diferentes variedades, para identificar as características regionais, urbanas e rurais da fala, promovendo o respeito às diversas variedades linguísticas e o combate ao preconceito linguístico, como nos propõe a BNCC (BRASIL, 2017), para todos os campos de atuação do Ensino Fundamental.
Combater o preconceito linguístico e valorizar as variedades linguísticas que os alunos trazem não eximem a escola de seu papel crucial, o qual, para Travaglia (2001), é desenvolver a competência comunicativa dos alunos e contribuir para que eles usem adequadamente a língua nas diferentes situações de comunicação.
A isso está associado o aprendizado da norma culta ou padrão ou, pelo menos, como diz Possenti (2002), criar condições para que seja aprendida.
Exemplificando
Exemplos que você pode, inclusive, encontrar entre seus alunos: as pronúncias abertas e fechadas do “e” da região Sudeste em relação a alguns estados do Nordeste; os diferentes “r” que temos na fala: paulistanos, paulistas, cariocas, etc.; as diferentes construções de frases: dia de domingo, aos domingos; sossega o facho, fique quieto; palavras ou expressões: oxe, uai, nossa. E várias outras que encontramos em nosso cotidiano.
Perceba que a escola é fundamental para colocar o aluno em acesso ao poder por meio da linguagem, diz Geraldi (2002), a partir da afirmação clássica de Gnerre (2009, p. 22): “a começar do nível mais elementar das relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
Pesquise mais
Há um site desenvolvido por pesquisadores da UFMG que, entre outras coisas, apresenta amostras sonoras de dialetos falados em diferentes regiões do Brasil. Vale a pena ouvir para você conhecer e usar como ferramenta para a sala de aula:
- DIALETOS do Português. Fonética & Fonologia: sonoridade em artes, saúde e tecnologia.
O livro de Silvia Segato, Variação Linguística, disponível na Biblioteca Virtual da Kroton, traz contribuições para as questões aqui apresentadas sobre as variedades linguísticas. Uma dessas questões são os mitos em relação ao Português, que o autor Marcos Bagno, apresentado por ela, vai desfazendo. Leia da página 9 a página 13 para conhecer esses mitos.
- SEGATO, S. R. Variação Linguística. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2017.
Você está preparado para respeitar as variedades linguísticas com as quais os alunos se identificam e, ao mesmo tempo, dar acesso às variedades mais próximas da norma-padrão, considerando que, em muitos casos, a escola é o único meio para isso?
Quando você elaborar as práticas pedagógicas, tenha em mente os contextos linguísticos, sociais, culturais, econômicos e políticos das escolas em que atua, atentando para as vivências dessas crianças. É possível criar práticas que auxiliem no combate ao preconceito linguístico sobre o modo como os alunos falam e, ao mesmo tempo, ser uma prática significativa em que eles são o centro da aprendizagem. Por isso, um repertório diversificado de estratégias didático-pedagógicas é importante, pois os estudantes são heterogêneos.
Vamos retomar alguns pontos e conhecer outros? Marcos Bagno (2007) é um autor da Sociolinguística que faz importantes críticas ao modo de considerar a língua homogênea, como se ela fosse uma só. Ele, como você já vimos nesta seção, rebate a ideia de língua única e homogênea. Confira um resumo das variações linguísticas:
Para visualizar o objeto, acesse seu material digital.
O diagrama apresenta 6 tipos de variações linguísticas:
Variação fonético-fonológica: Tem relação com o “som” de fonemas.
Relembre quantas pronúncias você conhece para o "R" da palavra "porta" no português brasileiro.
Variação morfológica: Tem relação com a formação das palavras.
As formas PEGAJOSO e PEGUENTO, que exibem sufixos diferentes para expressar a mesma ideia, são exemplos dessa variação.
Variação sintática: Tem relação com as frases.
Nas frases a seguir, o sentido geral é o mesmo, mas os elementos estão organizados de maneiras diferentes:
Uma história que ninguém prevê o final.
Uma história que ninguém prevê o final dela.
Uma história cujo final ninguém prevê.
Variação semântica: Tem relação com o sentido das palavras.
VEXAME, por exemplo, pode significar “vergonha” ou “pressa”, dependendo da origem regional do falante.
Variação lexical: Tem relação com a palavra em si.
Palavras MOLEQUE, PIVETE e GAROTO são consideradas sinônimas.
Variação estilístico-pragmática: Tem relação com o estilo da escrita.
Os enunciados "QUEIRAM SE SENTAR, POR FAVOR" e "VAMO SENTANO AÍ, GALERA" são usados em situações diferentes de interação social, mais ou menos formais, entre os interlocutores. Perceba que esses enunciados podem ser pronunciados pelo mesmo indivíduo em situações de interação diferentes.
Essas questões propostas por Bagno nos permitem estender a discussão para a distinção de competência e desempenho, do linguista Chomsky, que Margarida Petter (2002) nos traz:
Competência linguística:
A competência linguística é a porção do conhecimento do sistema linguístico do falante que lhe permite produzir o conjunto do conhecimento de sentenças de sua língua; é o conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem aos dados linguísticos que ouviu durante a infância. (PETTER, 2002, p. 15)
Desempenho linguístico:
Corresponde ao comportamento linguístico, que resulta não somente da competência linguística do falante, mas também dos fatores não linguísticos de ordem variada, como: convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre as atitudes do interlocutor, etc, de um lado; e, de outro, o funcionamento dos mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos enunciados. (PETTER, 2002, p. 15)
Em cima dessas afirmativas recaem as discussões sobre a adequação de linguagem nas diferentes situações. Há muitos fatores que afetam o modo como falamos, e ter desempenho linguístico, segundo Chomsky, contribui para isso. Não basta saber as regras da língua, mas é preciso conhecer as convenções sociais presentes na comunidade de fala.
Chegamos ao final desta seção que pretende discutir o preconceito com a língua. Considerar as variedades linguísticas de forma “democrática” fará com que você colabore para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva.
Faça valer a pena
Questão 1
De domingo
— Outrossim?
— O quê?
— O que o quê?
[...]
— Nada. Só achei engraçado.
— Não vejo a graça.
— Você vai concordar que não é uma palavra de todos os dias.
— Ah, não é. Aliás, eu só uso domingo.
[...]
O diálogo do texto de Veríssimo nos permite discutir o uso de palavras que fazem parte de grupo de variedades linguísticas consideradas de prestígio, apresentando uma possibilidade de adequação dessas palavras.
Em relação à adequação linguística, é correto afirmar que:
Tente novamente...
Tente novamente...
Correto!
As variedades linguísticas não se classificam em formais e informais. Estudamos vários autores, dentre eles, Bagno, Camacho e Pessoa, que nos mostraram uma classificação das variedades, que passa pela variedade geográfica, sociocultural, idade, sexo, redes sociais e, também, pelos registros, que são variedades de acordo com a situação. Mesmo as variedades por registro não se restringem a formal e informal, mas ao contexto em que a linguagem é produzida, como a relação entre os locutores, o conteúdo da conversa, os objetivos, etc.
Os diferentes modos de falar de uma língua apresentam julgamentos bem distintos na sociedade. Como nos diz Gnerre (2009), o valor de uma variedade dependerá de quem é o falante dela. Há uma relação desigual entre os diferentes falares, e você deve, inclusive, saber quais são os falares considerados inferiores e quais são os de prestígio em nossa sociedade.
As línguas mudam, isso é um fato indiscutível. O nosso desejo de purismo linguístico, de querer manter palavras já em desuso em nossas falas, é apenas um desejo e em nada vai mudar a natureza linguística de mudar de acordo com as necessidades de seus falantes.
Nenhuma palavra pode ser usada em todos os contextos. A adequação linguística consiste em, justamente, adequar os modos de falar: palavras, frases, conteúdo, etc. ao contexto. Assim sendo, palavras muito sofisticadas não se adequam a conversas informais, por exemplo. Muitos pensam que inadequação é apenas quando usamos uma variedade considerada informal ou de grupos muitos específicos em situações formais, mas o contrário também acontece. É bem desagradável conversar com alguém que, em um bate-papo numa festa, usa palavras de difícil entendimento ou construções frasais formais demais.
Tente novamente...
Questão 2
ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno.
Com base nas variedades linguísticas estudadas, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:
I. As variedades linguísticas consistem nos diferentes modos de falar de uma sociedade, e o texto de Drummond retrata um modo de variedade bastante específico: a variação histórica. As variações pelas quais a língua passa são inevitáveis.
PORQUE
II. Com o passar nos anos, servindo aos anseios de uma sociedade, novas palavras começaram a fazer parte do repertório linguístico, enquanto outras apenas seguiram em textos literários ou em outros textos de época.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta:
Tente novamente...
Correto!
As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I. A variação histórica consiste nas mudanças de uma língua ao longo do tempo; se há sociedade, há linguagem e há mudança.
A variação histórica é uma realidade em qualquer língua, ou seja, todas as línguas variam e, devido às mudanças ao longo do tempo, algumas palavras saem de uso, enquanto outras passam a fazer parte da língua. Isso é uma consequência da mudança histórica, e não sua justificativa.
Tente novamente...
Tente novamente...
Tente novamente...
Questão 3
Saber português não é só aprender regras que só existem numa língua artificial usada pela escola. As variações não são fáceis ou bonitas, erradas ou certas, deselegantes ou elegantes, são simplesmente diferentes. Como as línguas são variáveis, elas mudam.
Fiorin explica que as variações de uma língua não são passíveis de julgamentos, elas simplesmente existem, porque qualquer língua muda. Considerando o contexto, avalie as afirmativas a seguir:
- Variedades linguísticas de menos prestígio são consideradas inferiores frente a outras variedades. Daí a importância de se discutir variedades na escola.
- A variedade linguística é típica de pessoas com baixa escolaridade, não ocorrendo em outros grupos.
- Abolir essa variedade é papel da escola, considerando que esta precisa ensinar a norma-padrão.
- Tratar a variedade linguística como inferior é um modo de praticar preconceito linguístico.
Assinale a alternativa correta:
Tente novamente...
Correto!
A afirmativa II está incorreta, porque não podemos restringir uma variedade ao nível de escolaridade, pois há falantes com nível de escolaridade alto e que, na oralidade, se utilizam dessa mesma variedade; assim como podemos ter falantes com nível de escolaridade baixo e não apresentar essa variedade. As variedades são determinadas, na maioria das vezes, pela comunidade na qual o falante se insere.
A afirmativa III está incorreta, porque a escola não deve abolir nenhuma variedade linguística. É papel dela ensinar a chamada norma-padrão ou culta, mas sem buscar extinguir a fala que a criança traz e que a identifica.
Tente novamente...
Tente novamente...
Tente novamente...
referências
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